Famílias no sufoco: Gás de cozinha no Brasil é 25% mais caro que a média mundial
Juntos, preço do botijão de 13kg e valor da cesta básica comprometem cerca de 70% do salário mínimo dificultando ainda mais o orçamento das famílias de baixa renda
Publicado: 14 Outubro, 2022 - 01h34 | Última modificação: 14 Outubro, 2022 - 17h34
Escrito por: André Accarini, da CUT Nacional, e Concita Alves, da CUT-RN | Editado por: Marize Muniz
O preço do gás de cozinha o Brasil está entre os mais caros do mundo e muitas famílias já desistiram de usar o produto ou usam apenas de vez em quando. Outras usam lenha e álcool, apesar dos riscos.
No exterior, o valor médio do botijão de gás de 13 kg é de cerca de R$ 39. No Brasil, o preço praticado pela Petrobras é de R$ 49,19, valor 25% maior do que lá fora, segundo dados são da Agência Nacional do Petróleo (ANP).
Mas, dos dutos da Petrobras até a casa do consumidor, o preço do gás de cozinha chega a custar duas vezes mais. Somadas as taxas de revenda e impostos, o valor do botijão de 13 quilos chega em média a R$ 112. Mas há locais no país onde o preço chega a cerca de R$ 160, como é caso de Caçador, cidade do interior de Santa Catarina. cozinha no Brasil é 25% mais caros que a média mundial.
O impacto do preço do gás no orçamento dos trabalhadores de baixa renda é enorme e compromete tanto o poder de compra que as famílias têm de escolher entre comprar um botijão ou comida, vestuário, remédios ou até mesmo para pagar as contas essenciais do mês como as de água e luz.
Entre as que se arriscam usando lenha para cozinhar e que sofrem com a queda do poder de compra está dona Maria de Lurdes Alexandre da Silva, 55, moradora do bairro Planalto, zona Oeste de Natal (RS).
Mãe de sete filhos, a dona de casa afirmou à reportagem do PortalCUT que não recebe o Auxílio Brasil de R$ 600, nem vale-gás de R$ 100, nem nenhuma das bondades do governo federal que acabam em dezembro e foram implementadas as vésperas da eleição. Ela diz que se vira com a ajuda dos filhos para comprar comida. De vez em quando compra um botijão de gás, mas só usa à noite, horário em que teme mais os acidentes com o fogão a lenha.
“Antes a gente usava o botijão de gás pra cozinhar a comida da casa a qualquer hora. Agora, só acendo o fogão à noite. Tenho medo de acidente com meus filhos. Já vi muita gente se acidentar aqui. Durante o dia, eu mesma faço o fogo a lenha pra cozinhar o feijão pra família,” afirmou a dona de casa.
Maria de Lurdes reclama do cenário econômico do país no momento. Segundo ela, “tudo tem piorado”.
No RN, o preço médio do botijão de 13kg gira em torno de R$ 120.
Desigualdade
Para os mais ricos, o impacto do preço do gás no orçamento familiar é quase nulo, explica a técnica do Dieese, Adriana Marcolino. “Quem ganha um salário mínimo (R$ 1.212) compromete cerca de 10% de sua renda num botijão de gás; quem ganha R$ 12 mil, dez vezes mais do que o mínimo, compromete apenas 1% do seu orçamento”.
Já os mais pobres, que também sofrem mais com a inflação, em especial a dos alimentos, e estão com os salários achatados penam com a brutal queda do poder de compra.
O valor da cesta básica, apurado pelo Dieese, que leva em consideração os 13 alimentos mais consumidos pelos brasileiros (carne, leite, feijão, arroz, farinha, batata, tomate, pão francês, café em pó, banana, açúcar, óleo e manteiga) já ultrapassa os R$ 700. Em São Paulo, valor mais alto do país, a cesta custa R$ 750, ou seja, 61% do salário mínimo.
“A conta não fecha. É impossível para uma família que tem renda de um salário mínimo ter de arcar com todos os custos. Até mesmo para famílias que ganham um pouco mais, como um salário mínimo e meio ou dois salários. Fica a difícil situação de ter de decidir se come, se compra o gás ou se paga as contas”, diz Adriana Marcolino.
Essa realidade explica, inclusive, o alto índice de inadimplência no Brasil. Dados da Confederação Nacional do Comércio, Bens, Serviços e Turismo (CNC) revelam que o endividamento bateu o terceiro recorde este ano e atingiu 79,3% das famílias brasileiras.
Saiba por que o preço do gás é tão alto no Brasil
Em primeiro lugar, ao contrário do que diz o presidente da República, Jair Bolsonaro (PL), os preços dos combustíveis no Brasil não estão entre os mais baixos do mundo. Quando diz isso, como fez recentemente na Inglaterra, ele ignora ou omite o fato de que, em outros países, os salários dos trabalhadores são maiores e lhes proporcionam um poder compra superior ao Brasil.
Além de um salário mínimo insuficiente, que desde o início do atual governo não tem reajuste real porque Bolsonaro acabou com a Política de Valorização do Salário mínimo.
O poder de compra dos brasileiros também foi corroído ainda mais nos últimos anos por causa dos aumentos quase semanais praticados pela Petrobras. A estatal implementou a política de Paridade de Preços de Importação (PPI) durante o governo do ilegítimo Michel Temer (MDB). Em público, Bolsonaro critica os preços, no particular, ele mantém a política de Temer.
A PPI estabelece os preços de combustíveis no país de acordo com a cotação do dólar e das variações do barril do petróleo no mercado internacional e é criticada por economistas e por sindicalistas da Federação Única dos Petroleiros (FUP).
Para além dos preços da gasolina e, principalmente do diesel, que impactam em toda a cadeia produtiva e comercial, elevando preços de produtos e serviços, o preço gás de cozinha também sofre os impactos da PPI e, por isso, figura como um grande vilão para as famílias.
Auxílio
A medida eleitoreira do governo de Jair Bolsonaro, chamada de PEC do Desespero de agosto, aumentou o valor do vale-gás, concedido a pessoas de baixa renda, de R$ 53 para R$ 110, valor que é pago a cada dois meses. Mas a validade é até dezembro deste ano. Se não houver uma política que, no caso dos combustíveis, faça os preços caírem, as dificuldades econômicas das famílias vão perdurar.
E é possível. A FUP já demonstrou que a PPI da Petrobras é a grande vilã dos altos preços dos combustíveis. Em ações solidárias que vem sendo realizadas desde 2020 com venda de cargas de gás para os botijões a preços justos (por volta de R$ 50), os petroleiros explicam à população sobre os prejuízos dessa política de reajustes que considera o preço do petróleo no mercado internacional, a cotação do dólar e custos de importação de derivados, mesmo o Brasil sendo autossuficiente em petróleo e reforçam a necessidade em acabar com ela.
“As Ações do Gás são uma maneira de trabalhar a conscientização da população sobre a formação dos preços dos combustíveis, mostrando que o gás poderia ser vendido pela metade do preço praticado atualmente” diz José Maria Rangel, diretor do Sindicato dos Petroleiros do Norte Fluminense (Sindipetro-NF).
"Nosso país está se tornando um país para os ricos e a camada mais pobre está ficando a margem do processo. Alguns em situação degradante, se alimentando inclusive do lixo. Esperamos poder virar esse jogo e fazer do Brasil um país de oportunidades", conclui Zé Maria.