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Globo: 50 anos de manipulação na Vênus Platinada

Jornalistas contam como Globo foi do golpe à hegemonia conservadora

Publicado: 24 Abril, 2015 - 20h17 | Última modificação: 24 Abril, 2015 - 20h24

Escrito por: Luiz Carvalho e Vanessa Ramos

Divulgação
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Movimentos vão às ruas no domingo (26) denunciar o monopólio


No próximo domingo (26), a Rede Globo de Televisão, maior emissora do país, completará 50 anos de existência. Para os movimentos sociais que sairão às ruas Brasil afora, uma oportunidade ímpar de exercitar a reflexão sobre o papel que exerceu em meio século de vida.

Recentemente, a jornalista e professora do Departamento de Comunicação Social da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), Ângela Carrato, apresentou um quadro bastante didático com 10 fatos que marcaram a atuação de um grupo responsável por concentrar 60% do capital nos meios de comunicação no Brasil. Poderio só comparado ao da Televisa, no México, país que também sofre com a ausência de democracia no acesso e distribuição da informação.

Mas nada melhor do que a visão de quem já fez parte do jornalismo global. O jornalista Luiz Carlos Azenha trabalhou na Rede Globo, SBT, Manchete e atualmente está na Rede Record. Para ele, o já falecido dono da emissora, Roberto Marinho, não apenas fomentou o golpe militar de 1964, como se utilizou dele para fortalecer o monopólio.

Ditadura a serviço da Globo

“Por meio da Embratel, a ditadura criou com dinheiro público a rede física que interligou o território nacional e a Globo, gratuitamente, tirou proveito disso. A ditadura assentou a base material para o Jornal Nacional”, explicou.

Além disso, o Código Brasileiro de Telecomunicações, aponta, é uma “verdadeira selva” e a confusão burocrática faz com que não existam instrumentos modernos para monitorar e sancionar as concessões de rádio e TV, que são públicas.

Azenha relata, ainda, a experiência de quem viveu a cobertura de uma eleição. O jornalista que trabalhou na Globo em dois períodos distintos, nos anos 1980 e no final dos anos 1990, explica que havia muito mais liberdade quando a ditadura esfarelava.

“Foi neste segundo período, quando fiz minha primeira e única cobertura de uma campanha presidencial pela Globo, que notei a aplicação de dois pesos e duas medidas em algumas circunstâncias. Por exemplo, quando eu trabalhava na Globo de São Paulo alguns profissionais se revoltaram com o fato de que a emissora repercutia as capas da revista Veja com reportagens contrárias ao PT, mas não fazia o mesmo quando as denúncias eram contra o PSDB. Por isso, fui encarregado de fazer uma reportagem que de certa forma comprometia um político tucano. Apesar de aprovada pela chefia em São Paulo, ela nunca foi ao ar”, lembra.

Tentativa de manipulação

O cenário narrado por Azenha é confirmado pelo jornalista Rodrigo Vianna, que trabalhou durante 12 anos na emissora. Para ele, ao completar 50 anos, a chamada Vênus Platinada tenta reescrever a história.

“Acho esquizofrênico a Globo querer agora parecer vítima da ditadura até porque depois de defender a ditadura e crescer com o regime, há muito pouco tempo resolver pedir desculpas. As Organizações Globo não só ajudaram a dar o golpe de 1964, como se beneficiaram e consolidaram com ele”, salienta.

Vianna foi demitido da emissora em 2006, na cobertura das eleições, véspera do primeiro turno. Ele era repórter e cobria a editoria de política e não concordou com o posicionamento da Globo à época. “Eu vi de perto a tentativa de manipulação”.

Mais uma vez Ali Kamel

Processado em fevereiro deste ano pelo diretor de Jornalismo da Globo, Ali Kamel, o autor do blog “O Cafezinho”, Miguel do Rosário foi condenado pela justiça a pagar R$ 20 mil . “Fiz uma matéria que criticava a Globo, mas que ele distorceu o sentido em sua acusação para torná-la uma acusação pessoal”.

Rosário acredita que a falta de regulamentação do setor favorece o monopólio midiático. “Num regime capitalista liberal, onde não há regulação, prevalece o mais forte. E o mais forte, no caso, é a emissora que emergiu da ditadura como um monstro.”

Conservadorismo permanece

Apesar de iniciativas como a recente distribuição de um manual de conduta – não confundir com manual de redação – dentro da emissora com instruções como a proibição de usar o nome da Globo para obter vantagens ou a obrigação de ser imparcial, nem sempre as normas parecem prevalecer.

As últimas eleições comprovam isso. Segundo dados do Manchetômetro, portal ligado a pesquisadores da UERJ (Universidade do Rio de Janeiro), entre 1º de janeiro e 9 de agosto, o Jornal Nacional dedicou 1 hora e 22 minutos para dar notícias consideradas desfavoráveis à candidata Dilma Rousseff (PT), enquanto Aécio Neves teve 5,35 minutos de notícias negativas.

A extinção de um quadro minimamente diverso nas redações, a supremacia conservadora nas redações da Globo e a queda da credibilidade fez com que muitos profissionais de emissora passassem a precisar de apoio, com medo de agressões.

“Em reportagens nas comunidades e em atividades de rua costumam sempre ser acompanhados por seguranças”, ressaltou o secretário Geral da Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas), Guto Camargo.

Terceirização na mídia tradicional

Com 20 anos de jornalismo, outro profissional que prefere ter a identidade preservada conta que a terceirização é medida comum na contratação de pessoas que cobrem férias ou de novos trabalhadores em experiência.

Segundo ele, que atuou durante dois meses com a pauta e produção do Jornal Nacional nas férias de um dos profissionais, uma empresa chamada Number One é quem costuma intermediar o contrato com os trabalhadores no Rio de Janeiro e em São Paulo.

“Todas as empresas de jornalismo, exceção feita à Gazeta, atuam com outra que presta serviço no contrato temporário que, na verdade, é de pré-terceirização, porque entra com prazo de validade. Há, especialmente, cooperativas que trabalham com essas emissoras”, explica.

O jornalista lembra que, na Band News, onde também atuou, havia três modelos de contratação: o PJ com férias e 13º, o com férias e sem 13º e o último que não tinha nada disso. A empresa só mudou o modelo de contratação quando o Ministério do Trabalho interviu e fez com que os trabalhadores fossem recontratados.

“A CLT nunca foi modernizada e o problema é que os patrões da mídia enxergam a modernização como um termo para suprimir direitos. Querem propor uma agenda de tópicos com pontos que são bons para ele, mas isso não é modernização é precarização.”