Esse quilombo em Pernambuco está cercado por óleo de todos os lados
Derramamento de petróleo nas praias nordestinas ameaça comunidade que já foi atingida por vazamento de óleo da refinaria Abreu e Lima
Publicado: 04 Novembro, 2019 - 14h16 | Última modificação: 04 Novembro, 2019 - 14h24
Escrito por: Mariama Correia - Agência Pública
O quilombo de Mercês, no município de Ipojuca, litoral sul de Pernambuco, está sendo atacado por todos os lados. Enquanto tenta garantir a titulação do parte do seu território tradicional, que foi comprimido quando as indústrias do Complexo Industrial Portuário de Suape começaram a ser instaladas por ali em meados dos anos 1970, a comunidade descendente de negros libertos tenta sobreviver em um ambiente degradado. Derramamentos de petróleo no mar e nos mangues são as ameaças mais recentes para as 268 famílias.
Em agosto deste ano, parte do território tradicional da comunidade – reconhecida pela Fundação Palmares como remanescente de quilombo em 2016 – foi contaminada por um vazamento de petróleo da refinaria Abreu e Lima. A operação da Petrobras, um dos principais alvos da Operação Lava Jato, fica em Suape, a poucos metros das casas dos quilombolas.
Antes da chegada do complexo industrial de Suape, aproximadamente 3 mil habitantes ocupavam 4,7 mil hectares, desde a região da refinaria até as ilhas de Mercês, Cocaia e Tatuoca, onde os navios que chegam ao porto são atracados. Hoje, o território foi reduzido a menos da metade. Restaram cinco núcleos de moradias com cerca de mil pessoas – sendo cem crianças – em 1,6 mil hectares. Esta terra está ainda em processo de titulação.
No último dia 26 de agosto, uma enorme área de mangue – cerca de 4,5 hectares – foi impactada pelo vazamento de cinco metros cúbicos de óleo misturado com água proveniente da refinaria Abreu e Lima. Até então, era o único lugar onde os quilombolas, que vivem basicamente da pesca artesanal e da plantação de verduras e frutas, ainda conseguiam encontrar camarões para consumir e vender nos bares, restaurantes e feiras do litoral sul de Pernambuco.
Depois do incidente, a pescadora Marinalva Maria da Silva, de 53 anos, notou que os camarões do mangue ficaram escuros. “Pareciam queimados. Eu comi, não vou mentir”, confessa. Ela também disse que cardumes de pequenos peixes estão morrendo sem explicação.
Segundo a Petrobras e a Agência Estadual de Meio Ambiente (CPRH), o poluente vazou da estação de tratamento de despejos industriais da refinaria. A agência informou que o escape aconteceu por uma perfuração em uma das tubulações, porém a Petrobras não detalhou as causas. As instituições informaram que a substância oleosa atingiu um córrego, mas foi contida antes de chegar ao mar.
A refinaria foi multada pela CPRH em R$ 705 mil pelo crime ambiental. O valor ainda não foi pago porque a Petrobras apresentou recurso administrativo no órgão. Além disso, a unidade de refino foi obrigada a aplicar um plano de remediação para a retirada total do óleo das áreas contaminadas.
Magno Araújo é líder comunitário do quilombo. Ele afirmou que os poluentes não foram drenados e em vez disso a área de mangue está sendo destruída. “Cortaram as árvores e agora estão jogando terra em cima. Ou seja, aterrando o mangue”, denunciou. A reportagem da Agência Pública visitou o local, que foi isolado pela refinaria Abreu e Lima, e viu trabalhadores aparentemente recolhendo o óleo, além das árvores cortadas.