Escrito por: Andre Accarini

Excesso de aposentadorias negadas a rurais é tema de debate na Câmara dos Deputados

Para entidades sindicais, sistema para requerer aposentadorias de segurados especiais traz dificuldades consideradas absurdas e mostram a intenção do governo Bolsonaro de excluir trabalhadores da Previdência

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O número de reclamações de trabalhadores e trabalhadoras rurais sobre a dificuldade para dar entrada nos pedidos de aposentadoria e demora na liberação do benefício, além do crescimento do número de pedidos negados pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), levou entidades que representam a categoria a pedir uma audiência pública na Câmara dos Deputados.

Para o deputado Bohn Gass (PT-RS), que pediu e mediou a audiência, realizada nesta terça-feira (13), na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público, o governo de Jair Bolsonaro (PSL) quer dificultar o acesso à aposentadoria para os trabalhadores rurais e enfraquecer o movimento sindical.

Os rurais ficaram fora da reforma da Previdência, mas foram afetados pelas alterações implementadas por meio da Medida Provisória 871/2019, que se tornou Lei 13.846.

Uma das alterações da MP que está mais provocando protestos dos representantes dos trabalhadores é a que invalidou a ‘declaração sindical’ como documento que prova a atividade rural. Eram os sindicatos que orientavam no preenchimento dos formulários e na apresentação de provas para o trabalhador conseguir o benefício. O próprio sindicato podia dar uma declaração de que o trabalhador tinha exercido a função na atividade rural. Nada disso pode mais ser feito.

Nós conseguimos manter os direitos dos rurais na reforma, mas as regras da MP 871 tirando a presença do sindicato e impondo uma burocracia infernal, exigindo dados que sequer a Lei exige, está prejudicando milhares  de trabalhadores e trabalhadoras- Bohn Gass

 

Entre os documentos exigidos na ‘autodeclaração’ - formulário de preenchimento para conseguir a aposentadoria de rurais - que o deputado considera absurdos estão a necessidade de apresentar documentos como Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e Título de Eleitor de todos os filhos do beneficiário e CPF de vizinhos do trabalhador ou trabalhadora.

“Qualquer vírgula errada, o sistema não aceita e o pedido é indeferido”, critica o deputado que também é trabalhador rural no Rio Grande do Sul.

A complexidade do formulário foi apontada pelos demais participantes da audiência como motivo principal para o indeferimento crescente de pedidos de aposentadoria. Eles ressaltaram que o trabalhador passa uma vida inteira de dificuldades, “trabalhando de sol a sol, faça chuva o faça sol”, conforme disse o deputado, e quando chega o momento da aposentadoria, os pedidos são negados por motivos que não constam em Lei.

Para o Presidente Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Rio Grande do Sul (Fetag), Carlos Joel da Silva, os trabalhadores e trabalhadoras do campo, que ficaram de fora da reforma da Previdência, “estão sendo atingidos, na prática, por instrumentos normativos internos e interpretações e análises ineficientes”.

“Na prática estamos vendo muitos problemas. O tempo de espera é muito grande. Temos pilhas de protocolos de pessoas que esperam resultados até mesmo desde de 2008”, diz o dirigente sindical.

Carlos Joel critica as novas regras ao afirmar que elas foram feitas “para negar o benefício, de um salário mínimo, que pode parecer muito para quem paga, mas é muito pouco para aquelas pessoas simples, que recebem esse salário”.

E completa: “legislação não pode ser criada dentro de gabinete por quem não conhece a realidade. O Brasil tem que resolver seus problemas, mas não nas costas de quem mais precisa, de quem recebe salário mínimo, ou seja, as que mais precisam e passaram uma vida inteira trabalhando”.

O dirigente da Fetag também citou as disparidades nas avaliações de pedidos de aposentadoria, realizadas sem critérios que contemplem as regiões. “Temos processos do Rio Grande do Sul sendo analisados em Pernambuco e as realidades econômicas são diferentes”.

Para ele, é preciso que os servidores que realizam as avaliações conheçam as características e particularidades de cada região, para entender a necessidade de cada um.

O deputado Bohn Gass concordou e ainda afirmou que no Ministério da Economia, pasta à qual está subordinada a secretária da Previdência, “só se pensa em rubricas e não em pessoas”.

Jane Lúcia Wilhelm Berwanger, Diretora do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) chegou a sugerir que o governo promovesse mais contratações e capacitasse os servidores para a realização das avaliações. Também cobrou a simplificação de formulários para que os usuários não sofressem discriminação por serem trabalhadores rurais.

Carlos Veras, deputado federal pelo PT e ex-presidente da CUT Pernambuco, que acompanhou a audiência, destacou o processo de desmonte da Previdência e afirmou que as novas regras para o requerimento de aposentadoria dos segurados especiais vieram para dificultar o acesso.

“A maioria ainda é analfabeta porque a educação no campo ainda não é uma realidade”.

Esse cadastro, que dificulta a vida do trabalhador rural, vai ter duas funções: ou desqualificar ou  tornar o trabalhador refém de escritórios que vão cobrar pelo preenchimento- Carlos Veras

Atendimento humanizado é preciso

A secretária de Políticas Sociais da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), Edjane Rodrigues, lembrou que a estrutura do INSS tem sido enxugada por causa de diminuição do número de servidores, pela falta de concursos e consequente fechamento de agências.

Para os segurados especiais, ela diz, a diminuição ou fim do atendimento presencial traz um impacto negativo para os trabalhadores, que terão dificuldades em obter seus direitos, por causa do endurecimento de regras e da automatização dos serviços.

“Exigências desproporcionais e indeferimentos excessivos é o que estamos vendo. Da forma como está, vai também aumentar o número de processos futuros na Justiça, para o trabalhador conseguir sua aposentadoria”, afirmou Edjane.

Encaminhamentos

Mesmo com todas as exposições e denúncias de problemas que vêm se agravando e dificultando a vida dos trabalhadores rurais na hora de pedir a aposentadoria e outros benefícios, a representante da Secretaria de Previdência, Marcia Elisa de Souza, afirmou que o INSS tem buscado a melhoria da prestação de serviços e que a chamada ‘autodeclaração’ pode melhorar.

Na audiência ela chegou a dizer que determinadas informações como CPF de vizinhos e CNH de filhos não são obrigatórias, mas ela mesma teve dúvidas e informou que ‘precisava confirmar’ a exigência.

O deputado Bohn Gass rebateu dizendo que o “não preenchimento leva ao indeferimento”.

Como resultado da audiência, de acordo com o deputado, será encaminhado um pedido ao INSS para a realização de concursos públicos para contratação de mais servidores, para que a avaliação de processos parados seja agilizada, bem como a capacitação dos servidores atuais.

Também será solicitada a revisão do formato atual para pedidos de aposentadoria, em especial, a ‘autodeclaração’, que ainda de acordo com as entidades que representam os trabalhadores, traz algumas armadilhas – campos que sugerem dupla interpretação – que podem prejudicar o segurado.