Formatura de diplomatas celebra Marielle. E constrange o governo e o golpe
Na presença de Temer e Aloysio Nunes, e em tempos de crimes e prisões políticas, orador cita Luther King e manifesta indignação de todas as forças políticas amantes da democracia
Publicado: 22 Abril, 2018 - 11h07 | Última modificação: 22 Abril, 2018 - 11h35
Escrito por: Paulo Donizetti, da RBA
A formatura da turma 2016-2018 de diplomatas do Instituto Rio Branco, celebrada nesta sexta-feira (20), Dia do Diplomata, prestou contundente homenagem a Marielle Franco. A turma foi batizada com o nome da vereadora do Psol do Rio de Janeiro, executada a tiros em 14 de março, junto com o motorista Anderson Gomes, que a acompanhava.
A lembrança de um crime político contra uma liderança feminista negra, que comoveu o mundo e ainda não foi esclarecido pelas autoridades, constrangeu alguns presentes "ilustres" à cerimômia realizada no Palácio do Itamaraty, sede do Ministério das Relações Exteriores: o presidente Michel Temer, responsável por uma intervenção militar tido como desastrosa no Rio de Janeiro, e o ministro titular da pasta, Aloysio Nunes Ferreira.
O orador da turma, Meinardo Cabral de Vasconcelos Neto, conseguiu discreta e indiretamente provocar constrangimento, ao citar em seu discurso de sete minutos o líder da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos, Marthin Luther King, na abertura de sua intervenção.
“É sempre o tempo certo de fazer o que é certo. Essas foram palavras de Martin Luther King, preso, em Birmingham, Alabama, após organizar passeatas de resistência contra a discriminação racial. A turma Marielle Franco – e Marielle lutou também contra variadas formas de segregação – escolheu prestar esta homenagem porque entendeu que era certo. E havia de ser também o tempo certo. Nós tivemos de escolher prestá-la, é verdade, quando quase nada estava esclarecido – e muito resta, infelizmente, por esclarecer", declarou Vasconcelos Neto.
"Com a convicção de que o tempo, por si, não curará nossos males nem nos conduzirá inevitavelmente à justiça, escolhemos não nos omitir", acrescentou, assinalando que a indignação com morte de Marielle deve inspirar a carreira diplomática a atuar, como ela, "como instrumentos da luta por uma sociedade mais justa e igualitária".
O momento em que a liderança política mais popular do país, e uma das mais importantes do mundo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva se encontra também na condição de preso político, pode representar o segundo constrangimento da festa.
"Na mesma ocasião (em que foi preso), Martin Luther King nos lembrava: uma injustiça em qualquer lugar é uma ameaça à justiça em todos os lugares. Não é por outro motivo que se unem hoje, com a mesma indignação, Senhor Presidente, todas as forças políticas amantes da democracia, pois todas elas manifestaram ao mesmo tempo consternação e solidariedade. Aqui estamos para expressar nosso repúdio a toda forma de violência e para reforçar nossa crença nas instituições democráticas", acentuou o diplomata.
Desigualdade
A embaixadora Thereza Maria Machado Quintella, paraninfa da turma e primeira mulher formada pelo Instituto Rio Branco a se tornar embaixadora no Brasil, elogiou a escolha da turma. Eleitora de Marielle, Thereza lembrou sua luta para a equidade de gênero e criticou o governo pela pequena presença feminina no corpo diplomático e nos principais postos do Ministério das Relações Exteriores de Temer – nenhum dos 12 cargos mais importantes do ministério é ocupado por mulher –como destacou o blog Socialista Morena.
“O que mais preocupa atualmente é a ausência de mulheres na estrutura de comando do Itamaraty. Só espero que isso seja conjuntural, e não sinal de retrocesso”, criticou Thereza Quintella. A turma que se formou nesta sexta tem 30 diplomatas, dos quais nove são mulheres, como observa o blog.
Num país que tem Michel Temer e Aloysio Nunes Ferreira entre os articuladores do golpe de 2016, a formatura de uma nova safra de diplomatas acabou proporcionando uma alentador ato de desagravo à sua tão agredida democracia.
Afinal, o golpe teve como primeira etapa requintes de misoginia, ao oprimir e destituir por força de uma manobra jurídico., midiática e parlamentar a primeira presidenta eleita da República. E em sua etapa presente, emprega sua estrutura judiciária encarcerando o presidente que a antecedeu, o de maior taxa de popularidade da história da República e potencial futuro presidente se puder disputar a eleição de outubro.
Tirar a vida de Marielle e a liberdade de Lula se encaixam cruelmente na condição dessas injustiças "que ameaçam a justiça em todos os lugares".