Governo do PA decide que atividade de domésticas é essencial. CUT e Fenatrad reagem
Entidades querem que governador do Pará revogue item do decreto que trata do trabalho doméstico. Para CUT é a volta do trabalho escravo
Publicado: 07 Maio, 2020 - 16h18 | Última modificação: 07 Maio, 2020 - 16h36
Escrito por: Marize Muniz
O Decreto nº 729, que instituiu o lockdown do Pará, assinado pelo governador Helder Barbalho (MDB), colocou o trabalho doméstico entre as 59 atividades consideradas essenciais e, portanto, com permissão para continuar operando durante o confinamento obrigatório. Isso significa que trabalhadoras domésticas estão liberadas para pegar ônibus lotados e correrem riscos de se contaminar com a Covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus.
O prefeito de Belém, Zenaldo Coutinho (PSDB), reforçou nas redes sociais que o decreto municipal de lockdown também indicará que as domésticas deverão continuar trabalhando na pandemia. A decisão, tanto do governador quanto do prefeito, vai na contramão do decreto federal de serviço essencial - Lei Federal nº 13.979, editada no início da pandemia - que não colocou as domésticas como atividade essencial. Vai contra também as recomendações do Ministério Público do Trabalho (MPT).
A secretária da Mulher Trabalhadora da CUT, Juneia Batista, reagiu indignada a esta decisão do governador e do prefeito, disse que é inadmissível, que representa praticamente uma volta à escravatura e isso no mês da abolição da escravidão no Brasil.
“Me parece que, no mês em que se comemora a abolição da escravidão, assinada em maio de 1888, o governador do Pará e o prefeito de Belém querem a volta daquela forma de trabalho desumana, subserviente e punida com pauladas”.
“Chega de exploração! Vamos denunciar no mundo inteiro esse absurdo. Na próxima semana participarei de um debate virtual organizado pela Confederação Mundial de Prefeitos e Prefeitas e vou denunciar o que o Brasil tem feito com a classe trabalhadora”, disse Juneia.
Na avaliação da dirigente, que defende que os patrões paguem os salários e liberarem as trabalhadoras domésticas durante a pandemia, o prefeito de Belém segue a lógica do genocida Jair Bolsonaro que ignora todas as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS), Ministério da Saúde e secretarias estaduais de Saúde de isolamento social para conter a disseminação da contaminação.
A Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), a CUT e outras entidades divulgaram uma nota pedindo a revogação do item que considera o trabalho doméstico como atividade essencial.
Confira a integra da nota:
NOTA DA FENATRAD PELA REVISÃO DO DECRETO nº 729, do Estado do Pará
Cuida de quem te cuida! Proteja sua trabalhadora doméstica!
A Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas (Fenatrad), organização sindical fundada em 1997 e filiada à CUT, CONTRACS, CONLACTRAHO e FITH[1], e as organizações abaixo elencadas vêm a público requerer urgentemente a revisão do Decreto nº 729, de 5 de maio de 2020, editado pelo Governador do Estado do Pará, que institui o lockdown em Belém e em outros 9 municípios[2] para conter o avanço descontrolado da pandemia da COVID-19.
É certo que o momento é grave e requer do Estado medidas mais drásticas de isolamento social como a lockdown (suspensão total de atividades não essenciais). Entretanto, as medidas adotadas pelo Governador do Pará penalizam as trabalhadoras domésticas ao incluir a atividade de serviços domésticos de forma geral, ampla e irrestrita como atividade essencial para atuar durante o período crítico da pandemia da COVID-19 (Anexo, item 58 do Decreto).
A FENATRAD compreende que a medida é descabida, baseia-se em pensamento arraigado do regime escravocrata que predominou legalmente no Brasil até 1888 onde “chova ou faça sol”, “na doença ou na saúde” a população negra tinha que estar à postos para servir seus senhores, além de renegar a Nota Técnica Conjunta 04/2020 do MPT, publicada em 16 de março, que fixa diretrizes a serem observadas pelos empregadores e órgãos da Administração Pública nas relações de trabalho doméstico ou de prestação de serviços de limpeza a fim de garantir a igualdade de oportunidades e tratamento no trabalho. Dentre as várias diretrizes estabelecidas na Nota está:
1.a. GARANTIR que a pessoa que realiza trabalho doméstico seja dispensada do comparecimento ao local de trabalho, com remuneração assegurada, no período em que vigorarem as medidas de contenção da pandemia do coronavírus, excetuando-se apenas as hipóteses em que a prestação de seus serviços seja absolutamente indispensável, como no caso de pessoas cuidadoras de idosas e idosos que residam sozinhos, de pessoas que necessitem de acompanhamento permanente, bem como no caso de pessoas que prestem serviços de cuidado a pessoas dependentes de trabalhadoras e trabalhadores de atividades consideradas essenciais nesse período (artigo 3º, § 3º, da Lei n. 13.979/2020);
Por tudo isso, é que a FENATRAD requer ao Governador do Estado do Pará a urgente revisão do Decreto 729 e conclama o Ministério Público do Trabalho e demais autoridades públicas no Pará a adotarem as medidas cabíveis para reverter essa medida que recoloca as trabalhadoras domésticas no caminho das senzalas e viola os direitos conquistadas pela categoria ao longo de mais de 80 anos de luta e que seguem os passos de nossa irmã Laudelina de Campos Melo.
Brasília, 07 de maio de 2020
SUBESCREVEM A PRESENTE NOTA:
CUT - Central Única dos Trabalhadores
Contracs - Confederação dos Trabalhadores do Comércio e de Serviços
AMB - Articulação de Mulheres Brasileiras
AMNB - Articulação de Mulheres Negras Brasileiras
CFEMEA - Centro Feminista de Estudos e Assessoria
Odara - Instituto da Mulher Negra
Rede de Mulheres Negras de Pernambuco
SOS Corpo - Instituto Feminista para Democracia
THEMIS - Gênero, Justiça e Direitos Humanos
[1]Possui 16 sindicatos filiados e está presente em 14 Estados do país. CUT - Central Única dos Trabalhadores; CONTRACS - Confederação Nacional dos Trabalhadores no Comércio e nos Serviços; CONLACTRAHO - Confederação LatinoAmericana e Caribenha de Trabalhadoras Domésticas; FITH- Federação Internacional das Trabalhadoras Domésticas.
[2] Ananindeua, Marituba, Benevides, Castanhal, Santa Isabel do Pará, Santa Bárbara do Pará, Breves, Vigia e Santo Antônio do Tauá.