Entidades debatem estratégias de luta para garantir alimentação dos brasileiros
Os impactos das políticas retrógradas de Temer, como a reforma Trabalhista e o congelamento de gastos públicos, que fizeram o Brasil voltar ao Mapa da Fome, foram debatidos em encontro no RJ
Publicado: 14 Novembro, 2018 - 19h03 | Última modificação: 14 Novembro, 2018 - 20h17
Escrito por: Andre Accarini
Entidades de pesquisas, movimentos sociais e movimento sindical, incluindo a CUT, participaram no Rio de Janeiro, de segunda-feira (12) até esta quarta-feira (14), do 8° Encontro Nacional do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional, cujo tema foi “Como não falar em comida de verdade se a fome está de volta?”.
O Fórum, que já tem 20 anos de existência, foi criado em 1998 com o propósito debater e traçar estratégias de luta pelo direito humano à alimentação adequada.
A coordenadora do Fórum, Maria Emília Lisboa Pacheco, que também faz parte do Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), explica que, apesar do conceito de segurança alimentar como direito humano básico estar garantido no artigo 6° da Constituição, decisões políticas podem colocar esse direito em risco.
O artigo 6º estabelece que “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”.
O 8° encontro do Fórum colocou no centro do debate justamente os prejuízos à soberania alimentar causados por medidas como a reforma Trabalhista, que precarizou o mercado de trabalho, e a Emenda Constitucional 95, que congela os investimentos públicos por 20 anos, entre eles, o Programa de Aquisição de Alimentos.
Os retrocessos promovidos pelo governo ilegítimo e golpista de Michel Temer (MDB-SP), que incluem também cortes em programas como Bolsa Família, fizeram o Brasil voltar ao Mapa da Fome da ONU.
A vice-presidenta da CUT, Carmen Foro, explica que se não há uma política que impulsione a produção e distribuição de alimentos e não há incentivo ao pequeno produtor da agricultura familiar. A tendência, diz a dirigente, é a fome voltar a assombrar as camadas mais vulneráveis da sociedade.
“O que a gente vê é claramente uma situação de insegurança alimentar”, diz Carmen se referindo as medidas de Temer e as propostas que Bolsonaro já anunciou em sua rede social.
Os debates do Fórum também abordaram outros aspectos como a qualidade da alimentação dos brasileiros.
“A campanha tem relação não somente com o direito de comer, mas sobre o que e como o brasileiro está comendo”, diz Carmen Foro.
Ela explica que a disputa de produção, a serviço do capital, faz com que grandes empresas baixem a qualidade dos produtos, o que se reflete diretamente na saúde do trabalhador e da trabalhadora.
Futuro inseguro
Além de denunciar o estrago causado por Temer, o Fórum tratou dos riscos a serem enfrentados com o governo eleito. Jair Bolsonaro (PSL) já trouxe um ambiente de ataques aos direitos humanos, em que as ações do governo em conjunto com a diminuição do papel do Estado podem agravar ainda mais a situação da insegurança alimentar.
“Há um risco iminente de um aumento maior da fome no Brasil e da violação dos direitos humanos, por isso é preciso que o tema ganhe força e uma estratégia de lutas dos movimentos sociais e sindical”, reforça Carmen.
Para ela, defender a garantia de alimentação faz parte do debate da democracia.
Que país democrático é esse onde as pessoas estão em situação de insegurança alimentar, um país que saiu mas voltou ao Mapa da Fome?
A vice-presidenta da CUT alerta que “a sociedade precisa saber que as medidas de Temer provocaram um ‘caos social’ e a volta da fome na periferia, nas áreas rurais, nas comunidades indígenas e a todas as camadas vulneráveis da sociedade”.
“Enquanto isso, pra frente, o que a gente assiste é um esquartejamento de uma estrutura que protegia setores, como dos agricultores familiares”, critica Carmen. “Não há uma visão estratégica de governo para o tema e todos serão afetados”.
Luta
Como resultado, o Fórum elaborou uma ‘carta política’, que direciona a estratégia de luta pela segurança e soberania alimentar no Brasil tendo como ponto de partida a defesa da democracia.
“Não haverá soberania alimentar sem democracia, por isso é importante a mobilização dos movimentos sociais e o engajamento da sociedade sobre o tema”, afirma a coordenadora do Fórum, Maria Emília Lisboa Pacheco.
Para ela, falar de segurança alimentar é falar desde a produção até o consumo e, também, assim como analisa Carmen Foro, estar atento à questão da qualidade do que o brasileiro come.
A carta traz ainda um diagnóstico sobre os desmontes das políticas de violação de direitos que serve de alerta para entidades dos movimentos sociais se envolverem ativamente na luta pela soberania alimentar.
Outro ponto é a garantia de acesso à terra e ao território. Segundo Maria Emília, o processo de concentração de terras destinadas à produção de commodities, voltadas à exportação, afasta a possiblidade de o Brasil ser um país que garante soberania alimentar. Ela exemplifica: “É um desequilíbrio na produção. Hoje o arroz está concentrado no sul, com uma redução drástica de variedades e o Brasil está importando feijão.”
O Fórum
Criado há 20 anos, o Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional deu origem ao CONSEA durante o governo Lula. Tanto o Fórum quanto o Conselho, tiveram participação ativa em várias políticas afirmativas de combate à fome e a miséria, que representaram importantes avanços nos últimos anos.
Uma dessas política é Lei do Programa Nacional de Alimentação Escolar. Mesmo com mais de 60 anos, o programa só foi regulamento em 2009, quando se tornou Lei [11.497], e assim conquistas foram alcançadas, como o reconhecimento da alimentação como direito humano.
Outra inovação da Lei foi a obrigatoriedade de que 30% dos recursos sejam destinados à compra de alimentos da agricultura familiar, e que escolas tenham nutricionistas para elaboração de cardápio que atenda às necessidades das crianças.
O conjunto de ações dessa natureza fizeram com que o Brasil saísse do Mapa da Fome, segundo Maria Emilia Lisboa Pacheco.
Por outro lado, o Fórum debateu eventuais caminhos para o CONSEA no novo cenário político do Brasil. A coordenadora do Fórum e membro do Conselho, do qual a CUT faz parte, questiona o que Bolsonaro poderá fazer com espaços assim. “Para Lula, enfrentar a fome era assunto de maior importância do Estrado Brasileiro. Agora, há só resta a preocupação”, ela lamenta.