Escrito por: Redação RBA
A queda no poder de compra e a elevação dos juros deve continuar “atrofiando” a produção e refrear investimentos, com reflexos sobre os mais pobres
Diferente das expectativas do governo de Jair Bolsonaro, a inflação pode não ser, outra vez, tão positiva para o ano que vem. O Dieese questiona as projeções de inflação menor para 2022 e aponta a ausência de políticas públicas, a aguda incerteza internacional, pressões represadas e calendário eleitoral como alguns dos fatores para dificultar melhoria da inflação, depois de atingir os dois dígitos neste ano. Os resultados finais do IPCA e do INPC serão conhecidos em janeiro, mas a chamada “prévia” já mostrou taxa de 10,42% no encerramento de 2021, a maior para o IPCA-15 em seis anos.
“Frente à atual alta dos preços, a resposta de política econômica tem sido tão somente a elevação drástica e substancial da taxa básica de juros, a taxa Selic”, observa o Dieese em nota técnica. De março para dezembro, a taxa passou de 2% para 9,25% ao ano. E deve continuar subindo nas próximas reuniões. Essa resposta do governo não ataca de fato a inflação, porque não há, neste momento, pressão de demanda. Seja pelo consumo das famílias, ou por gastos do governo.
Assim, a inflação não cai, mas o processo beneficia alguns. O Dieese lembra que cada ponto percentual nos juros “significa uma transferência de dezenas de bilhões de reais aos detentores/as privados/as dos títulos públicos (especialmente bancos e grandes fundos de investimento e de pensão, nacionais e estrangeiros)”. Assim há um grupo de ganhadores “atrelados à inflação”, que podem se beneficiar, inclusive, de políticas de governo. “O fato é que os resultados para essas empresas e a distribuição destes para seus acionistas superam em muito eventuais aumentos de custos ou perdas decorrentes do atual processo inflacionário no Brasil.”
Produtos e serviços
A inflação tampouco é um fenômeno “neutro”, lembra o Dieese. Pode ser, também, resultado de políticas deliberadas, ou mesmo ausência de políticas. Resultado de escolhas do governo, entre outros fatores. “A forte alta de preços de alguns produtos e serviços de grande relevância na cesta de consumo das famílias decorre de um conjunto de fatores relacionados de maneira preponderante à política econômica e às condições do mercado internacional, além de alguns eventos climáticos”, diz a nota técnica.
Dessa forma, em um primeiro momento, de setembro a novembro do ano passado, subiram principalmente os alimentos. Em dezembro de 2020, foi a vez de itens como energia elétrica e gás. Já neste ano, entre fevereiro e março, os preços dos combustíveis começaram a pesar. Nos últimos meses, estes dois itens passaram a subir seguidamente, pressionando a inflação e atingindo duramente o consumidor.
Os alimentos, por exemplo, tiveram impacto da própria alta das tarifas de energia, preços de combustíveis e importação de insumos (com a desvalorização do real). Já gasolina, diesel e gás de botijão refletem uma política de preços da Petrobras, acompanhando o mercado internacional. “Com essa política, a Petrobras (e o governo) desconsidera por completo sua capacidade de ofertar, a partir da produção nacional, a maior parcela dos derivados que o país consome e o fato de que tem menores custos de produção.” Por sua vez, a alta da energia se explica, entre outros fatores, pela crise hídrica, uso de usinas térmicas e importação.
Energia e gasolina
De maio a novembro, a energia elétrica subiu 26,9% (INPC-IBGE) e o gás de botijão, 20,6%. Apenas esses dois itens responderam por praticamente um quarto (24,8%) da variação da inflação. No mesmo período, a gasolina subiu 22,6%, o óleo diesel aumentou 26,7%, o etanol, 42% e o gás veicular, 33,8%.
“Mesmo frente a esse quadro, o governo federal não dá mostras de que irá mudar a atual orientação da política econômica e procurar, ao menos parcialmente, influenciar de forma mais direta na formação de alguns desses preços – como de combustíveis, energia elétrica, taxa de câmbio e alimentos – que são dos mais relevantes em qualquer economia”, constata o Dieese. “Na verdade, desde 2016, há um processo intencional de desorganização e desmonte não só das políticas públicas relacionadas, como dos próprios órgãos estatais que permitiriam a implementação de uma decisão dessa natureza, introduzindo alguma regulação na operação desses mercados. Portanto, não se pode afirmar que a atual escalada de preços tenha sido interrompida.” E ao aumentar os juros, a consequência deverá ser mais concentração de renda.
“Concretamente, a combinação da queda no poder de compra, corroído pela inflação, com a elevação dos juros vai atrofiar ainda mais a estrutura produtiva e refrear os investimentos, afetando mais negativamente pequenas e médias empresas, empregos e salários, num país com mais de 13 milhões de desempregados/as e um tecido social esgarçado pelas reformas neoliberais e a crise dos últimos anos”, afirma o Dieese. “Mantendo-se o câmbio solto, a política de preços da Petrobras e a perspectiva de crescente instabilidade política, a carestia pode, infelizmente, seguir maltratando as famílias mais pobres do Brasil. Nesse cenário, a inflação pode até cair, mas a um custo social insuportável.”
Confira aqui a íntegra da nota técnica.