Escrito por: Igor Carvalho
Rapper pede diálogo nas periferias sobre redução da maioridade penal "O que o Estado quer é construir mais cadeia, colocar nossa gente na cadeia. Temos que passar isso para o nosso povo"
Dos mais politizados rappers do Brasil, o brasiliense Genival Oliveira Gonçalves, conhecido como GOG, foi uma das atrações do evento organizado pela CUT no 1º de maio, Dia Internacional dos Trabalhadores. Em entrevista exclusiva, o músico comentou sobre o avanço da direita no país e alertou para o que chamou de "tentativa de revide". "Durante esses 12 anos, houve enfrentamento nessa relação, então a direita quer dar o troco e tomar a governança. A pior coisa que pode haver para o povo é que a direita tome conta, de novo, do poder e da governança."
Para o rapper, que foi cotado para assumir a Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), o governo não deveria negociar ações de reparação histórica com os negros. "O Estado joga para a sociedade uma discussão que nem deveria existir, como as cotas nas universidades. Isso não deve ser discutido, é nosso e ponto", afirmou.
Confira a entrevista na íntegra:
CUT: Como você tem visto o avanço da direita no Brasil?
GOG: É tão importante a gente ter um 1º de maio que se preocupa com essas discussões, né? A gente já vem discutindo esses problemas faz um tempo. Não vejo motivos, ainda, para desespero. Porém, temos que ficar atentos e colocando nosso time na rua, mas sem esse negócio de “vem pra rua”. Nós somos a rua. O que temos que fazer, na minha opinião, é potencializar nossa gente. É uma crise que estamos vivendo, devemos reajustar nosso relógio biológico da luta, estamos fora de sincronia com o que está acontecendo nas periferias. Se nós não assumirmos que o problema está em nós mesmos, aí vamos entregar tudo para essa direita, estamos errando demais. Vamos nos concentrar, gente. Os anos 80 foram fundamentais, de avanços sociais importantes, nasceu o PT, a CUT, mais tarde o MST. Nos anos 90, veio o troco, quando nasce outros movimentos e sindicatos pulverizando o debate. Porém, nos anos 90, a cultura de rua veio e disse que você pode ser o protagonista da sua história, que os livros que estão aí nas estantes não contam nossa história. Todas essas vitórias que nós tivemos, principalmente com o trabalho do Hip-Hop, a chegada de um trabalhador à governança. É bastante diferente governança e poder. O poder ainda está nas mãos da sinhá e dos senhores do engenho. Durante esses doze anos, houve enfrentamento nessa relação, então a direita quer dar o troco e tomar a governança. A pior coisa que pode haver para o povo é que a direita tome conta, de novo, do poder e da governança. Nesses doze anos, transformamos a comunidade carente em querente, ela está querendo mais e está faltando gente nossa lá nas comunidades, gente com interesse em saber o que a comunidade está querendo. O que a direita fez? Foi lá e perguntou o que eles querem. No país da bola, é olhando na bolinha do olho dos nossos que vamos resolver os problemas.
CUT: Nas periferias, a população, por vezes, se coloca favorável a pautas como a redução da maioridade penal, que caso aprovada, vai acabar prejudicando a própria periferia. Por que isso acontece?
GOG: Eu sou a favor da maturidade cultural, para que as pessoas possam ter mais informação e que o conhecimento chegue aos lares dos brasileiros e brasileiras da periferia. Quando isso não funciona, o efeito colateral é muito complicado. O povo da periferia vê a televisão, o Jornal Nacional, ele vê o Datena e a Sheherazade. Então, ao invés de ele se informar e formar uma opinião pública, ele tem uma opinião publicada. Como quebrar essa engrenagem? A gente tem que olhar na bolinha do olho do povo, sentar com ele e explicar que com a redução da maioridade penal, por exemplo, o que o Estado quer é construir mais cadeia, colocar nossa gente na cadeia, é mais dinheiro pra eles e para as empreiteiras. Então, para reverter isso, tem que passar isso para o nosso povo. Hoje, garantido, 70% ou 80% da nossa gente na periferia apoia a redução da maioridade penal. Temos que transformar o encontro cultural na cultura do encontro, é cadeira e troca de ideia.
CUT: Você talvez seja um dos rappers mais envolvidos com a política, chegou a ser cotado para assumir a Seppir, recentemente. O que pensa sobre a reforma política no país?
GOG: Mais do que uma Reforma Política, precisamos de uma reforma na política nacional. Temos que acabar com o financiamento privado. Mas, como você vai discutir Reforma Política em um Congresso como esse que aí está? Temos um Estado que prefere encarcerar negros e jovens do que ordenar que sua polícia pare de matar. A tríade do Congresso, o BBB, Boi, Bala e Blíblia, nos fere demais e o Estado tem baixado a cabeça pra essa tríade.
CUT: Como vê a luta racial no Brasil, hoje?
GOG: Eu vou falar da ótica de um homem negro. Minha grande descoberta nesse campo da negritude foi descobrir que nunca existiram escravos, mas sim escravizados. Essa relação prejudicou nossa raça, isso tem que ser restaurado. O Estado joga para a sociedade uma discussão que nem deveria existir, como as cotas nas universidades. Isso não deve ser discutido, é nosso e ponto, tem que ser política de Estado. Nessa hora, fico com a Sueli Carneiro, que costuma dizer: “entre a esquerda e a direita, eu sigo negro”.