Escrito por: Isaías Dalle
18 de Maio é o Dia Nacional de Combate ao Abuso Sexual a Crianças e Adolescentes. Sindicatos podem ajudar na tarefa
O abuso sexual de crianças e adolescentes acontece na grande maioria das vezes dentro de casa, e o agressor é em geral um familiar ou conhecido. Essa característica repete-se em todo o mundo, não é exclusividade brasileira.
A diferença entre os países é a forma de atendimento a quem sofreu o abuso e, consequentemente, o combate a esse crime.
O que falta no Brasil é estabelecer um conjunto de normas e procedimentos a ser seguido por todos os profissionais envolvidos no atendimento às crianças e adolescentes vítimas de abuso ou exploração sexual. Ou, como prefere Itamar Gonçalves, gerente de projetos da ONG Childhood (infância, em inglês), “falta um protocolo de atendimento”.
E os sindicatos podem ajudar nessa empreitada, segundo Gonçalves, geógrafo de formação, pós-graduado em Psicologia e ex-assessor do Sindicato dos Bancários de São Paulo.
Este 18 de maio é o Dia Nacional de Combate ao Abuso Sexual de Crianças e Adolescentes, instituído pela lei 9970, de 2000.
Essa prática, própria do sistema de atendimento ainda em vigor no Brasil, aprofunda o sofrimento da vítima, seu constrangimento, e torna a conclusão de cada caso muito dependente da sensibilidade e formação de cada trabalhador ou trabalhadora envolvida nessa, digamos, corrente de horrores.
Daí a necessidade de estabelecer o protocolo defendido por Gonçalves. E centralizar o atendimento em um só local, com profissionais preparados para a tarefa.
Atualmente, os casos denunciados, em geral pelo Disque 100, são encaminhados aos CREAS (Centro de Referência Especializado em Assistência Social), a quem cabe atender desde crianças até idosos vítimas de maus tratos e abusos. “Impossível ter especialização para dar conta de tal abrangência”, constata o gerente da Childhood, ONG fundada pela rainha Sílvia, da Suécia, e uma das entidades mais atuantes no combate aos abusos sexuais contra a infância no País.
Do CREAS, a criança ou adolescente segue uma via crucis que pode incluir delegacia de polícia, posto de saúde ou outros locais, dependendo da estrutura de cada município ou estado. “Aí a criança chega ao CREA e tem de responder se o adulto agressor levantou ou não a sua saia. Vai ao posto de saúde, onde perguntam se houve ou não orgasmo. E na delegacia alguém vai perguntar que tipo de roupa ela estava vestindo. Isso é necessário? Precisamos de um acordo aí”, raciocina o representante da Childhood.
Alguns passos já estão sendo dados nessa direção. Um grupo de trabalho, proposto ao governo federal, no âmbito da Secretaria de Direitos Humanos, está elaborando esse protocolo. “Vamos ter um passo a passo para esse momento tão importante da escuta da vítima”, crê Gonçalves.
Papel dos sindicatos
Parte importante dos abusos e da exploração (esta última caracteriza-se pelo sexo em troca de dinheiro ou objetos) ocorre nas estradas e no entorno de grandes ou pequenas obras de construção civil. Aí está um dos pontos em que os sindicatos podem atuar, fazendo campanhas de conscientização com seus representados.
Para isso, será necessário apropriar-se dos procedimentos necessários para atendimento e prevenção, o que pode ser obtido na Secretaria de Direitos Humanos ou em entidades especializadas como a Childhood.
Experiência sindical como essa ocorreu durante a Copa do Mundo de Futebol 2014, quando os sindicatos de hoteleiros e trabalhadores de restaurantes envolveram-se numa grande campanha de conscientização e combate ao abuso e exploração sexual. Pela CUT, quem coordenou a campanha foi a Contracs (Confederação Nacional dos Trabalhadores em Comércio e Serviços).
Itamar Gonçalves, da Childhood
Debates como os que ocorrem segunda e terça-feira em Brasília, durante o “Seminário Nacional sobre Atendimento a Crianças e Adolescentes em Situação de Violência Sexual”, cujo objetivo é justamente avançar rumo à elaboração de um protocolo único e à centralização do atendimento (veja programação aqui).
Agressores livres
Outra má consequência da descentralização do atendimento é a baixíssima taxa de responsabilização dos agressores. Somente entre 4% e 5% dos criminosos denunciados são presos, em parte por causa do comprometimento das famílias, que acabam abafando os casos.
Mas há esperança. Está em curso no Brasil uma experiência-piloto de salas judiciais exclusivas para esses casos, em que as crianças e adolescentes podem narrar sua experiência sem ter de encarar estranhos e muito menos na presença do agressor, como ocorre nos julgamentos tradicionais. Já são 100 salas especiais no Brasil.
“Aqui os casos de responsabilização sobem para taxas entre 60% a 70% dos casos denunciados”, comemora Gonçalves.
Estatísticas
Em 2014, foram 25,6 mil denúncias ao Disque 100. 65% referiam-se a abusos cometidos por familiares ou conhecidos, sendo que, destas, 72% ocorreram na casa da vítima ou na casa do suspeito.
Nesta segunda, a Secretaria de Direitos Humanos divulgou que no primeiro trimestre de 2015 o Disque 100 recebeu 21 mil denúncias de abusos, o que pode significar maior engajamento da sociedade.
“A maior arma ainda é a informação. Os pais devem, sim, quando a criança tiver a partir de quatro anos, explicar para seus filhos a diferença entre carinho ou agressão travestida de carinho, e dizer a elas que adultos não têm o direito de tocar suas partes íntimas”, completa Gonçalves.