Escrito por: CNTE
Expectativa é de que situação melhore com maior investimento durante governo Lula
Em outubro de 2022, os 32 Tribunais de Contas da União se uniram para visitar e avaliar a infraestrutura das escolas no país e identificaram que 57% das salas de aula são inadequadas.
Os números são assustadores: 31% das escolas visitadas não tinham coleta de esgoto e 8% não possuíam coleta de lixo e 82,38% das cozinhas não possuíam alvará da Vigilância Sanitária para funcionamento.
O estudo referenda pesquisa da Editora Moderna, de julho de 2022, na qual professores do ensino fundamental apontavam a falta de infraestrutura como o maior desafio da rede pública, à frente da falta de suporte familiar e das dificuldades no ensino remoto e da adaptação dos materiais à realidade dos alunos.
A fiscalização encontrou também 63% das escolas sem bibliotecas, mesmo índice entre as que não possuem sala de leitura. O percentual de unidades que não possuem laboratório ou sala de informática é ainda maior, 88%.
Para a coordenadora regional Blumenau do Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Santa Catarina (SINTE-SC), Carla Delfino, o sucateamento das escolas é parte de um projeto de desmonte da educação para favorecer as classes média e alta no país.
“Quanto mais sucateada a escola pública, melhor para quem estuda na escola privada. Afinal, tudo que a família do estudante da escola privada quer é uma vaga na excelência do ensino superior público, porque é nas universidades públicas onde se encontram a graduação, a pesquisa e a extensão de qualidade”, analisa.
Segundo ela, em muitas unidades escolares, para que possam dar aula, os professores precisam exercer o papel de servente, com varrição de salas e limpeza de áreas alagadas.A precariedade, ressalta, afeta diretamente a qualidade do ensino. “Qual aluno ou aluna aprende com fome, com calor extremo, com frio, com chuva caindo em suas cabeças?”, enfatiza Carla.
Ela conta que o SINTE-SC recolhe as reclamações dos professores, pais e alunos e encaminha um relatório com as denúncias para a secretária de Educação. Muitas escolas realizam o mesmo procedimento, por meio das Coordenadorias Regionais, mas não possuem autonomia para resolver grande parte das demandas.
Em Santa Catarina, os trabalhadores e trabalhadoras de uma escola indígena não retornaram às aulas enquanto a Secretaria da Educação não atendeu as reivindicações sobre pisos que cediam, falta de salas de aula e um currículo que não contemplava a cultura indígena xokleng.
A denúncia sobre a precariedade da escola Vanhecú Patté, que fica na Aldeia Bugio em José Boiteux, foi apresentada pelo SINTE-SC no início de março à gerência regional e à Secretaria Estadual de Educação.
A situação não é diferente no Piauí, conforme explica a presidenta do SINTE-PI, Paulina de Almeida. A dirigente afirma que no estado em que imperam as altas temperaturas, muitas salas não estão climatizadas e outras que estão não usam porque o sistema elétrico da escola não é adequado para uso de ar-condicionados, equipamentos que exigem potência e energética e tem alto custo.
Além disso, ela explica que muitas unidades escolares foram derrubadas para que ocorresse uma reestruturação, mas não foram retomadas. Em outras, a reforma transformou espaços de intervalo em salas de aula. Quando cobrado, o governo se esquiva e aponta a empresa responsável pela obra como a culpada pela lentidão no processo de conclusão das obras.
Para Paulina, isso dificulta ainda mais tornar a escola um ambiente motivador e de permanência de alunos e alunas.
“O projeto no país não é de uma escola pública de qualidade, mas sim de abrir espaço para justificar militarização e privatização do ensino e para que os filhos da classe trabalhadora não tenham acesso à educação de qualidade”, crítica.
A bióloga e professora Elisabeth de Mello Canto Matos, afirma que a superlotação das salas torna quase impossível professores e professoras darem conta da demanda de salas com alunos e alunas mais ativos e que necessitam de um modelo de uma educação em que sejam protagonistas da construção de conhecimento.
Isso incluiria a disponibilidade de equipamentos digitais capazes de aumentar a interação e o interesse pela permanência nas escolas.
Para ela, o cenário está diretamente associado ao modelo de desenvolvimento do país e não pode ser dissociado do processo de estruturação do sistema capitalista.
“Quando estudamos o desenvolvimento da educação pública no Brasil, percebemos que o projeto é que ela não eduque. Ela sempre foi encarada como educação de massas e formação básica para a mão de obra de subemprego e desempregados. Esse sistema educacional cumpre o papel legado pelo mercado. Portanto, não é um fracasso escolar, mas um projeto bem-sucedido de formação de pessoas mal educadas, despreparadas, que não são capazes de exercer protagonismos sociais com relevância política. Só importa que trabalhem e consumam”, diz Elisabeth.
Elisabeth avalia, ainda, que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996, assim como a maior parte da estrutura educacional e pedagógica, é eficaz. O problema está na aplicação desse conteúdo.
“A LDB fala sobre a gestão democrática, o protagonismo juvenil, mas é um sistema hipócrita em que as leis, discursos e narrativas oficiais passam longe da realidade. Por exemplo, a elaboração do projeto político e pedagógico deveria ser comunitário, com participação real de estudantes, familiares e protagonistas das comunidades do entorno das escolas. Mas, poucas escolas o elaboram e quando o fazem é apenas para cumprir a burocracia, de forma autoritária, com um coordenador pedagógico que escreve sozinho, geralmente copiando e colando da internet. Um documento que trata dos objetivos daquela escola, da concepção de educação, das prioridades e critérios para utilização de recursos é sistematicamente ignorado.
De acordo com pesquisa realizada pela Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica (Ipec) realizada no início de abril deste ano, 59% dos brasileiros e brasileiras acreditam que a educação irá melhorar nos próximos quatros anos.
Em quatro meses, o atual governo fez mudanças na área, com a vinculação do Bolsa Família à frequência escolar de crianças e adolescentes,promoveu o reajuste na merenda escolar, congelada há seis anos, e o aumentou bolsas de graduação, pós-graduação, iniciação científica e do programa Bolsa Permanência.
Para Carla Delfino, mesmo com os esforços do governo federal, o cenário da educação no país somente mudará com a mobilização. Inclusive porque gestores estaduais e municipais têm autonomia para escolher muitas das diretrizes orçamentárias e dos recursos disponibilizados pela União.
“A categoria tem que entender que o sindicato somos todos, todas e todes nós. Não será somente a direção da entidade que resolverá alguns impasses no gabinete do secretário ou do governador. A luta se faz com a categoria mobilizada, quer seja para trocar a fiação elétrica que não comporta o ar-condicionado e internet da escola, seja pela aplicação do aumento do piso do Magistério. Nossa luta envolve mobilização de toda a categoria”, conclui.