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Falta de crédito a empresas impede contratação e pressiona desemprego. Entenda

Linha de crédito oferecida pelo governo a micro, pequenos e médias empresas é pouca e deixa de fora milhares de empresários. Falta de dinheiro impacta na recuperação da economia e dos empregos

Publicado: 27 Novembro, 2020 - 07h44 | Última modificação: 27 Novembro, 2020 - 09h58

Escrito por: Rosely Rocha

Fernando Frazão / Agência Brasil
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O aprofundamento da crise econômica provocado pela pandemia do novo coronavírus (Covid-19) mostrou que os empecilhos criados pelos bancos privados e públicos para acesso ao crédito rápido e fácil, tanto para pessoas físicas como jurídicas, são entraves à retomada do crescimento e à geração de empregos.

Como a corda rói sempre do lado dos mais fracos, o resultado é a volta da inflação e a manutenção do desemprego em índices elevados.

A técnica do Departamento de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Bárbara Vallejos, explica como é possível a volta da inflação com a economia ainda em recuperação.

Segundo ela, com a falta de crédito, as empresas não compraram matéria-prima e foram utilizando seus estoques. Por outro lado, as indústrias, por falta de clientes, não produziram. Bastaram apenas sinais fracos de retomada da economia para que as empresas ficassem sem matéria-prima, porque acabou o estoque e não se tem onde comprar. Aliado a falta de crédito, o dólar alto fez muitas empresas preferirem exportar, desabastecendo o mercado interno.

“Um exemplo é madeira utilizada na fabricação de móveis. O MDF [madeira compensada] está em falta. Quem tem pra vender cobra mais caro ou prefere exportar porque o dólar está muito mais alto em relação ao real, e é vantajoso para o empresário”, diz Bárbara.

Outro exemplo de como a falta de matéria-prima afeta a produção ocorreu com a Vinícola Aurora, em Bento Gonçalves (RS), uma das maiores do país. A empresa divulgou no último dia 13 de novembro, que pararia por dois dias a sua produção de suco de uva, porque precisava de 300 mil garrafas para o envase e não tinha onde comprar. Além da linha de suco, a vinícola parou de produzir espumante e keep cooler (bebida gaseificada feita a partir do vinho branco e suco de frutas) também por falta de garrafas de vidro. Com a paralisação, os trabalhadores da vinícola ficaram encarregados da manutenção da linha de produção.

Há outros relatos de falta de caixas para pizzas, camisetas de malhas, aço, cobre, resinas plásticas, produtos químicos, embalagens de papelão, plástico e vidro, algodão e tecidos, e até do sebo bovino utilizado na produção de sabonetes, segundo reportagem do Portal UOL.

“Ao desregular a oferta, acontece um efeito inflacionário, mesmo que seja transitório”, afirma Bárbara.

E o desemprego?

Bárbara Vallejo explica que o governo federal demorou demais a lançar linhas de crédito com juros menores, e quando a primeira medida foi tomada milhares de empresas já tinham fechado suas portas. O resultado foi uma grande massa de trabalhadores e trabalhadoras no olho da rua.

“A responsabilidade pelo desemprego dessas pessoas é da demora do governo federal em socorrer as empresas que mais precisavam de crédito”, diz a técnica do Dieese.

Em abril, após o início da pandemia, o governo lançou o Programa Emergencial de Suporte a Empregos (Pese), com uma linha de crédito de R$ 40 bilhões, voltada a pequenas e médias empresas, com taxas de juros de 3,75% ao ano, para ser utilizado somente no pagamento de salários ao trabalhador que recebia no máximo dois mínimos (R$2.090,00).

Segundo o governo federal, 1,4 milhão empresas, que empregam cerca de 12,2 milhões de pessoas, se enquadravam no Pese. O fiasco foi grande: apenas 128.752 empresas tiveram acesso a pouco mais de R 7,2 bilhões, de acordo com dados do Banco Central (BC).

O motivo foi mais uma vez, os bancos privados que exigiram tantas garantias, que os empresários desistiram de acessar essa linha de crédito. A maioria dos empréstimos só foi feito pelos bancos públicos como Caixa Econômica Federal (CEF) e Banco do Brasil (BB).

Por outro lado, com as micro e pequenas empresas, responsáveis ,segundo o Sebrae, por 57% dos empregos no país, de fora do acesso ao Pese, a quebradeira foi geral e mais gente ficou desempregada.

Somente em maio, no auge da pandemia, que o Congresso Nacional aprovou outra linha de crédito, no valor de R$ 15,9 bilhões, desta vez incluindo as micro empresas, no Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), com juros menores de 1,25% ao ano mais a taxa Selic ( hoje em 2% ao ano), com prazo de 36 meses para pagar.

Além da demora na disponibilização da linha de crédito, os quase R$ 16 bilhões oferecidos acabaram rapidamente, e ainda assim não atendeu a todos que precisavam manter e mesmo expandir seus negócios.

“O governo lançou a primeira linha de crédito, o Pese, de R$ 40 bilhões que não foi utilizada porque os bancos pediam muitas garantias e o dinheiro não foi emprestado às empresas. Vendo que não deu certo, ao lançar o Pronampe, com mais facilidades e juros menores, em vez de oferecer os R$ 40 bilhões, que praticamente ficaram encalhados, ofereceu menos de R$ 16 bilhões. Lógico que o valor acabou rapidamente e foi preciso lançar uma segunda etapa, e em breve será lançada uma terceira. E ainda assim não atende todo mundo”, critica Bárbara Vallejos.

Micro empresários não conseguem acessar crédito

Dados atualizados até o último dia 03 de setembro pelo Sebrae, mostram que o Pronampe beneficiou quase 281 mil pequenos negócios, sendo 136 mil microempresas e 146 mil empresas de pequeno porte. Considerando que o total de micro e pequenas empresas no país é cerca de 7,5 milhões de negócios, o programa até agora beneficiou somente 3,75% do seu público alvo.

A doutora em Desenvolvimento Econômico, Ana Luiza Matos de Oliveira, reconhece o papel importante das micro e pequenas empresas na geração de empregos.

“Neste momento de crise em que muitas empresas, como salões de beleza e lanchonetes, por exemplo, que ficaram fechadas ou tiveram horário de funcionamento restrito durante um tempo, se elas não conseguiram empréstimos, já estão tendo problemas para pagar salários, colocando mais empregos em risco”, diz.

Segundo a economista, o Brasil não tem um sistema de crédito nacional que foque nas micro empresas, com facilitação das garantias e melhores condições de pagamento de empréstimos.

“Somos carentes disso. Não é somente o montante de dinheiro oferecido. São as condições estruturais diferentes de crédito que é preciso ofertar, e numa linguagem mais acessível, porque a grande maioria desses pequenos empresários não tem conhecimento jurídico suficiente para entender profundamente o mercado financeiro”, analisa Ana Luiza.

MEIs se tornam forma de acesso a emprego

Por outro lado, as MEIs, segundo a economista, infelizmente, após a reforma Trabalhista, têm sido a forma encontrada por milhares de trabalhadores para conseguir uma vaga, sem carteira assinada.

“Existem no Brasil mais de 8 milhões de MEIs, e elas se tornaram uma forma de inserção no mercado de trabalho. Se por um lado há a precarização e pejotização, que é muito ruim para o trabalhador, ao menos a sua formalidade oferece acesso à Previdência Social”.

Pronampe entra na terceira fase

Como o dinheiro foi rapidamente consumido, foi lançada em setembro, a segunda fase do Pronampe, com crédito em torno R$ 12 bilhões.

Agora o Congresso discute aprovar outro projeto de lei. Há propostas na Câmara e no Senado para transferir o saldo remanescente do Pese para o Fundo Garantidor de Operações (FGO), que abastece o Pronampe. Se aprovada, a medida dependerá de sanção de Jair Bolsonaro.

Passo a passo das linhas de crédito do governo

A técnica do Dieese, Bárbara Vallejo, explica em vídeo como funcionam as linhas de crédito do governo e porque elas não chegam a quem precisa.