Escrito por: Redação RBA
Não é só ideologia. O modelo de lucro da mídia era de receber vazamentos sem gastar nada, sem fazer jornalismo. E ampliar a audiência com os espetáculos
“O Jornal Nacional recebia, e vamos reportar muito sobre isso logo, vazamentos da Lava Jato dizendo que tal político foi acusado em uma delação (…) A Globo lucrou muito sem fazer jornalismo. O papel do jornalismo era de parceria com a Lava Jato e Sergio Moro”, disse o jornalista Glenn Greenwald, do The Intercept Brasil, em conversa com o apresentador Juca Kfouri, no programa Entre Vistas, da TVT.
Glenn destacou o papel da imprensa comercial na construção do mito da Lava Jato como instrumento exclusivo de combate à corrupção e de Moro como herói. Antes responsável pelos julgamentos dos processos da força-tarefa na Justiça federal de Curitiba, Moro acabou ao lado do presidente de extrema-direita, Jair Bolsonaro (PSL), como ministro. Foram eles os maiores beneficiários do projeto político da Lava Jato.
Além do interesse ideológico de setores do mercado que controlam grande parte da imprensa em cooperar com a Lava Jato, esteve presente o interesse comercial. “A grande mídia estava aliada com Moro nos últimos cinco anos. Não só pela ideologia, mas também porque o modelo de lucro da mídia brasileira era de receber vazamentos sem gastar nada, sem fazer investigação”, explicou. E ampliar a audiência com os “espetáculos“.
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Para o conluio formado entre procuradores da Lava Jato e Moro, a mídia atuou como pivô, a fim de implementar o projeto político almejado. Como revelado pela Vaza Jato hoje (29), membros do esquema, em diálogo vazado, apontavam o “controle da mídia de perto“, citando veículos como o Estadão – grande canal de distribuição de vazamentos seletivos ao longo dos últimos anos.
Também hoje, foi revelado pelo The Intercept Brasil, de Glenn, em parceria com a Folha de S.Paulo, que a Lava Jato protegeu o SBT, do Grupo Silvio Santos. A empresa foi citada em delação do operador financeiro Adir Assad, que afirmou ter lavado milhões de reais para o grupo, por meio de patrocínios esportivos. Isso não foi alvo da Lava Jato.
Mera coincidência, Silvio Santos é um bolsonarista desde o princípio. O dono do Baú nunca hesitou em falar abertamente, em horário nobre, sobre seu apoio ao presidente de extrema-direita e ao ministro Moro. O apresentador Ratinho já levou Moro para “entrevista” em seu programa de auditório. E também teria recebido uma pequena fortuna para fazer propaganda da “reforma”da Previdência, mesmo sendo um ricaço que nunca vai precisar de uma aposentadoria.
Agora, de acordo com o advogado carioca Eduardo Goldenberg, que vem antecipando matérias do The Intercept, a Globo deve ser alvo da Vaza Jato. “Hoje a #VazaJato mostra que a Operação Lava Jato não existe sem uma imprensa dócil, instrumento fundamental para seus discutíveis e condenáveis métodos. Hoje apareceu um diálogo com o Estadão. Imaginem o que não há com a Rede Globo! Se eu pudesse lhes adiantar tudo que eu sei…”, disse via Twitter.
Glenn disse ser “grande crítico” da imprensa comercial brasileira, mesmo atuando, muitas vezes, com parcerias. A própria criação do The Intercept Brasil teve relação com isso. “Em 2016, estava chocado. O comportamento da mídia foi severo como nunca na questão do impeachment da Dilma. Não tinha debate, dissidência, sobre essa questão tão importante para a democracia. Foi exatamente por isso que decidi criar o The Intercept Brasil, para fazer um jornalismo que achava estar faltando aqui.”
Setores da mídia mostraram a predileção por projetos políticos específicos, escolhendo quem atacar. A Justiça idem. Glenn lembrou de um capítulo da Vaza Jato aonde Moro protegeu o ex-presidente tucano Fernando Henrique Cardoso, por ser “um aliado importante”.
“Para mim, isso é um crime; escolher quem vai processar e quem vai ser protegido por ser aliado. Já provamos isso. Mostramos que eles tinham uma obsessão em condenar o Lula e, ao mesmo tempo, protegeram FHC.
Acusações contra o Instituto Lula – sobre recebimentos de doações de empresas e receitas com palestras – nunca foram feitas contra o Instituto FHC. Processaram Lula, protegeram FHC. “Tem muito mais para reportar sobre isso também”, revela o jornalista.
Diante do que já foi revelado, e de muito que ainda virá, Glenn acredita que a democracia brasileira foi fraudada, e que a legitimidade de Bolsonaro deve ser questionada. “É muito interessante, que estava lendo um jornal associado à direita condenando a Rússia, porque adversários do Putin poderiam ser proibidos de concorrer nas eleições. Isso mostra que Rússia não era uma democracia real, mas acontece aqui também”, disse.
A escolha do ex-presidente Lula como alvo e a proteção de adversários culminou na eleição do projeto mais antagonista possível, com Bolsonaro.
“Quando você tira um candidato que lidera todas as pesquisas, por grande margem, a questão precisa ser analisada se os motivos foram políticos. Se Lula for condenado em um processo justo, merece ser punido. Mas estamos mostrando que, sem dúvidas, o processo que condenou Lula não foi justo. Violou todas as regras fundamentais para termos um sistema justo.”