Escrito por: Rosely Rocha
Instituição ligada à Arquidiocese de Natal alerta para os efeitos nocivos dos contratos entre as comunidades e empresas transnacionais para a instalação de eólicas no Rio Grande do Norte
A impossibilidade de dormir com um barulho ensurdecedor por 24 horas, viver com sua casa suja, respirando um ar empoeirado e perder a sua plantação e animais por causa dos malefícios causados por uma torre de eólica, que em tese vai produzir energia “limpa” , faz parte do dia a dia da população de algumas comunidades dos estados do Nordeste, especialmente nos Territórios do Mato Grande, Seridó e Açu-Mossoró, no Rio Grande do Norte, que vem tendo suas terras praticamente tomadas por empresas alemãs, norueguesas e norte americanas, francesas, entre outras transacionais, que estão instalando parques eólicos no Brasil.
Para a instalação de uma torre é preciso dinamitar e cimentar 20 metros de profundidade, as pás das eólicas fazem um barulho insuportável e as estradas abertas para levar equipamentos não são asfaltadas, levantando muita poeira que afeta a qualidade da vida das pessoas, dos animais e estraga as verduras, frutas e toda a plantação dos agricultores familiares.
O Coordenador do Serviço de Assistência Rural e Urbano-SAR, da Arquidiocese de Natal (RN), Francisco Adilson da Silva, o Diácono Adilson, tem acompanhado de perto o drama das famílias impactadas negativamente pelos parques eólicos desde 2017 quando os atingidos começaram a procurar o SAR para fazer denúncias, principalmente sobre os contratos sigilosos e danosos à população local. Ele é entrevistado da terceira reportagem sobre os impactos dos parques eólicos na região Nordeste do país.
“O processo é bastante danoso por que se instalarem além das torres eólicas, todas as usinas solares previstas que são em torno de 500, não vamos ter espaço nesse estado [Rio Grande do Norte], para a produção de alimento. É um desafio grande em como conciliar a produção de energia e a produção de alimento”, critica
“Daqui a pouco, a gente vai ter uma crise de alimentos nesse país porque eles sabem que quem bota alimento na mesa do brasileiro não é o agronegócio, é a agricultura familiar”, complementa o Diácono.
Hoje 5% do território do estado do Rio Grande do Norte estão ocupados pelas eólicas. Até o ano passado eram 27 empresas de capital nacional e internacional e 19 empresas multinacionais atuando no setor.
Contratos abusivos
Além dessas mazelas existe ainda um problema maior: os contratos assinados por moradores de comunidades para o uso da terra em sua propriedade por essas empresas, muitas vezes por décadas, o que impede que ela seja devolvida aos seus donos de fato, sem multas astronômicas, impagáveis.
Um relatório técnico do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc) apontou a existência de cláusulas abusivas em contratos de arrendamento de terras pelas usinas produtoras de energia eólica no Nordeste. Dentre os problemas apontados pelo estudo estão, por exemplo, a previsão de multas de até R$ 5 milhões para pequenos agricultores que decidirem desistir de arrendar suas terras para tais empresas. Por outro lado, nenhum dos contratos analisados previa que as empresas fizessem qualquer tipo de compensação às comunidades e pequenos proprietários de terra caso o empreendimento seja desfeito.
“O primeiro problema é o modelo enganador que chega na comunidade. A princípio eram contratos sigilosos, ninguém podia então ter acesso. Nós tivemos aqui exemplos de pessoas ligadas a alguns sindicatos, que começaram a acompanhar os trabalhadores e a empresa chamou e disse que tinha seus próprios advogados para ‘ajudar’. Imagina só, a empresa ter advogados que supostamente vão ajudar quem arrendou as terras”, conta o Diácono.
A situação chega a ser tão bizarra que empresas contratam bancas de advogados para intermediar as negociações para elas e fazem os agricultores e trabalhadores pagarem pelos serviços advocatícios.
“Quem arrenda a terra tem um desconto de 7,5% nos contracheques mensais que recebem pela cessão, para pagar pelos serviços desses advogados”, diz o Diácono Adilson. Segundo ele, os valores dos arrendamentos acordados até para quem já tinha contrato têm diminuído.
“A pessoa arrendou suas terras por R$ 2 mil, R$ 3 mil e hoje está recebendo R$ 800, R$ 700 e não tem para quem reclamar, e ainda existem contratos que podem ser renovados automaticamente por mais 40 anos, e se a pessoa se arrepender não pode retomar sua terra”, afirma.
Saúde ameaçada
Além dos prejuízos na agricultura a saúde da população atingida pelas eólicas vem sendo bastante debilitada. Segundo Adilson, uma senhora da cidade de Caiçara do Norte, disse chorando que o vizinho arrendou a terra e a casa dela está próxima à torre e o barulho ensurdecedor é durante 24 horas e ela e seu filho não conseguem dormir.
Há estudos que mostram problemas de saúde, gente que está ficando com surdez, depressão, problemas de pele porque aquele mecanismo tem uma fibra que fere a pele. Enfim, um equipamento criado para diminuir a poluição do ar acaba contaminando o meio ambiente e gerando um grande problema de saúde, inclusive para os animais criados nessas localidades- Francisco Adilson da SilvaOutros estudos mostram que o ideal é que as torres fiquem a uma distância mínima de dois quilômetros das moradias, mas isso não vem ocorrendo. Ao contrário, há instalações a apenas 110 metros distantes de residências.
Cartografias sociais
O Diácono conta ainda que esses contratos acabam ultrapassando os limites de uma simples cessão pois os donos das terras têm suas áreas verdes e fontes de água invadidas. Diante deste cenário calamitoso, a SAR em parceria com outras entidades passou a utilizar na região atingida, como forma de demonstrar às comunidades os prejuízos, as cartografias sociais que permitem às comunidades desenhar, com a ajuda de profissionais, os mapas dos territórios que ocupam. De cunho social ela oferece possibilidades de dar poder, visibilidade e voz aos povos tradicionais e grupos sociais fragilizados.
“Com o levantamento das cartografias, fizemos, em outubro passado, com a ajuda de diversos parceiros, um seminário para devolver às comunidades o material produzido e alertar sobre os diversos problemas existentes. Diante da situação atual às comunidades presentes resolveram criar um movimento chamado MAR: Movimento dos Atingidos pelas Renováveis, com a participação também de representantes de outros estados, como o Ceará e a Paraíba. Movimento este que vem crescendo com a participação de seis estados do Nordeste e pretende assumir este trabalho de articulação em todos os estados do Nordeste e do Brasil, onde existam atingidos por este modelo”, conta Adilson.
Em relação aos abusos contratuais e quebras de contrato por parte de algumas empresas na tentativa de reverter essa situação, a CUT e a Federação dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares do estado do Rio Grande do Norte (FEPAR-RN ) instalaram um corpo jurídico para acompanhar os casos e entraram na Justiça com uma ação coletiva, no município de Serra do Mel (RN), assinada por 200 produtores rurais contra esses contratos abusivos que só lesam às comunidades em que os parques eólicos estão sendo instalados.
Sobre o SAR
O Serviço de Assistência Rural e Urbano (SAR) é uma instituição ligada à Arquidiocese de Natal, criada há 75 anos para evangelizar, a partir da realidade e da exclusão social. A partir daí teve início o trabalho da organização das comunidades em prol do direito à terra e pela reforma agrária.
Na última década o SAR começou a se envolver mais na discussão sobre a questão climática, ambiental e ecologia. E hoje a atuação é no combate aos efeitos das mudanças climáticas, pela preservação do meio ambiente, a educação ambiental, a luta pela questão da água e também a economia solidária, qualificação de jovens e adultos para o trabalho.
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