Escrito por: Paula Zarth Padilha | Terra Sem Males Brasil de Fato | Curitiba (PR)

Famílias lutam pela demarcação de habitação de interesse social em Curitiba

Projeto da Prefeitura que será enviado para votação na Câmara estabelece parâmetros que dificultam regularização

Paula Zarth Padilha | Terra Sem Males

Imagine um bairro formado por diversas vilas estruturadas, em que o poder público implanta transporte coletivo, posto de saúde e escolas com nomes de linhas e de unidades que fazem referência a essas vilas, reafirmando suas existências através do nome. Um exemplo, em Curitiba (PR), é o bairro Cajuru, cujas vilas São Domingos, Autódromo, Agrícola, entre outras, são de fato reconhecidas nesses aspectos. Contudo, o direito e o reconhecimento das milhares de famílias como pertencentes a esses lugares termina aí.

Formado por bolsões de ocupações por moradia nos limites entre a linha do trem e rios, os moradores são cotidianamente marginalizados e criminalizados pelo mesmo poder público quando o assunto é a regularização fundiária para o reconhecimento de titulação dessas moradias para as famílias.

A situação dessas e de muitas outras famílias das regiões periféricas de Curitiba está à beira de piorar um pouco mais. A Prefeitura encaminha estudo, via IPPUC, que irá rever a lei de zoneamento, revisão esta promovida a cada ciclo de dez anos, e que dessa vez a previsão é que transforme os seis setores de habitação especial de interesse social (SHEIS) em zona residencial especial (ZRE).

A nomenclatura charmosa e atrativa, que pode até sensibilizar moradores locais, na prática significa ampliar um enfoque mercadológico numa área que será reconhecida como própria para moradia – mas para investidores, e não para resolver juridicamente os problemas de regularização da terra por quem já está lá.

Essa é a leitura das arquitetas populares do Coletivo Trena, que compõe a articulação Mobiliza Curitiba, que luta pela reforma urbana e reúne diversas entidades de representação e apoio às famílias atingidas, como o Instituto Democracia Popular (IDP). “A gente acompanha e leva informação para essas pessoas desassistidas pela prefeitura, pela Cohab, nesse direito básico de ter um lugar para morar. Uma luta que também é minha”, explica Libina da Silva Rocha, presidente do IDP, que iniciou sua atuação nos movimentos sociais por moradia por ser moradora do Ribeirão dos Padilhas.

Na noite desta segunda-feira (21), o Coletivo Trena realizou mais uma das diversas oficinas que as arquitetas promovem de forma voluntária nos locais onde há luta popular pela regularização fundiária em Curitiba.

No momento, a principal preocupação do coletivo e dos movimentos populares que atuam por uma proposta de reforma urbana inclusiva, é a aprovação da lei de zoneamento sem o reconhecimento das antigas SHEIS como ZEIS: Zonas Especiais de Interesse Social. “A Prefeitura alega que as ZEIS não estão previstas na lei de zoneamento porque podem posteriormente ser inseridas no plano de habitação. A nossa preocupação é que um plano não tem força de lei e não possa nunca mais ser viabilizado. O momento de pressionar pela demarcação das ZEIS é agora”, defende Elisa Detzel, do Coletivo Trena.

Os debates dentro do IPPUC não estão sendo divulgados sobre qual será a configuração do mapa da nova lei de zoneamento. Conforme informação do Coletivo Trena, essa nova lei inclui os mapas, o corpo do texto e ainda tabelas de parâmetros. “Nas ZEIS, os parâmetros são a possibilidade de flexibilização de medidas de terreno, de construção. É a única forma de uma moradia de ocupação, feita aos poucos pelos moradores, ser regularizada, por isso a importância de ser demarcada como de interesse social”, explica Elisa.

Paralelamente ao encaminhamento da lei de zoneamento, a Cohab, Companhia de Habitação Popular de Curitiba, entra nas vilas de maneira nada popular e ainda sem o viés do interesse social para oferecer possibilidade de regularização fundiária para essas famílias: os moradores estão sendo procurados com propostas de financiamento para aquisição da terra, mas com supervalorização dos terrenos, o que origina valores de parcelas com pagamentos impossíveis de serem cumpridos por assalariados.

A estimativa é que a cidade de Curitiba tenha no momento 404 ocupações irregulares. A mobilização pela demarcação de ZEIS é apenas o primeiro passo para que o interesse social e o entendimento da moradia como direito de todos seja respeitado pelo poder público. Esse processo viabilizaria inicialmente a regularização fundiária, da terra. O próximo desafio é ainda a regularização dos imóveis, como a averbação.

A lei de zoneamento deve ser encaminhada ainda neste ano para votação na Câmara Municipal, quando os vereadores terão quatro encontros para debater as demarcações e poderão propor modificações ao IPPUC, como, por exemplo, a demarcação das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS), que pode possibilitar a regularização de áreas de moradia que não se adequam aos parâmetros existentes.

O Instituto Democracia Popular atua cotidianamente pela reforma urbana e acompanha famílias de ocupações para que tenham seu direito de moradia digna preservados e institucionalizados pelo poder público.