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Erros da Ford são alerta para o futuro da indústria brasileira

Há mês do anúncio de fechamento da planta em São Bernardo, metalúrgicos fazem nova assembleia. Além de buscar alternativas para manter a fábrica, metalúrgicos defendem estratégias para o setor

Publicado: 19 Março, 2019 - 18h59 | Última modificação: 19 Março, 2019 - 19h04

Escrito por: Vitor Nuzzi, da RBA

Adonis Guerra
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Os trabalhadores na Ford de São Bernardo do Campo, no ABC paulista, fizeram na manhã desta terça-feira (19) mais uma assembleia para discutir os próximos passos da mobilização. Hoje se completa um mês desde que a montadora anunciou o fechamento da fábrica. Desde então, o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC vem buscando alternativas para manter a unidade em funcionamento e preservar os mais de 4 mil postos de trabalho. A expectativa agora é de iniciar conversas com a empresa sobre possíveis interessados na compra da fábrica, depois que a direção mundial da Ford confirmou a intenção de desativar a unidade, durante reunião no último dia 7, nos Estados Unidos.

A reunião foi frustrante para os trabalhadores. O ex-presidente do sindicato Rafael Marques conta que um dos verbos mais falados pelos executivos foi appreciate, para demonstrar que todos "apreciavam" os esforços e o profissionalismo dos metalúrgicos para manter a fábrica. Mas, no geral, as conversas tiveram tom frio. "Não chegamos a encontrar um ambiente de negociação", relata Rafael, que hoje preside o Instituto Trabalho, Indústria e Desenvolvimento (TID), instalado ao lado da antiga fábrica da Rolls-Royce, também na região do ABC, a menos de 10 quilômetros da própria Ford.

Para o metalúrgico, funcionário justamente da Ford de São Bernardo, o caso da montadora escancara uma sucessão de erros estratégicos cometidos pela empresa, muitos dos quais apontados há tempos pelo sindicato, que colaborou ativamente para acordos de reestruturação em outras ocasiões. Rafael acredita que a unidade do ABC poderia se tornar uma espécie de "fábrica modelo" para toda a região, com desenvolvimento de tecnologia.

Há anos os trabalhadores cobram a Ford sobre o desenvolvimento de novos produtos no ABC, que no caso de automóveis tem apenas um modelo do Fiesta. A expectativa era de que a produção de caminhões, que costuma ser lucrativa, desse fôlego para que essa situação se definisse antes do vencimento de acordo firmado em 2017, no próximo mês de novembro. Mas a empresa decidiu fechar tudo, inclusive a área de caminhões. "Não digerimos, os trabalhadores não digeriram, mesmo no setor administrativo. Foi um baque", diz Rafael, para quem a situação vivida em São Bernardo serve de alerta para todo o país, que precisa discutir medidas efetivas de política industrial, se não quiser o problema se repetindo com outras empresas de grande porte.

O desafio agora é manter a região do ABC "forte industrialmente", garantindo que a área de 1 milhão de metros quadrados onde se localiza a Ford continue destinada a atividades industriais. Para isso, é preciso envolver as autoridades, o poder público, sem esconder as dificuldades, "para encarar algum desfecho que queremos que seja o melhor possível para os trabalhadores", mas também sem perder a esperança. 

Na entrevista a seguir, Rafael fala sobre as estratégias ruins da Ford, as iniciativas dos sindicalistas, a reunião nos Estados Unidos e a necessidade de implementar uma política industrial no país e se preparar para o futuro, em um momento de transição de modelos produtivos.

Transição da indústria

No caso do Brasil, a Ford simboliza de maneira bem didática este momento de tecnologias novas que vão alterar relações humanas, políticas, econômicas, estratégicas industriais. É uma tecnologia que está ganhando maturidade, força, sendo testada de forma cada vez mais robusta. Não só no sistema produtivo, mas na concepção do que as empresas vão entregar em termos de produto para a sociedade.

O carro é um elemento que vai mudar radicalmente e não acho que vá demorar muito. Um carro hiper-conectado, com todos os itens de conectividade que podem ser imaginados. Um carro que tenha reconhecimento facial, do olho, que te alerta em várias situações de risco, de trânsito, enfim, um carro inteligente, que vai dando ao usuário cada vez menos dependência humana e mais autonomia da tecnologia.

Isso é algo que já está no olhar das empresas. Isso em algum momento vai ser a tecnologia dominante. Só que estamos vivendo esse momento de transição. As grandes empresas estão começando a tomar decisões estratégicas agora para migrar uma parte das suas operações para executar esse tipo de tecnologia, oferecer o quanto antes esse produto ao mercado, e isso transforma as fábricas também.

Em algumas partes, de economias emergentes, países mais pobres, o motor de combustão vai continuar por um tempo, acho que algumas décadas. Como ainda tem reservas de petróleo importantes no mundo, a oferta de combustível fóssil ainda é abundante, essas coisas vão caminhar em paralelo.

Mas várias empresas tomam as decisões agora, até porque essas novas tecnologias exigem investimentos pesados. Alguns estados norte-americanos são onde o carro está sendo testado. Você tem vias certificadas para o carro autônomo circular, eles vão testando a tecnologia. Ao longo do tempo, vai ser testado em cidades com bastante congestionamento... Essas medidas levam a esse cenário. No caso da Ford, a uma primeira investida, não acho que é a única.

Não apenas a Ford

Tanto a Ford como outras marcas começam a reestruturar globalmente seus negócios. Essa é uma questão que o movimento sindical vai ter de se deparar, porque isso afetará países onde as multinacionais operam. De qualquer ramo, não só do metalúrgico.

Tem várias estratégias, tem muita fusão de empresa. No caso do setor automotivo, tem essa colaboração entre Volks e Ford, que a princípio é para encarar o custeio dos investimentos nas tecnologias novas, que é caro. E as empresas perderam, em termos de valor. Você pega uma Amazon, Apple, Microsoft, elas valem muito mais que as maiores montadoras do mundo, em termos de capital. Então, isso tudo altera muito a estratégia das empresas e vai em algum momento acabar rebatendo a situação dos trabalhadores, para o bem ou para o mal.

Na caso da Ford, para o mal. Porque eles poderiam, no caso de São Bernardo, que é uma planta em dia com o que tem no Brasil em termos de tecnologia, você tem um conjunto de trabalhadores com nível de qualificação bom, que pode melhorar, uma rede de universidades integrada, que conhece o sistema de produção, as necessidades tecnológicas do setor, que poderiam transformar São Bernardo em uma fábrica modelo.

Já que o Brasil é um país polo da América do Sul, a nossa fábrica poderia começar a ser, até no Hemisfério Sul, o polo de desenvolvimento dessas tecnologias, automotiva e de produção, para olhar daqui a 10 anos, 15 anos. Na ida aos Estados Unidos, colocamos isso como um dos itens de transformação de São Bernardo. Infelizmente, isso não foi avaliado pela Ford.

Erros estratégicos

Na reunião (dos representantes dos trabalhadores com a cúpula da empresa, nos EUA), eles admitiram que vários erros foram cometidos aqui na região, especialmente no Brasil. Não nos disseram quais, mas disseram: "Vários erros acumulados nos últimos anos...".

Você começa a pegar coisas que a gente disse para a empresa, são décadas de problemas, de escolhas estratégicas, recursos que foram aplicados no Brasil. Claro que teve momentos importantes, retorno bom, com lucro, remessas à matriz. Evidentemente, com o mercado crescendo, a economia crescendo, o país distribuindo renda e as pessoas com apetite de consumo – que foi o que ocorreu no governo Lula e os primeiros anos de governo Dilma –, isso foi importante para todos nós e mascarou um pouco dos erros.

Evidentemente que os trabalhadores na fábrica não têm nenhuma responsabilidade pelo que vem acontecendo nos últimos anos. Mas o sindicato sempre levantou uma questão para a empresa: sobre os carros produzidos aqui, a melhor estratégia é produzir as peças no Brasil, ou no máximo na região, no Mercosul, por conta de blindar impactos externos, de mudança da moeda em relação ao dólar. Sempre dissemos isso para a empresa.

O Fiesta é uma plataforma global, e eles mantiveram os fornecedores globais para abastecer a produção local, mesmo tendo a oportunidade de desenvolver fornecedores aqui, rapidamente, o que daria para ter mais localização de peças aqui.

Era 1.7 (cotação do real em relação ao dólar) quando o projeto do New Fiesta foi concebido, bateu em 4. O projeto é de 2012, o carro lançado em 2013, em 2014 o câmbio foi a 4 dólares. Então, numa virada de ano, o custo de peças do carro dobrou. E aí não tem plano, a curva (de desempenho de mercado) que eles apresentaram para nós foi totalmente inviabilizada. A margem (de lucro operacional) do carro foi queimada ali. Isso foi um erro fundamental do último período.

Camaçari

Foi uma fábrica que eles projetaram de uma maneira que não se sustenta. Camaçari tem quase 20 anos de vida e ainda precisa dos incentivos fiscais para ser competitiva. Então não é competitiva.

Ela não conseguiu evoluir ao ponto (de ser competitiva), pelos fatores internos de produção. Todos os custos, Eles não conseguiram ir atenuando os custos de produção. A estratégia que eles adotaram lá, de todo mundo ter o mesmo padrão de salário, todas as suas redes de fornecedores, isso se mostrou impraticável.

Ela já deveria ter se libertado disso mas, com os incentivos, a fábrica se mantém. Mas até quando vai ter? Então, é necessário que os companheiros da Bahia se apropriem desse debate. Não podemos ter em 2025 o fim do incentivo e a fábrica dizer "não fico aqui também". Não é só a Ford. É o sindicato, o governo... É um debate importante.

Produção de caminhões

Acho que a luta de São Bernardo dá esse alerta. Não queremos que a Ford deixe o Brasil, queremos que fique aqui, inclusive em São Bernardo. A esperança segue, por mais difícil que seja. O próprio EcoSport, ou eles reformulam, ou vão perdendo mercado. O projeto tem problemas comparado com seus principais concorrentes. Agora, caminhão é acerto.

O erro da Ford é essa decisão agora, de parar de produzir. Vários anos a operação de automóveis fecha no vermelho, mas a de caminhão fecha no azul. Evidentemente que a escala de caminhão é menor. Às vezes, os problemas que a Ford encontrou na produção de automóveis tirou um pouco da força dos lucros em caminhões, mas geralmente caminhões fecha o ano com lucro.

Não atrapalha a Ford, pelo contrário. Mantém a marca com vitalidade em segmentos que não só o de carros de passeio, mas na infraestrutura, em empresas logísticas, prefeituras, mantém uma marca mais ampla com a produção de caminhões aqui. E quando (a produção) veio (da unidade) do Ipiranga pra cá (em São Bernardo) veio uma fábrica enxuta.

Tem um problema, que é a dependência dos fornecedores, principalmente de motores de transmissão, que precisa ser melhor equacionado. O problema é a escala. Nós batemos 40 mil em 2011, 2010, e vai para 12.500 este ano. Mas chegou a 7 mil em 2015.

O mercado vem se recuperando, o setor desmamou da dependência do Finame (linha de financiamento do BNDES), está subindo a escala gradativamente, e agora abandona a operação? A parceria na Turquia poderia ser implementada aqui, mas nem isso quiseram manter aqui. Então, não deu pra entender a estratégia. Essa parceria com o grupo turco no Brasil, da mesma maneira, com investimentos casados, compartilhados, engenharia, funcionaria por um bom período. E ao longo da uma década a Ford mais ganharia em termos de rentabilidade do que perderia, além de manter a marca forte nesses segmentos.

É incompreensível eles terem feito isso. É verdade que globalmente eles abandonaram. Mas por que manteve no Brasil e na Turquia? Porque dá dinheiro. Não dá pra compreender, e dissemos isso a eles. E caminhões nos daria fôlego, ao longo do tempo, de achar um produto compatível pra São Bernardo, um produto vencedor, ou a própria conversão em uma fábrica de engenharia e desenvolvimento dos carros futuros na região.

Mas a fábrica não conseguiu captar essa condição. A gente percebe a direção atual – o atual presidente veio da indústria moveleira –, e aparentemente não está indo bem. Nós fomos lá e vimos uma direção pressionada, até por erros de como se relacionar com o mercado. Eles anunciaram 11 bilhões (de dólares) de reestruturação antes de ter o plano na mão. O mercado viu com maus olhos. Nós estávamos nos Estados Unidos no período do carnaval, a ação da Ford estava 8,78 (dólares). Na semana passada, estava 8,48.

Agora, estão anunciando o plano gradativamente e as ações não reagiram. Estamos pagando o preço pela escolha de um grupo que talvez não esteja com a melhor proposta. Então, a gente não tinha que estar pagando esse preço. Eu não vejo chance nenhuma de a Ford reagir em termos acionários parando a produção de caminhões no Brasil. Não vai significar nada para a fábrica em relação aos seus acionistas e vai perder o potencial de ter um lucro que para o Brasil é relevante.

Carro da China seria compatível?

Eu fui no Salão (do Automóvel, em novembro do ano passado, quando a empresa exibiu o Territory, utilitário fabricado na China), vi o carro, achei interessante. Mas não estão nos dando tempo para observar se seria uma alternativa boa de produto em São Bernardo, caso a escolha fosse continuar com os carros convencionais, tecnologia convencional. Nem eles estão dando um tempo se esse carro seria compatível com o mercado brasileiro e com a fábrica de São Bernardo.

Debate sobre reestruturação

Em 2017, nós fizemos assembleia com os trabalhadores, aprovamos que entraríamos em processo de negociação, que seria muito difícil, a fábrica teria exigência de mudanças em alguns fatores que influenciam custos, tabela salarial, adicionais, jornada. Foi um ano em que aparentemente nós teríamos investimento.

Iniciamos as conversas, eles paralisaram exatamente na mudança da direção global. Nos preocupou. O que foi dito era que precisamos olhar melhor o Brasil. De fato, do ponto de vista político, o Brasil viveu momentos muitos difíceis no último período, que fizeram as montadoras segurar investimento.

A Volks segurou, está soltando agora. A Mercedes segurou. A Ford, quando anunciou que estava segurando, a gente imaginou que estava fazendo o que as outras fizeram, só que as outras fizeram antes.

O que nos preocupava era a perda de volume do Fiesta. E uma coisa também que nos atrapalhou é que o Fiesta vinha caindo no mercado brasileiro, mas vinha mantendo no mercado argentino. Então, no ano de 2017 a produção do Fiesta caiu, mas o que segurou foi o mercado argentino. Depois teve a crise cambial de lá, em 2018, aí caiu muito.

Nossa preocupação ficou totalmente voltada para a operação de automóveis. O estimado este ano é 19, 18 mil carros. Mas isso faz em três meses de produção. Encerramos o ano passado com muita preocupação e iniciamos este ano com muita mobilização, para pressionar a direção da empresa a nos dar uma resposta sobre qual vai ser o rumo dessa fábrica e os investimentos.

Mas (a companhia) trouxe o caminhão para o centro de discussão, e aí não dá para compreender. Mexer com caminhão no Brasil não traz nenhum impacto global relevante, mexer com isso para quê? Não havia desmobilização em caso de caminhão. Eles mantiveram tudo em ordem para não depreciar a operação. Tinha sim carências, mas que não tiravam da Ford a capacidade de competir.

Clima na reunião nos Estados Unidos

Uma reunião fria. A gente ouviu muito a palavra appreciate. "Aprecio a preocupação de vocês, a proposta de vocês." Apreciaram tudo que nós levamos lá: nosso empenho, nosso profissionalismo, nossa paixão pela Ford aqui. Mas era uma reunião pro forma, fria. Não chegamos a encontrar um ambiente de negociação. Fomos lá para prestação de contas.

Possíveis interessados na compra

Estamos reivindicando uma reunião com o presidente (Lyle Watters, responsável pela Ford na América do Sul). Tem essa conversa com o Doria, vamos repetir essa reunião, porque quem abriu essa discussão publicamente foi o governo do estado. Então, queremos conversar com o governador sobre isso, mas precisamos conversar com o executivo aqui, que está recebendo interessados, queremos detalhes sobre isso, porque o sindicato pode mais uma vez mostrar sua importância, a seriedade, o compromisso de viabilizar qualquer projeto pra cá.

Nestes 20 anos, a produção de caminhões veio para cá em função de um acordo entre nós e a empresa, na greve de 1999. Os dois carros que trouxeram pra cá foi tudo empenho da pauta do sindicato, nunca foi uma coisa tão automática por parte da empresa.

Vamos continuar exercendo esse compromisso com a região, com os trabalhadores, de manter essa operação aqui. Se essa é uma das possibilidades, nós vamos fazer a nossa parte. Eu acho que uma das coisas que podem dar mais força à nossa fábrica é a mesma estratégia que a GM fez (a montadora chegou a falar em sair do país, mas negociou um acordo de reestruturação com os metalúrgicos de São José dos Campos, no interior paulista).

A GM conseguiu medidas por parte do governo estadual, conseguiu uma redução de custos por parte de fornecedores, da rede de concessionárias. Acho que o plano da GM cabe na Ford, de conseguir uma certa cooperação de todo mundo que está ligado ao negócio, todo mundo dar um pouco de cota para as coisas continuarem funcionando aqui.

A Ford aparentemente não quer fazer isso, jogou a toalha. Não dá pra entender. O que a GM fez é algo muito possível que a Ford repetisse aqui. Mas nem isso, nem essa luta ela tentou fazer. Mas algum arranjo dessa natureza é um caminho para essa atividade continuar.

Papel do Estado

No caso da França, que também teve fechamento de uma fábrica de motores, o Estado participou da negociação e garantiu que aquela área continuará sendo destinada a atividades industriais. Porque isso é sempre importante para uma região.

O ABC está numa encruzilhada. Porque está totalmente voltado para o setor automotivo e algumas outras franjas, além do parque petroquímico. O ABC não pode abrir mão disso sob pena de não conseguir rapidamente se reinventar. Então, a região, o governador, o prefeito local, têm de olhar para isso, porque é relevante.

Se uma fábrica de motores, que deve ser bem menor que a nossa, é relevante para o governo francês ter se envolvido e atuado, a fábrica (de São Bernardo) é mais importante até, para o estado de São Paulo. Tem de se envolver. Não é só uma história, mas todo o potencial que isso gerou para o país.

Tecnologias novas, modelos novos, acordos inovadores. O primeiro acordo de banco de horas nasceu nessa fábrica. A estruturação do lay-off (suspensão do contrato de trabalho) nasceu nessa planta, em 1999. Não dá para aceitar uma posição como a do Carlos Costa (secretário de Produtividade do Ministério da Economia): se quiser fechar, fecha. é uma decisão perfeitamente aceitável do ponto de vista privado. Não é assim. O Brasil está perdendo.

E tem essa parte que é uma polêmica, que ela sempre foi muito bem tratada aqui através de incentivos tributários. A Ford sempre foi bem tratada na história brasileira, não pode agora também... O Estado brasileiro tem direito de exercer poder, tem de exercer esse direito, não pode ficar alheio. (Posteriormente, o secretário falou sobre "responsabilidade social" da empresa.)

Flexibilização trabalhista

As condições existentes hoje nas empresas não são as existentes 10 anos atrás. As coisas foram sendo reformuladas. Salários sempre foram preservados, procurando alternativas. Dada a capacidade que as empresas têm de chantagear – e não podemos negar que isso afeta o próprio modelo sindical –, é uma situação conjuntural difícil, que a gente precisa se deparar e não correr do desafio.

Também não podemos negar que o rumo do ponto de vista político que o Brasil adotou desde o impeachment da Dilma, o Estado adotou esse rumo, isso empodera as empresas. A "reforma" trabalhista do jeito que foi, sem olhar o futuro do trabalho, mas olhando o trabalho de uma maneira assim: "temos de limpar direitos e isso vai ter uma contrapartida de melhorar a renda", isso não vai acontecer no Brasil.

Temos uma elite bastante gananciosa e mesquinha... O que eles estão tentando fazer, na verdade, é acabar com o movimento sindical para deixar as pessoas numa condição de escravidão moderna. Isso que se passa na cabeça, infelizmente, de uma boa parte do empresariado brasileiro, no caso do setor industrial, que em vez de direcionar seu lucro para retorno das suas fábricas, ele ganha dinheiro e vai comprar cavalo, um animal premiado, uma fazenda, vai fabricar vinho.

O mercado financeiro no Brasil oferece tantas vantagens para que a pessoa, em vez de reinvestir e melhorar seu processo, prefira migrar para o mercado financeiro. O Brasil tem problemas seríssimos em relação a isso, que vêm esvaziando o apetite do empresariado industrial de investir.

É uma mentira dizer que as fábricas brasileiras são tão produtivas quanto as do mundo afora. Algumas sim, mas a maioria parou no tempo, porque o cara preferiu ficar rico e deixar a fábrica pobre.

Então, tem medidas a serem tomadas no Brasil, ou vamos ficar um país totalmente dependente da indústria internacional e vamos ser cada vez menos independentes do ponto de vista tecnológico, produtivo. Interrompe qualquer capacidade de o país tornar sua população cada vez mais rica, deixar de ser um país de renda média e ser de renda alta. Esse movimento (de ascensão social) você interrompe completamente com essa estratégia, de deixar de ser um país com uma indústria forte, competitiva, que tenha tecnologia, que se atualize em relação ao mundo, que proponha soluções.

Ao perder esse núcleo, vira um país totalmente subserviente, sem soberania. E o caso da Ford nos permite colocar tudo isso na pauta. O assunto Ford ultrapassa os muros da empresa e coloca em xeque, inclusive, o modelo de desenvolvimento que o Brasil quer.

Política industrial

Essa onda liberal que o Brasil está passando, não tem uma compreensão da população. O Temer foi uma anomalia, um golpe mesmo. Aliás, a pauta vencedora em 2014 (com a eleição de Dilma Rousseff) não foi implementada. E agora, sem consciência clara dos objetivos do Bolsonaro, seus grupos apoiadores têm uma agenda descolada do que se deve fazer no país para a gente revitalizar nossa indústria.

Evidentemente, tem de ter um debate sobre os rumos que o Brasil vai adotar em termos de desenvolvimento. Mas os caras estão fazendo tudo de maneira atropelada. Esses 600 itens industriais que eles pedem isenção total do imposto de importação, não foi devidamente conversado, trabalhado.

Se faz sem dimensionar os impactos, numa tacada só. Nenhum país faz isso de maneira atabalhoada como estamos fazendo. No governo Collor nós perdemos densidade industrial, especialmente porque nossas grandes indústrias terminaram se desnacionalizando. Agora vem essa paulada que eles estão dando, achando que isso vai abrir o mercado, vai atrair tecnologias novas, vai melhorar a eficiência do nosso sistema produtivo...

Há controvérsias, porque eles estão fazendo isso num momento em que o mundo está fechando. Estou abrindo sem a chance de poder entrar em mercados com a minha manufatura, entendeu? Onde vai ter o emprego no Brasil? O que vai virar este país em termos de emprego e renda? Então, está se cumprindo uma agenda em que a população vai sofrer muito. Isso é empobrecimento na veia.

Um dos poucos agentes institucionais no Brasil capazes de tentar reverter essa onda, manter a chance de ter salários e direitos valorizados, e fazer pressão para que a renda se distribua, que é o movimento sindical, estão atacando pelo outro lado. Além de toda essa estratégia equivocada – falta um debate mais claro e o momento internacional não indica que é uma boa medida –, você ainda tenta enfraquecer as instituições que fazem o contraponto para não acontecerem os abusos que são da natureza do capitalismo.

Querem diminuir a capacidade dos trabalhadores de se defender, de propor, reagir e melhorar de vida. É um absurdo, um governo realmente espinhoso para os trabalhadores.

Interlocução

Parece que é um governo que não tem sensibilidade, mas não vamos procurá-lo. É um teste nosso para esse governo. Eles vão deixar acontecer mesmo? Vai ser assim? Nós precisamos provocar o governo a tomar medidas. Se o governo ficar alheio, é um perigo. E não é acabar com incentivo na Bahia.

A Ford tem de estar lá, não é isso. Tem de exercer pressão sobre a direção, a Ford tem de sentir o peso do Estado brasileiro. Mas precisa ter motivação política. Vai ser um sinal positivo se o governo fizer isso. E o governo é quase um sócio da Ford, com os incentivos. Então, as coisas precisam ser bem discutidas. E é um sinal para os outros: não façam igual.

Como manter o ânimo

Nós vamos colocando aos trabalhadores para militar sobre a causa. É uma forma de a gente manter o pessoal com alguma esperança, com vitalidade. O sindicato tem de estar no comando, dar esperança, mostrar que está com o pessoal, que vai encaminhar junto à empresa tudo o que for possível, uma saída que a gente consiga prioritariamente ter a continuidade aqui.

É preciso manter o pessoal muito informado, muito junto. Lá dentro da fábrica tem uma solidariedade interna muito boa entre os trabalhadores, entre a militância, que dá muita força aos dirigentes dos sindicatos, dando os caminhos que a gente pode pensar em um momento como este.

Acho que temos de pensar em vários planos. Estamos pedindo ao pessoal que ajude o sindicato a pensar as saídas, ajude a pensar. E a gente quer manter essa história viva. A nossa luta é manter a história dessa fábrica, lutas passadas, vidas pessoais, tem gente que casou e se separou lá dentro, muita gente que passou a vida lá, se aposentou ou está lá até hoje, gente nova, que acabou de casar. É muita coisa que está mexendo com a cabeça das pessoas.