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Funcionários nomeados por Guaidó emitem documentos falsos a venezuelanos no Brasil

Ministério de Exteriores da Venezuela denunciou usurpação de funções consulares com anuência do Itamaraty

Publicado: 06 Outubro, 2020 - 09h32 | Última modificação: 06 Outubro, 2020 - 09h37

Escrito por: Michele de Mello Brasil de Fato | Caracas (Venezuela)

Reprodução
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O Ministério de Relações Exteriores publicou um comunicado, no último sábado (3), denunciando atividades fraudulentas das autoridades nomeadas pelo deputado Juan Guaidó no Brasil. Os supostos diplomatas haviam realizado uma jornada de atenção consular em Roraima, apesar de não estarem autorizados a emitir documentos oficiais venezuelanos.

A chancelaria venezuelana alerta que a impressão fraudulenta de vistos, passaportes ou outros documentos consulares é um crime tipificado pela Constituição do país e pelo direito internacional. 

Segundo publicações em redes sociais, os principais documentos emitidos são a constância de registro consular, um requisito para tramitar o Registro Nacional de Estrangeiro (RNE) com a Polícia Federal; e o reconhecimento da licença de condutor, exigido pelo Detran para entregar uma carteira de motorista.

Identidades venezuelanas também foram emitidas com número inexistente no registro do Serviço Administrativo de Identificação, Migração e Estrangeiros (SAIME) e com nomes fícticios de autoridades. 

A encarregada de negócios da embaixada venezuelana em Brasília, Irene Rondón Graterol denuncia que, em algumas sedes do Detran, funcionários foram orientadas a aceitar os documentos assinados por Maria Teresa Belandria, embaixadora nomeada por Guaidó e reconhecida pelo presidente Jair Bolsonaro. 

"Compatriotas nos relataram que em algumas unidades do Detran se negam a aceitar os documentos oficialmente emitidos por nossas sedes diplomáticas e consulares e estimulam a acudir a essas pessoas que pretendem usurpar nossas funções no Brasil", relata. 

 

Os consulados legítimos têm acesso a sistemas e bancos de dados de ministérios e outras instituições públicas para determinar se os documentos apresentados por qualquer pessoa são autênticos. Um trabalho que não pode ser feito pelos funcionários guaidosistas, já que não são autoridades constitucionais.

"Isso é um perigo até para a segurança nacional brasileira, já que estão emitindo ou reconhecendo documentos sem nem saber se as pessoas são venezuelanas e se seus documentos são ou não falsos", declara o cônsul venezuelano em São Paulo, Manuel Vadell.

Os problemas gerados são reais. Ainda que o Itamaraty reconheça autoridades nomeadas por Guaidó, na prática, o Estado recorre aos consulados e embaixadas oficiais quando necessário.

Vadell relata que há uma semana, a Polícia Federal contatou o consulado de São Paulo para denunciar a detenção de um suposto cidadão venezuelano. No entanto, no momento de conferir sua documentação comprovaram que se tratava de um imigrante não venezuelano, que portava uma identidade falsa usando o número de outra cidadã venezuelana. 

"Um fugitivo da justiça venezuelana poderia atravessar a fronteira de maneira ilegal e logo ter seus documentos 'reconhecidos' por essas autoridades, já que eles não têm capacidade técnica, nem legal para determinar se trata-se de um crimoso ou não", destaca Vadell.

Esse reconhecimento brasileiro de documentos venezuelanos inválidos pode abrir brechas para uma série de delitos internacionais, como compra e registro ilegal de imóveis no Brasil, e até tráfico de pessoas. As ações do governo Bolsonaro violam a Convenção de Viena sobre as relações diplomáticas. 

Além da emissão de certificados fraudulentos, agências de turismo oferecem viagens a venezuelanos no exterior para o Brasil "sem necessidade de cumprir quarentena" e com facilidades para obtenção de documentos. 

Esses cidadãos venezuelanos serão investigados pelo Ministério Público da Venezuela pelos delitos de usurpação de funções e falsificação de documentos. "Queremos esgotar as instâncias nacionais, mas nunca é demais denunciar essa situação em organismos multilaterais em que fazemos parte", comenta Graterol. 

Hostilidade no lugar da diplomacia

Desde abril autoridades brasileiras se recusam a aceitar comunicados oficiais da embaixada ou consulados venezuelanos. Segundo a encarregada de negócios, Irene Graterol, sequer respondem e-mails sobre trâmites antigos, solicitados pelo próprio Itamaraty, como foi o caso de extradições de brasileiros residentes na Venezuela. 

"Não há documento oficial do Itamaraty que reconheça esses atos, no entanto, como é um fato público e notório essa emissão de documentos, sem haver um pronunciamento oficial que determine a ilegalidade desses atos, creio que a omissão já é um reconhecimento", afirma o cônsul venezuelano em São Paulo, Manuel Vadell.

Há um mês, o governo brasileiro declarou como "personas non gratas" os funcionários venezuelanos residentes no Brasil, que foram nomeados pelo presidente Nicolás Maduro. A ação foi uma resposta à visita do secretário de Estado dos Estados Unidos, Mike Pompeo à Boa Vista (RR). Na ocasião, tanto o funcionário estadunidense, como o ministro de Relações Exteriores brasileiro Ernesto Araújo reiteraram seu desejo mútuo de desestabilizar o governo Maduro. 

Em junho de 2019, o presidente Jair Bolsonaro reconheceu o deputado Juan Guaidó como presidente legítimo da Venezuela e sua embaixadora, Maria Teresa Belandria, como representante oficial. 

Desde então, o Executivo tem protagonizado uma série de ações hostis contra a diplomacia venezuelana. Além de tentar expulsá-los do país durante a pandemia, recusou-se a renovar seus documentos, assim como impede a circulação dos veículos diplomáticos no território nacional. 

"É uma irresponsabilidade. Uma coisa é que o governo tenha uma posição ideológica e não queira estabelecer relações políticas com o governo legítimo da Venezuela, mas a atenção consular é um direito dos venezuelanos", finalizou o cônsul venezuelano destacando que esperam por uma declaração oficial do ministro Ernesto Araújo. 

A reportagem do Brasil de Fato entrou em contato com o Ministério de Relações Exteriores do Brasil, mas não obteve resposta até a publicação desta matéria.