Excludente de ilicitude é inconstitucional e sem paralelo até com a ditadura, diz MP
Em nota técnica enviada ao Congresso, procuradores alertam que a proposta instituiria um regime de impunidade
Publicado: 28 Novembro, 2019 - 09h57
Escrito por: Erick Gimenes, Brasil de Fato | Brasília (DF)
O Ministério Público Federal (MPF) afirmou, na terça-feira (26), que o projeto de lei apresentado pelo governo Bolsonaro para abrandar punições a agentes de segurança em situações de Garantia da Lei da Ordem (GLO) é inconstitucional e não se compara nem a atos institucionais da ditadura militar.
“Há uma autorização implícita, mas efetiva, para que as forças de repressão possam, sob o manto de uma operação de GLO, fazer uso abusivo e arbitrário da violência, com grave risco de adoção de medidas típicas de um regime de exceção, incompatíveis com os padrões democráticos brasileiros e do direito internacional”, alertam os procuradores.
A manifestação é parte de uma nota técnica enviada ao Congresso Nacional em que o MPF aponta que, caso aprovada, a lei instituiria um regime de impunidade a militares e policiais.
“Trata-se de instituir um permanente espaço de exoneração de responsabilidade das forças estatais de segurança pública. E isso quando o país experimenta as mais aviltantes taxas de letalidade policial, com um aumento de 4% apenas no 1º semestre de 2019, especialmente no estado do Rio de Janeiro, no qual se superará em 2019 o recorde de mortes provocadas por confrontos com a polícia. E mesmo após essa letalidade ter aumentado 19,6 % de 2017 para 2018, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública”, reforçou o Ministério Público.
O documento ainda chama a atenção para o parágrafo único do artigo 2º do PL, que considera que o militar ou agente pode agir em legítima defesa no caso de “injusta agressão”, termo classificado de forma abrangente no texto como práticas capazes de gerar morte ou lesão corporal, assim como atos de terrorismo nos termos da Lei nº 13.260/2016.
“Esse dispositivo é descabido por presumir a licitude de uma conduta que é, em si, ilícita. Em realidade, esse preceito inverte o sistema jurídico constitucional e criminal, ambos baseados no máximo de contenção das forças de segurança, de modo a evitar o evento morte”, manifestou-se o MPF.
Nos artigos 3ª e 4ª do PL, há mais evidências do propósito de garantir impunidade específica aos agentes públicos, ainda conforme a nota técnica.
O primeiro prevê que, mesmo quando houver excesso doloso do agente na legítima defesa, o juiz poderá atenuar a pena. Já o artigo 4º veda a prisão em flagrante de militares e policiais quando se aponte o exercício de legítima defesa.
“De destacar que esses dois artigos não têm incidência limitada às situações de GLO, mas sim para qualquer hipótese de alegação de legítima defesa. Eles são amplos e pretendem garantir que militares e policiais, em regra, não serão presos em flagrante quando alegarem que agiram em legítima defesa e, ainda, que suas penas por eventual excesso doloso poderão ser atenuadas pelo juiz”.
Por fim, o MPF reforçou aos parlamentares que a Constituição Federal assegura os direitos de reunião, associação, manifestação e protesto, e que “essas são garantias absolutamente fundamentais em países como o Brasil – de um longo passado de privilégios e de desigualdades abissais”.
PSOL pede devolução do projeto
A bancada do PSOL na Câmara dos Deputados enviou um ofício, também na terça-feira (26), ao presidente da Casa, Rodrigo Maia, solicitando a devolução ao governo Bolsonaro do projeto que propõe a criação do “excludente de ilicitude” para operações de Garantia da Lei e da Ordem (GLO).
De acordo com o partido, o projeto cria “uma verdadeira licença para matar a agentes do Estado, estimula a violência e desrespeita princípios básicos da Constituição Federal”.
O documento aponta que o projeto tem o objetivo de impedir o “aumento das mobilizações de rua no país”, além de violar “frontalmente a liberdade de manifestação e associação”.
A bancada ressaltou que o excludente de ilicitude já havia sido debatido pelos deputados e excluído do pacote anticrime apresentado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro.
“Não nos parece razoável, num Estado Democrático de Direito, diante de uma derrota no Parlamento, que o Governo Federal insista que a Câmara dos Deputados analise um novo projeto com os mesmos objetivos já discutidos e superados por um colegiado da Casa”, aponta o ofício do PSOL.