Entenda porque grandes grupos como Amazon e iFood têm medo dos sindicatos
Crescimento da organização dos trabalhadores na luta por direitos acirra práticas antissindicais por parte das empresas que temem a unidade do coletivo nos embates por melhores condições de trabalho e renda
Publicado: 14 Abril, 2022 - 15h20 | Última modificação: 14 Abril, 2022 - 15h26
Escrito por: Rosangela Fernandes, da CUT-Rio | Editado por: Marize Muniz
No Brasil, o iFood contrata agências de publicidade para criar robôs que atuam na internet e criam ações para combater à organização dos trabalhadores e trabalhadoras que estão lutando por melhores condições de salário e renda.
Nos Estados Unidos, trabalhadores da Amazon se unem e decidem se filiar ao sindicato, apesar a forte reação da empresa contra a organização. As ações das empresas para impedir que os trabalhadores se organizem já chamou a atenção até do Papa Francisco para quem a atuação das entidades sindicais é uma forma legítima de construir o novo pacto social.
“Um dos maiores desafios dos sindicatos hoje é proteger não só quem está dentro do mercado de trabalho, mas também quem está fora dele, descartado ou excluído. O capitalismo do nosso tempo não compreende o valor do sindicato, porque esqueceu a natureza social da economia. Este é um dos maiores pecados”, explicou o Papa.
E as duas notícias divulgadas neste mês envolvendo o iFood e a gigante Amazon, apesar da distância geográfica, revelam a nova realidade no mundo do trabalho, as dificuldades para se organizar diante da pressão patronal, das ações antissindicais como ameaças de demissão e não garantia de emprego de dirigentes sindicais, e, ao mesmo tempo, trazem esperança e apontam desafios, como disse o Papa Francisco.
Os dois grupos de trabalhadores, da Amazon e do iFood, compõem uma força de trabalho que, apesar de suas diferenças, é resultado do avanço das novas tecnologias, mas principalmente de décadas de neoliberalismo que levaram à flexibilização da legislação trabalhista e à precarização das condições de trabalho.
Nos últimos anos, houve esforço para vender a imagem de que no mundo pós-moderno a organização sindical era obsoleta e dispensável para assalariados como os da Amazon e que até mesmo o vínculo empregatício era coisa do passado, como no iFood, onde todos são ‘colaboradores’, portanto, sem nenhum direito trabalhista, e pela propaganda, deveriam se orgulhar disso. Embaladas sob o moderno nome de “empreendedorismo”, a uberização é promissora, sim, mas só para os patrões.
Práticas antissindicais
A Amazon e o iFood têm em comum as chamadas de práticas antissindicais, ressalta o supervisor técnico do escritório do Rio de Janeiro do Departamento Intersindical de Estudos e Estatísticas Socioeconômicas (Dieese), Paulo Jager.
Essas práticas são aquelas que, direta ou indiretamente, cerceiam, desvirtuam ou impedem a legítima ação sindical em defesa e promoção dos interesses dos trabalhadores e das trabalahdoras. As práticas antissindicais são vedadas pela Convenção nº 98 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e estão no artigo 8° da Constituição Federal.
“A Amazon faz declarações recorrentes contra os sindicatos. O dono da Amazon se colocou nesse período da pandemia entre os mais ricos do mundo. Em parte, isso é explicado pelo fato de que os trabalhadores ganham muito pouco, trabalham em jornadas muito extensas, não têm nenhum tipo de proteção. O iFood agiu com todas as forças para evitar que esses trabalhadores se organizassem através de um sindicato. Essas empresas agem duramente contra tentativas de organização porque elas sabem que isso é crucial para gerar os resultados que elas obtêm”, pontuou o diretor do Dieese.
Consciência e reação
O paraíso prometido pelas novas organizações de produção, que tira direitos e trata o trabalhador como colaborador, termo aplaudido pela mídia ttradicional, dona de grandes empresas de comunicação e em outras áreas, começa a parecer inalcançável, dando lugar à consciência sobre os seus riscos e, consequentemente, sobre a necessidade de organização do coletivo para lutar por direitos, afirma o presidente da CUT-Rio, Sandro Cézar.
“Ao mesmo tempo em que as condições de trabalho com a adoção dessas novas relações, com a economia de aplicativos, são terríveis para o trabalhador, é a partir delas que ele começa a entender que não existe solução individual, a partir daí, busca formas de se organizar e se reencontrar com o sindicato”, afirma Sandro.
Na avaliação do sindicalista, a reação das empresas tentando bloquear a união dos trabalhadores em busca de direitos é esperada.
“Essa recente escalada da prática antissindical, por meio de redes e por outros mecanismos de marketing, é um retrato da reação do sistema capitalista. Os sindicatos têm esse papel de brigar pelo direito dos trabalhadores, fazer avançar os salários e os direitos trabalhistas, por isso as grandes corporações nos temem”, completa.
Uma percepção do momento atual que é compartilhada por Paulo Jager: “Os trabalhadores estão percebendo que sozinhos não são capazes de lidar com esse tipo de empregador, que eles têm que se organizar coletivamente. O neoliberalismo tem dado mostras de vir se esgotando e os trabalhadores parecem ter percebido”, afirma.
Desafios para os sindicatos
Alterar o quadro não é tarefa simples. No Brasil, segundo o Dieese, a taxa de sindicalização caiu de 16,1%, em 2012, para 11,2%, em 2019. Nos Estados Unidos, enquanto na década de 1980, cerca de 20% dos assalariados eram representados por sindicatos, em 2021, segundo o Pew Research Center, esse percentual foi reduzido para 10,3%. Mas a expectativa é de que essa tendência se reverta. As sindicalizações em grandes empresas, as greves que se espalharam pelos Estados Unidos em 2020, a organização dos trabalhadores de aplicativos no Brasil trazem novos ares.
A esperança que brota da reorganização da luta anima o movimento sindical e assusta o patronato. A estratégia do iFood de criação de perfis falsos nas redes sociais para desestimular a união e reivindicações dos trabalhadores por aplicativos simboliza o que as grandes corporações são capazes. Um jogo pesado de desinformação que se estabelece nas redes, como avalia o sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira, pesquisador de redes digitais.
“Eles não querem convencer os entregadores de que a precarização é boa, é correta. Eles querem fazê-los acreditar que aquilo é a única alternativa que vai melhorar a vida deles. Fazem isso não com base em fatos, fazem com base em desinformação. O que esses publicitários fizeram na verdade não têm diferença nenhuma do que a máquina de propaganda bolsonarista fez com cloroquina, com vermífugo, que levou pessoas inclusive à morte”, ressalta.
O professor da Universidade Federal do ABC destaca que a lógica neoliberal não se restringe a destruir as relações de trabalho, mas afeta todo regime democrático.
“O que precisa ficar bem claro é que os neoliberais romperam com a democracia e por isso eles financiam tanto agências de publicidade para impedir a organização dos trabalhadores quanto forças políticas que querem, na verdade, romper efetivamente com as estruturas democráticas. Então isso não é eventual, isso é uma articulação de um neoliberalismo que cada vez mais se aproxima de um fascismo digital”, alerta.
Enfrentar essa campanha de desinformação e ataque aos movimentos sociais é, na avaliação de Sandro Cézar, uma tarefa urgente.
“É fundamental fazer o contraponto dessas campanhas de destruição dos sindicatos, uma vez que se sabe que os capitalistas enxergam muito bem qual é o papel do sindicato. Agora é a nossa missão fazer com que cada vez mais os trabalhadores e trabalhadoras possam reconhecer esse instrumento de luta, de construção coletiva, que vem ao longo do tempo mudando a história da civilização. E juntos defendermos não só os direitos, mas o bem precioso que é a democracia, hoje sob ataque”, conclui.