Escrito por: Eduardo Maretti, na RBA

Sistema prisional é o mesmo 25 anos depois do Carandiru

Maus-tratos e torturas continuam sendo a tônica do sistema prisional do país

Foto: RBA

A atual grave crise do sistema penitenciário brasileiro, na verdade, não é uma crise. A realidade de massacre, morte e violência é inerente ao sistema. A afirmação de que há um colapso nesse sistema é “falaciosa”. A posição sobre o tema é da Pastoral Carcerária Nacional.

“Uma resposta fácil é dizer que as facções são responsáveis pela violência, mas esses grupos só surgem por conta do encarceramento em massa, que é a característica do sistema nos últimos 25 anos. O encarceramento em massa, os maus tratos, as torturas e as sevícias produziram esses grupos e suas ações. O sistema não está em crise, está operando como sempre operou. Essas mortes estão tendo essa ampla cobertura da mídia com seus números exorbitantes, mas as mortes acontecem todos os dias”, diz Marcelo Naves, assessor da Pastoral.

O deputado federal Chico Alencar (Psol-RJ) destaca um aspecto que considera grave, revelado por uma simples leitura de comentários em redes sociais. “A política no Brasil já há muito tempo é a negação de uma política de ressocialização e recuperação das pessoas. É a política do extermínio dos encarcerados. Mas, pior, conta com respaldo de parte da opinião pública. E é uma opinião talvez majoritária.”

Na mesma linha, ao comentar o papel do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, no atual processo, Naves diz que a proposta de segurança pública do titular da pasta não tem possibilidade de conter a violência. “A proposta política do governo é menos do que um paliativo, ela tenta resolver o problema usando o mesmo problema. Mas numa sociedade punitiva como a nossa, talvez ele esteja respondendo a uma parcela da sociedade. No nosso ponto de vista, a resposta que ele está dando vai produzir mais e mais violência e violação de direitos.”

“Se estivéssemos num país desenvolvido culturalmente, ele (Alexandre de Moraes) não seria ministro da Justiça. É um homem de concepções reacionárias, retrógradas, e acha que tudo se resolve na truculência. Não tem concepção de segurança pública minimamente contemporânea”, acrescenta o deputado do Rio.

Os números corroboram a posição da Pastoral de que o problema é estrutural ao longo das últimas décadas. Segundo dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen), do Ministério da Justiça, em 1990 os presos no sistema carcerário brasileiro eram 90 mil. Em 2014, o número saltou para 622 mil, com um enorme crescimento de 575%. Mas a expansão continua. Segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em janeiro de 2017 já são entre 640 mil a 650 mil os presos em regime fechado. Naves lembra que 25 anos depois do massacre do Carandiru, a filosofia de segurança pública continua a mesma.

Trazendo os números para um período mais recente, é possível constatar que o Brasil está no caminho inverso do de outros países. Entre 2008 e 2014, o país aumentou em 33% a população carcerária. No mesmo período, Estados Unidos (8%), China (9%) e Rússia (24%), países com números absolutos superiores ao Brasil em população carcerária, vêm diminuindo o número de presos.

Guerra às drogas

 A principal responsável por essa situação é a atual política de drogas, regulada pela Lei 11.343/2006, “extremamente encarceradora”, como diz Naves.

A Pastoral defende o fim da chamada Guerra às drogas e a descriminalização do uso e comércio das chamadas drogas ilícitas. “Essa lei foi combustível do encarceramento da população jovem, a maioria negra, que trabalha no pequeno varejo.”

A guerra às drogas também é a principal causa do grande crescimento do número de mulheres presas. Em 2000, eram 5.601, e em 2014 elas eram 37.380, um aumento no Brasil de 567%. Se em termos absolutos o número parece pequeno, o crescimento é muito significativo, observa Marcelo Naves, assim como a causa dessa expansão.

“De 2006 para cá houve um boom ligado à lei de drogas: isso se deve às mulheres que têm no comércio de drogas o recurso pelo fato de o companheiro ter sido preso ou morto, como uma questão de renda.” Segundo Naves, no estado de São Paulo, 70% das mulheres presas estão nessa situação por crimes ligados a drogas. A maioria são rés primárias.

Na opinião de Marcelo Naves, a questão sobre se a crise dos presídios pode “transbordar” os muros das prisões e se alastrar pelas ruas é uma falsa questão. “Na verdade, já transbordou, porque é uma situação que está para além da segurança pública, do debate da questão penitenciária. Está ligada ao projeto de sociedade e ao nosso sistema político e econômico, que produz pessoas excluídas que ficam à margem da sociedade, e precisa eleger seus inimigos entre as camadas pobres e violentadas pelo processo histórico e de colonização pela expansão do capitalismo no Brasil”, diz o assessor da Pastoral.

Chico Alencar lembra que numa sociedade civilizada, o Estado deveria ter a responsabilidade máxima sobre a vida dessas pessoas. “Só que com a política que desenvolve, ele se ‘desresponsabiliza’. As pessoas se desumanizam a ponto de se trucidar, e o Estado não se incomoda. A não ser que tivesse algum preso da Lava Jato lá, aí ia ser um escândalo”, ironiza o parlamentar. “Mas os anônimos são considerados não-pessoas. E o senso comum diz que ‘são bandidos e têm que morrer’.”