Expostos, trabalhadores nem sempre encontram amparo legal ao contrair Covid-19
"É por isso que tem que se presumir que o ambiente de trabalho se torna um fator de risco constante para o trabalhador e a trabalhadora”, defende a juíza do Trabalho Valdete Severo
Publicado: 18 Dezembro, 2020 - 14h29 | Última modificação: 18 Dezembro, 2020 - 15h54
Escrito por: Redação RBA
Nota técnica da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia, divulgada nesta quinta-feira (17), aponta que a covid-19 pode ser considerada doença do trabalho, mas apenas após comprovação pela perícia médica federal. De acordo com a pasta, o procedimento é necessário para atestar que a contaminação de fato ocorreu em função do trabalho.
O documento alega que doenças endêmicas só podem ser consideradas do trabalho quando comprovado que são “resultantes de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho”. A definição foi inserida para detalhar a relação da covid-19 com a concessão de benefícios previdenciários. Segundo informações do UOL, a nota acrescenta que a transmissão do novo coronavírus ocorre no país de maneira comunitária. “O que dificulta sobremaneira a definição se um trabalhador teve contato com o vírus na própria residência, no transporte público, no ambiente de trabalho ou em outro local que tenha frequentado”, diz um trecho do documento.
A juíza do Trabalho e presidenta da Associação Juízes para a Democracia (AJD), Valdete Souto Severo, adverte que a comprovação de que houve a contaminação em determinado ambiente “é algo muito difícil de ser feito”, devido à forma de infecção. O novo coronavírus pode ser transmitido tanto pelo contato direito com uma pessoa infectada ou pela proximidade, por meio de apertos de mãos, toque em superfícies contaminadas, tosse, espirro, gotículas de saliva e catarro.
Ambiente laboral é fator de risco
“Quem, durante a pandemia, está expondo seu corpo em contato com outras pessoas, corre o risco de adquirir uma doença que se contrai por meio das vias respiratórias. É por isso que tem que se presumir que o ambiente de trabalho se torna um fator de risco constante para o trabalhador e a trabalhadora”, explica, em entrevista a Glauco Faria, no Jornal Brasil Atual. “Se a pessoa permanece trabalhando durante a pandemia, a presunção tem que ser que a covid-19 foi desencadeada ou facilitada pelo fato dela andar em transporte público para ir ao trabalho e, durante o trabalho, ter contato com outros seres humanos que podem estar infectados”, acrescenta.
Um artigo recentemente publicado pela Associação dos Peritos na Justiça do Trabalho (Apejust) e reproduzido pelo Observatório Covid-19 concluiu que “está cada vez mais claro a inexistência de risco zero. Em que pese todos os esforços de cumprimento dos protocolos sanitários do uso efetivo de máscaras e disponibilização de proteção coletiva. Assim nessas condições o risco de contágio está sempre presente” no meio laboral, escreveram os peritos judiciais trabalhistas Cesar Bimbi, Evandro Krebs e Giovanni Forneck.
Insalubridade
A tentativa de evitar a classificação da covid-19 como doença do trabalho já havia sido posta pelo governo Bolsonaro em março deste ano, quando foi editada uma medida provisória estabelecendo que a doença só seria considerada desta forma “mediante comprovação do nexo casual”. A MP foi suspensa pelo Supremo Tribunal Federal (STF), lembra a presidenta da AJD, “justamente pelo absurdo de se evitar essa caracterização”.
“O que se propõe é o reconhecimento da covid-19 com base no mesmo raciocínio que se faz para aquelas atividades que estão relacionadas no rol do Nexo Epidemiológico do Ministério da Saúde. O documento diz que determinadas atividades provocam determinadas doenças, então não é preciso provar. O fato de trabalhar nesse tipo de atividade leva à conclusão, ou gera a presunção, de que aquela doença é relacionada ao trabalho”, afirma Valdete.
“Qualquer atividade que se mantenha durante a pandemia tem que ter esse enquadramento como atividade insalubre. Porque se está colocando a pessoa em um risco muito grande de contato com uma doença que nem sabemos bem o que pode ocasionar para algumas pessoas. Enquanto umas enfrentam com tranquilidade, outras são levadas ao óbito muito rapidamente”, pontua.
Risco biológico existente
De acordo com a juíza do Trabalho, já há jurisprudência para os trabalhadores quanto à covid-19 ser entendida como uma doença relacionada ao trabalho. Valdete também cobra o reconhecimento do agravo à saúde mental dos trabalhadores em meio à pandemia, assim como a aplicação do artigo 118 da Lei de Benefícios da Previdência Social. A legislação garante a manutenção do emprego por pelo menos um ano, desde a data do retorno, ao segurado que sofreu acidente de trabalho. Neste caso, seria aplicado a pessoas que ficaram internadas por mais de um mês em decorrência da covid-19.
A presidenta da AJD também ressalta a importância de criar uma medida que proíba a demissão durante a pandemia. “Várias medidas provisórias foram editadas pelo governo brasileiro, mas ele em momento algum se preocupou em garantir os empregos. E isso é importante porque durante a pandemia, com a redução da produção e do consumo, é evidente que, num país de desemprego estrutural como o nosso quem perder o emprego não encontrará outro. E emprego é condição para a gente sobreviver em um país capitalista”, garante.
Em nota técnica, emitida no início deste mês, o Ministério Público do Trabalho (MPT) destacou que a covid-19 “é um risco biológico existente no local de trabalho, e, a despeito de ser pandêmica, não exclui a responsabilidade do empregador de identificar os possíveis transmissores da doença no local de trabalho e as medidas adequadas de busca ativa, rastreio e isolamento de casos, com o imediato afastamento dos contatantes”.
Confira a entrevista da Rádio Brasil Atual