Equipe de transição de Lula recomenda reversão do processo de liquidação da Ceitec
Durante a coletiva, o GT de Ciência e Tecnologia apresentou um diagnóstico preocupante para o setor no país
Publicado: 12 Dezembro, 2022 - 10h03
Escrito por: CUT-RS com Rede Brasil Atual e Agência Brasil
A equipe de transição vai propor ao presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) que reverta o processo de liquidação do Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada (Ceitec), empresa estatal que é a única desenvolvedora e fabricante de semicondudores e chips eletrônicos da América Latina.
A informação foi divulgada pelo coordenador do grupo de trabalho de Ciência, Tecnologia e Inovação do futuro governo, o ex-ministro Sergio Rezende, durante coletiva de imprensa na tarde desta quinta-feira (8), em Brasília.
Criada em 2010, com sede em Porto Alegre, a empresa foi incluída pelo governo de Jair Bolsonaro (PL) no Programa de Parcerias e Investimentos (PPI), inicialmente para ser privatizada. Sem compradores, o governo então decidiu encaminhar a extinção da empresa, mas o processo de liquidação foi suspenso em setembro de 2021 pelo Tribunal de Contas da União (TCU), sem previsão para continuidade do julgamento.
"Já estamos fazendo gestões com o TCU, para que ele interrompa o processo, deixe para o próximo ano. E também gestões para que o próximo governo reverta a liquidação da Ceitec. Felizmente, ainda dá tempo de recuperar a empresa", destacou Rezende.
O ex-ministro enfatizou que a Ceitec é uma empresa estratégica para o desenvolvimento de tecnologia de ponta no país. Segundo ele, o déficit de R$ 20 milhões que a empresa tinha, e que foi usado como um dos motivos para a sua extinção, era um valor muito pequeno frente ao potencial de desenvolvimento de uma cadeia produtiva no setor. Além disso, o desempenho da empresa poderia ter sido melhor se empresas públicas tivessem fomentado o mercado nacional.
"Os governos não compraram os chips da Ceitec, que poderiam ter feito, através do Banco do Brasil e Caixa Econômica, comprando para os cartões de banco, Casa da Moeda comprando chips para passaporte", exemplificou.
Durante a coletiva, o GT de Ciência e Tecnologia apresentou um diagnóstico preocupante para o setor no país, especialmente por causa da redução drástica de recursos na área.
Segundo Rezende, "o sistema nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação passa pela maior crise dos últimos 24 anos. Essa crise tem vários indicadores claros. Por exemplo, a redução drástica de recursos discricionários [da pasta], de R$ 11,5 bilhões, em 2010, para R$ 2,7 bilhões [atualmente]. Já é o valor deflacionado [descontada a inflação]".
Ele também mencionou o congelamento dos valores das bolsas de pesquisa de agências como a Capes e o CNPq, e anunciou que a equipe de transição vai propor ampliação dos orçamentos dos dois órgãos para viabilizar um reajuste dos valores, que não são corrigidos há nove anos, e também ampliar a oferta do benefício para cientistas e pesquisadores
Sociedade de conhecimento precisa de tecnologia
Coordenador dos grupos de trabalho da transição, o ex-ministro Aloizio Mercadante, que já foi titular da pasta de Ciência e Tecnologia, também rebateu o argumento do custo de manutenção de uma empresa como justificativa para acabar com o projeto.
"Tem um custo investir em produção de chips, mas a ignorância nesse setor é muito mais cara. Essa é a opção que o Brasil tem que fazer. Se ele quer ter o domínio, se preparar, atrair investimentos e entrar nessa elite dos países que produzem chips e que estão na vanguarda da tecnologia da informação, nós vamos ter que investir", afirmou Mercadante.
A tecnologia é a base para que o Brasil possa produzir chips e entrar em um restrito e especializado mercado global. “Nosso futuro como economia e como sociedade de conhecimento precisa da área de tecnologia”, definiu Mercadante.
“Mais software, mais games, mais hardware. E o chip é o coração, a célula desse sistema. Temos interesse de parceria com o setor privado. Mas nenhum país que domina essa tecnologia vai querer transferi-la. Então, só o mercado não vai resolver questões estratégicas da nação. Precisamos de política industrial. Voltaremos a priorizar os semicondutores”, completou.
A tecnologia, por exemplo, é responsável pelo crescimento explosivo de regiões como o Vale do Silício, na Califórnia.
Quatro anos de sabotagem
“Quatro anos de sabotagem levaram a ciência, a tecnologia e a inovação ao desmantelamento”, afirmou o ex-ministro da pasta Celso Pansera (2015-2019). Integrante do grupo de trabalho sobre o tema, Pansera defende a reconstrução urgente do ministério, sucateado por Bolsonaro.
“Há um acúmulo de inteligência perdida nos últimos anos. O primeiro passo será a retomada da infraestrutura abandonada”, disse. Uma das estruturas centrais deixada de lado pelo atual governo é a Ceitec.
Pansera explicou que a reorganização do Estado é o ponto central do desenvolvimento. “Toda nossa movimentação é para manter a Ceitec. Ela pode ser imediatamente autossuficiente e competitiva se conseguir contrato com os chips das capas dos passaportes. Logo, temos tecnologia para isso e não precisamos comprar do exterior”, explicou.
Este é apenas um caminho para aproveitamento rápido da expertise que já existe na empresa. Esses chips também podem ser aproveitados em cartões de bancos públicos, por exemplo. Trata-se de baratear os custos das empresas públicas e, ao mesmo tempo, inserir o Brasil na indústria chamada de 4.0.
Renovar as esperanças
A retomada do Ceitec é apenas uma das propostas urgentes do GT de Ciência, Tecnologia e Inovação. O coordenador do grupo explica que existe uma lista extensa de medidas. Entre elas, uma reestruturação completa para evitar, por exemplo, o apagão visto nos últimos dias em relação às bolsas dos pós-graduandos.
Contudo, Rezende argumenta que o momento atual é de “renovar as esperanças”. Ele salientou que, mesmo antes de começar, Lula já se cercou de cientistas com expertise para traçar um caminho de reconstrução do setor. “Não preciso falar da importância da ciência e tecnologia para o desenvolvimento das nações. Estamos em uma fase de fundo de poço, a maior crise do setor em 24 anos. Mas o momento é de esperança.”
Trabalhadores da Ceitec comemoram
A recomendação da equipe de transição foi comemorada pelos funcionários da Ceitec, que lutaram com organização e dignidade em defesa da instituição pública. “Nós, enquanto trabalhadores, sempre acreditamos que o melhor para o Brasil seria a continuidade da empresa. Nossa luta contra o desmonte proposto pelo governo Bolsonaro não foi em vão e conseguimos demonstrar a importância dessa área atuando em várias frentes”, afirmou o diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de Porto Alegre, Edvaldo Muniz. Ele citou ações políticas, jurídicas, sindicais e associativas, dentre outros.
“A luta ainda continua, mas agora com um novo governo, que tem projeto de fortalecer a política industrial no país, certamente a Ceitec será uma importante aliada nessa fase de retomada do crescimento econômico do Brasil”, aponta Muniz.
Ceitec é tema de soberania técnico-científica e de geopolítica mundial
Para o engenheiro e professor Adão Villaverde, “devemos saudar este importante passo, enorme conquista, resultado de muita luta que fizemos para segurar o desmonte. Mas, claro, que é recém um primeiro passo, interditar este equívoco todo”.
Segundo o especialista, que foi secretário de Ciência e Tecnologia no governo Olívio Dutra, “um país hoje para ter inserção mundial não subordinada tem que entrar no seleto grupo que domina e tem expertise na questão do desenvolvimento e da produção de semicondutores”.
“Além dela ser central para a economia, tornou-se estratégica do ponto de vista geopolítico, sobretudo quando mais de 80% da produção se encontra no Pacífico do Leste. Que pela concentração e a guerra no Leste agravou a crise de fornecimento destes dispositivos, parando muitas fabricações ou linhas de montagem pelo mundo, inclusive no Brasil”, explica Villaverde.
“Por isto, esta disputa pesada hoje entre Biden e Xi Jinping, com astronômicos subsídios, públicos, sobretudo para atrair fábricas para seus Estados nacionais, naquilo que mais modernamente economistas estão chamando de 'desglobalização'”, destaca.
Para Villaverde, "a Ceitec é estratégica para manter o país no seleto grupo que desenvolve e domina a fabricação de semicondutores no mundo. É um tema de soberania técnico-científica e de geopolítica mundial".