Escrito por: Rosely Arantes, da FETAEPE

Envelhecer com dignidade, autonomia e qualidade de vida

Em homenagem a essas pessoas a CUT PE apresenta, a partir de hoje, uma série de reportagens que traz à tona o invisibilizado universo do envelhecimento da classe trabalhadora.

Reprodução

Instituído desde 2006 pela Organização das Nações Unidas (ONU) e pela Rede Internacional de Prevenção à Violência à Pessoa Idosa, o 15 de junho, é o Dia Mundial de Conscientização da Violência contra a Pessoa Idosa. As velhas e os velhos de hoje lutaram por direitos e seguem garantindo a circulação de riquezas nos pequenos e médios municípios do Brasil, segundo dados da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil (ANFIP).

Em homenagem a essas pessoas a CUT PE, em parceria com a Fetape e Fetaepe, apresenta, a partir de hoje, uma série de reportagens que traz à tona o invisibilizado universo do envelhecimento da classe trabalhadora. Hoje, você vai conhecer a história de duas pessoas que continuam no trabalho produtivo e transformando o mundo ao seu redor. Confira.

 “A velhice deveria nos deixar mais tranquilos. Mas eu carrego dentro de mim grande dose de ansiedade para saber pra onde caminha a humanidade? ” A fala carregada de sentidos reflete parte das angústias que muitas brasileiras e brasileiros sentem ao chegar aos 60 anos. A autora da frase é uma enfermeira sanitarista, mãe de Augusto, Luara e Maria, atualmente assessora de Relações Institucionais do senador Jaques Wagner (PT-BA). Não bastasse a trajetória ativa no executivo e junto a movimentos sociais do campo, é agora mestranda no curso de Políticas Públicas em Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). 

Foto: Marcelo Casal Jr - ABr

Não haveria surpresa alguma neste breve currículo, caso estivéssemos falando de uma mulher jovem ou adulta. No entanto, Eva Maria Dalchiavon compõe o grupo de pessoas que mais cresce no Brasil, aquele com 60 anos ou mais, idade estipulada pelas Nações Unidas e o Estatuto do Idoso para descrever “pessoas mais velhas”.

Do outro lado do país, o cortador de cana, Antônio Ferreira da Nóbrega, também continua no trabalho produtivo. Aos 71 anos é pai de Cristina, Cristiano, Daniel, Roseane, Midian, Edna, Edson, Edjane, Lady Laura e Ludmila. Aposentado ele responde pela presidência do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Assalariados Rurais (STTAR) de São Lourenço da Mata, além da suplência no Conselho Fiscal da Federação dos Trabalhadores e Trabalhadoras Assalariados Rurais de Pernambuco (FETAEPE). É de responsabilidade o cargo que ocupa fiscalizar o cumprimento dos direitos da categoria e estar perto da base, “ouvindo e orientando os trabalhadores porque a vida não tem sido fácil pra nosso povo, não”. Nóbrega ainda cuida do roçado, atende no sindicato duas vezes por semana e faz trabalho de campo junto a categoria.

Foto: FETAEPE

Segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE/2018), em 2010, as pessoas velhas representavam 7,3% da população. Hoje já são 18,62 de brasileiras/os. E as projeções apontam para acentuada elevação com previsão de que em 2046 ultrapasse a barreira de 20%. E, até 2060, o percentual de pessoas com mais de 65 anos passará para mais de 25%. Ou seja, um em cada quatro brasileiras/os será velha/o. Ainda que, como mostra a reportagem O futuro é dos velhos, da revista Continente de maio deste ano, já exista estudos que apontem a regressão dessa expectativa em dois anos, como efeito da pandemia da Covid-19 para as/os brasileiras/os.

A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que, em 2050, a grande maioria das/os velhas/os estará vivendo em países de baixa e média rendas, e isso inclui o Brasil. Diferentemente de outros países, aqui essa etapa da vida não vem acompanhada do conjunto de políticas e serviços que garantam um envelhecer com dignidade e autonomia para todas as pessoas. Somada as restrições provocadas pela reforma trabalhista e previdenciária, a Emenda Constitucional Nº 95/2016, que congela o orçamento em 20 anos, não permitindo aumento no investimento e ampliação dos recursos na saúde e na educação e, portanto, em pesquisas, fragiliza ainda mais a vida da classe trabalhadora velha. Logo, envelhecer nesse ambiente está mais para um acumulado de riscos do que um momento de descanso e desfrute.

 

Mas afinal, o que é envelhecer? Para o terapeuta ocupacional e especialista em Gerontologia, Antônio Rodrigues, o envelhecimento é um processo natural. “No curso da vida ocorrem mudanças biopsicossociais que começa na concepção (geração do ser vivo) até a sua morte e como consequência natural temos a velhice. Para tentar chegar bem na velhice precisamos nos cuidar durante todo o processo”.

Logo, envelhecer é algo que não ocorre de um dia para outro e diversos fatores podem contribuir ou não para um bem viver no fim da vida.  Para tentar alcançar uma qualidade de vida na velhice, Rodrigues orienta uma rotina de exercícios físicos, atividade cognitiva, socialização e uma boa alimentação. Entretanto, para a classe trabalhadora envelhecer é algo que não possui alcance compensatório ou perspectiva de descanso ou diminuição da carga de afazeres. A professora Eneida Haddad, em seu livro “A Ideologia da Velhice” já alertava que “o lugar ocupado pelo trabalho durante a vida produtiva é decisivo na qualidade do fim da vida na velhice”. O que requer além de qualidade nas condições laborais, um conjunto de políticas e serviços públicos que garanta saúde, educação, saneamento, terra, alimentação de qualidade entre outros direitos.

Em abril do ano passado, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) identificou que as pessoas velhas estavam presentes em 24,9% dos domicílios no Brasil e que elas/es contribuíam com mais de 50% da renda domiciliar, com aposentadorias, pensões, rendimento do trabalho ou de outro tipo. O boletim “Quem são os idosos brasileiros” registrou também que no final de 2019, 22,9% da população com 60 anos ou mais de idade estavam trabalhando e representavam 8,2% dos ocupados.

Em condições como estas, qual o tempo para o descanso, a sociabilidade, o lazer e o sonho para quem vive o curso de vida sem as políticas e serviços públicos que garantam o bem viver, preenchido pelo trabalho e sem conseguir acumular os recursos necessários à sobrevivência?

Para Eva, o sonho e a perspectiva foi encontrada na volta à sala de aula. “A vida é um tempo de aprendizado, ainda há muito o que fazer. O meu desejo é o de voltar aos estudos para refletir a minha prática política, especialmente na gestão pública. E o segundo motivo é porque eu ainda quero dar aulas”, explica sorrindo.

Nóbrega sem titubear responde que quer continuar na luta, “quero viver junto dos trabalhadores relembrando e explicando a eles o que eu passei, que pegava de 6 da manhã até 6 da noite cortando cana e que é preciso continuar lutando pra garantir os direitos”, finaliza.

Em seus versos Sentimentos do Mundo, o poeta Carlos Drummond de Andrade já nos alertava:  “Pouco importa venha a velhice, que é a velhice? Teus ombros suportam o mundo e ele não pesa mais que a mão de uma criança”.