Escrito por: Cida de Oliveira, da RBA
Segundo relatos, fazendeiros e pistoleiros chegaram atirando e destruindo barracas. Ministério Público Federal pediu providências ao Incra e à PF
Famílias sem-terra acampadas em uma área da Fazenda Tinelli, em Nova Ipixuna, sudoeste do Pará, foram atacadas por pistoleiros e fazendeiros na tarde de quarta-feira (3). Segundo depoimento de acampados, diversos veículos chegaram ao local disparando tiros. Além disso, pessoas desceram para pôr fogo em barracas de plástico preto.
“Eu estava na estrada quando começaram a chegar os carros dos fazendeiros. Aí voltei lá para avisar os companheiros. Logo já escutei um tiro e vi pelo menos seis barracos pegando fogo”, disse uma das testemunhas.
Outra testemunha, que confirmou o relato sobre a violência dos pistoleiros, acrescentou que no dia anterior agentes da Delegacia de Conflitos Agrários (Deca) estiveram no local. “Falaram pra gente não esquentar a cabeça, que não ia ter problema (até a Justiça decidir). ‘Se vocês perder, vão ter de sair’. Assim foi a conversa. Eu fico preocupado porque tem muita criança e idoso no acampamento.”
Os relatos foram enviados à Comissão Pastoral da Terra (CPT), que confirmou a autenticidade. O órgão, que presta assessoria jurídica às 60 famílias de agricultores, base do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR) de Nova Ipixuna, informou ao Ministério Público Federal (MPF) que pessoas foram baleadas, veículos foram queimados e barracos dos sem terra destruídos. E que famílias tiveram que se esconder na mata para se proteger dos disparos.
Registrado em nome da União no cartório de Registro de Imóveis da Comarca de Marabá, a Fazenda Tinelli é pleiteada desde 2002 para um projeto de reforma agrária, que até agora o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) não tirou do papel. Chegou a ser publicada uma portaria para a implementação do projeto, mas foi cancelada em 2014. Nesse processo, uma família, chefiada por Carlos Abílio Tinelli se apresentou como proprietária da fazenda.
A situação sempre foi tensa, segundo a coordenadora executiva da Comissão Pastoral da Terra Andréia Silvério. A família Tinelli pressiona, entra com reintegração de possse. Um juiz da vara agrária deu a causa aos fazendeiros em 2017. As famílias de agricultores foram retiradas e retornaram mais tarde para o acampamento”, disse a coordenadora à RBA.
De lá para cá, a violência se acirrou. A CPT chegou a denunciar a aliança firmada entre os fazendeiros, pistoleiros e o delegado Ivan Pinto da Silva da Delegacia de Conflitos Agrários (Deca) de Marabá. Em plena pandemia, o delegado estaria promovendo despejos e prisões de trabalhadores rurais, sem ordem judicial e tampouco sem crime.
No último dia 20, o MPF recomendou ao Incra a avaliação da destinação da fazenda Tinelli para a reforma agrária. E deu prazo de 20 dias úteis, a contar do recebimento da decisão, para o Incra comunicar se pretende acatar ou eventuais justificativas para o seu descumprimento,com documentação comprobatória.
Hoje (4) o MPF requisitou ao Incra informações sobre as providências que foram tomadas em atendimento à recomendação de outubro – sobre o uso da fazenda para fins de reforma agrária. Atualmente, as famílias ocupam apenas uma pequena área. Nas redes sociais, filhos do fazendeiro Carlos Abílio Tinelli veicularam vídeos afirmando que a família vinha sendo “ameaçada de morte por sem terras, que estavam armados, e que vinham destruindo a sede da fazenda”.
O MPF também questionou o Incra sobre providências do órgão em relação ao atentado, tendo em vista que ocorreu em área sob sua gestão. Informações foram ainda solicitadas à Delegacia de Conflitos Agrários de Marabá. Em especial sobre registro da ocorrência de eventuais lesões, danos patrimoniais e ameaças praticadas no acampamento.
À CPT, o MPF solicitou relatório circunstanciado sobre o conflito e à Polícia Federal pediu cooperação nas apurações realizadas pela Deca. Desse modo, espera coibir novos conflitos, além da apuração de eventuais ameaças e riscos de outros crimes na área.