Escrito por: Rosely Rocha

Falta de fiscalização levou mina em Maceió a colapsar, diz ex-operador da Braskem

Marcondes Machado, aposentado, que trabalhou por 40 anos na Braskem como operador de processos químicos industriais, conta como a falta de fiscalização levou à iminente tragédia ambiental na capital alagoana

Defesa Civil de Maceió / Reprodução
região de Maceió onde ocorre o afundamento

A capital do Alagoas, Maceió, um dos cartões postais mais bonitos do Brasil completou nesta terça-feira (5), 208 anos, mas sem motivos para comemorar. Ao contrário, a cidade convive há anos com o medo de que a mina nº 18, dentre as 35 minas da Braskem de sal-gema -minério utilizado na fabricação de soda cáustica e PVC - afunde e abra uma cratera gigantesca. O perigo é também de invasão do produto na Laguna de Mundaú, o que pode agravar a maior crime socioambiental urbano do país, maior ainda do que a de Brumadinho e Mariana (MG), avaliam ecologistas, e a situação se agrava diariamente.

14 mil imóveis com cerca de 60 mil moradores foram evacuados em cinco bairros: Mutange (onde fica a mina), Bebedouro, Pinheiro, Bom Parto e Farol, desde que há cinco anos apareceram rachaduras nas ruas e nas casas. Se se somarem a esses números os trabalhadores e comerciantes pode-se chegar a 100 mil pessoas prejudicadas pela Braskem. Os bairros de Pinheiro e parte do Farol são considerados de classe média e os demais são formados por pessoas com menor poder aquisitivo.

A última atualização da Defesa Civil de Maceió, apontou que a mina 18 da Braskem afundou mais 5,7 centímetros nas últimas 24 horas. Com o movimento apresentado, o deslocamento vertical acumulado da cavidade chegou a 2,06 metros. A velocidade de deslocamento vertical neste momento é de 0,23 cm por hora. A localização da mina é dividida em 60% no continente e 40% na Laguna.

Como tudo começou

A extração mineral em Maceió começou em 1976, durante a ditadura militar no país, sob o comando da empresa Salgema Indústrias Químicas. Em 1996, mudou de nome para Trikem. A Braskem é criada oficialmente em 2002 com a integração de seis empresas da Organização Odebrecht, hoje grupo Novonor, e do Grupo Mariani. A segunda maior acionista é a Petrobras.

O operador de processos químicos industriais por 40 anos, hoje aposentado pela Braskem, Marcondes Machado, acompanhou toda a trajetória da empresa e como essa situação chegou a este estágio de crime ambiental.

Ele, que foi um dos fundadores do Sindiquímica Alagoas, hoje Sindipetro AL/ SE, conta que foram perfuradas 35 minas na região, sem interferência humana embaixo da terra. “Tudo foi feito no subsolo sem a devida fiscalização das autoridades competentes”, afirma Marcondes.

O sal-gema como o nome diz tem alto teor de sal. O minério é dissolvido de rochas a mil metros de profundidade e essa salmoura é deslocada por 8 km para uma fábrica onde sofre a eletrólise, a quebra de moléculas, separando o hidrogênio e ,além da soda cáustica, o cloro, que são transformados em diversos produtos.

O operador explica ainda que um tubo injeta água para dissolver a rocha, que passa a ser líquida, virando uma salmoura que sai por outro tubo, e isso deveria deixar embaixo uma caverna de mais um diâmetro de 100 metros por 120 de altura, mas este limite foi ultrapassado, em função da ganância da empresa e da falta de fiscalização dos órgãos competentes.

“As 35 minas ficam próximas umas das outras e as paredes não suportaram o peso de toda essa terra que está acima e cederam”, diz.

Segundo ele, os governos federal, estadual e municipal, todos eles não deram a devida atenção e a própria Braskem informava aos órgãos competentes o que estava acontecendo, maquiando os dados. Há cerca de 15 anos a empresa parou algumas minas para fazer manutenção e percebeu que nessas tubulações já vinha acontecendo uma movimentação de terra.

“Eles fizeram a manutenção e, eu particularmente acredito que não deram a devida importância de investigar a causa disso, ficando calados. A irresponsabilidade e falta de fiscalização levaram a mina em Maceió a colapsar. Em 2018 houve um tremor de 2,5 na escala Richter, ocorrendo as rachaduras e aí que de fato que os órgãos competentes começaram a investigar de perto, e o processo de indenização das pessoas que viviam no entorno dessa região teve início”, conta Marcondes.

 

EBCValores baixos de indenizações

Na semana passada as 25 famílias restantes em torno da Braskem foram obrigadas a sair às pressas por uma medida judicial que, inclusive, autorizava a força policial para retirar essas pessoas.

“Como alguns tinham poder aquisitivo razoável se transferiram para hotéis, outros foram para as casas de familiares e até mesmo alguns foram hospitalizados por estarem abalados psicologicamente”, diz Marcondes.

Segundo ele, alguns proprietários dos imóveis receberam indenizações menores do que o valor atual do mercado imobiliário.

“As indenizações foram feitas com base nos valores de 2018. Quem podia sair, saiu imediatamente pressionado por medo de acabar perdendo tudo. Eu, por exemplo, tenho um ex-colega de trabalho, que também está aposentado, que recebeu 60% do valor da sua casa que estava em uma área de risco”. Essas pessoas foram jogadas contra a parede, era pegar ou largar”, diz.

O operador confirma que muitos saíram às pressas nessa situação e tiveram prazo de uma ou duas horas para retirarem os seus pertences.

Na última quarta-feira (6), centenas de moradores da região com apoio de entidades sindicais saíram em passeata pelas ruas do entorno da Braskem, em protesto pelo crime ambiental e pelo descaso das autoridades competentes.

Marcondes MachadoMarcondes Machado

CUT e CNQ pedem responsabilização da Braskem

Em nota conjunta divulgada na quinta-feira (7), a Central Única dos Trabalhadores e a Confederação Nacional dos Químicos (CNQ), que representa os sindicatos cutistas petroquímicos e da mineração, entre outros setores, se solidarizaram com as vítimas e pediram responsabilização da Braskem pelo crime ambiental.

As entidades sindicais pedem ainda que a Petrobras, segunda maior acionista da Braskem, assuma o controle da petroquímica, pois os setores estratégicos, como os em que atua a Braskem, precisam estar sob o controle majoritário do Estado, com o intuito de que seja rompida a lógica do lucro a qualquer custo.

Diz trecho da nota “Tal processo [extração de sal-gema] se deu baseado na lógica do lucro irresponsável, que pauta grande parte das empresas controladas pelo capital privado, e pela inexistência e/ou ineficácia da fiscalização por parte dos órgãos responsáveis - fator que também é passível de apuração rigorosa.

Leia a íntegra da nota conjunta da CUT/CNQ aqui.