Escrito por: CUT Nacional*
Secretário de Relações Internacionais da CUT, Antonio Lisboa avalia acontecimentos
Na noite do último 15 de julho o mundo foi surpreendido pela tentativa de golpe militar na Turquia, país que sofreu outros três golpes nos últimos sessenta anos (1961, 1972, 1981). Frustrada a aventura dos militares turcos, surpreendeu também a avaliação de setores da imprensa - e mesmo da esquerda - buscando "semelhanças" entre o golpe em curso no Brasil e a situação na Turquia. Mas a única semelhança é o fato de que, tanto a Presidenta Dilma Rousseff, quanto o Presidente turco Recep T. Erdogan foram eleitos.
O golpe no Brasil foi articulado pelos setores conservadores do parlamento, judiciário, MP, polícia Federal, contando com amplo apoio da grande imprensa e - a cada dia fica mais claro -, apoio irrestrito de potências estrangeiras. O objetivo é implantar a agenda de defesa dos interesses do grande capital internacional, derrotada nas últimas quatro eleições. Enquanto isso, na Turquia ainda não está totalmente claro quem patrocinou a aventura golpista que foi levada a cabo por setores do exército (fala-se que o golpe foi patrocinado pelo clérigo Fethullah Gülen, mas este nega e acusa o próprio governo de preparar um "teatro"). Porém, está claríssimo que a tentativa de golpe acabou por fortalecer ainda mais Erdogan e sua agenda ultraconservadora, do ponto de vista político, e neoliberal, do ponto de vista econômico.
Os perfis dos governos Dilma e Erdogan são completamente diferentes. Dilma sempre respeitou e dialogou com a oposição. Nos casos de denúncias de corrupção no Brasil, o governo jamais interferiu, censurou a imprensa ou tentou barrar as investigações. De seu lado, Erdogan, especialmente nos últimos anos, reprimiu duramente anos movimentos sociais, censurou a imprensa e cerrou qualquer diálogo com a oposição. Para se ter uma ideia, não reconheceu o acordo feito pelo seu próprio governo com o PKK (Partido dos Trabalhadores do Curdistão) em 2015 e intensificou uma guerra que já matou mais de 40 mil pessoas nos últimos 30 anos.
Enquanto no Brasil a imprensa não só é livre, como é patrocinadora do golpe, na Turquia os grandes meios de comunicação são totalmente submissos a Erdogan. Além disso, a censura à imprensa estrangeira é tão grande que levou o presidente dos EUA, Barack Obama, a criticar publicamente o controle sobre a imprensa, feito por seu aliado turco. A organização repórteres sem fronteiras, ao avaliar os índices sobre liberdade de imprensa, classificou a Turquia na posição número 149 entre 180 países pesquisados.
Ainda com relação ao papel da mídia, enquanto no Brasil a grande imprensa mobilizou a população em favor do golpe, na Turquia aconteceu exatamente o contrário. Controlada por Erdogan, a imprensa foi fundamental na mobilização da população. Foi pela televisão que Erdogan convocou a população para ir à rua contra o golpe.
Nos últimos três anos, a agenda política turca foi dominada pela proposta de mudanças na constituição aprovada em 1981, durante o último período militar. Para mudar a constituição, Erdogan apresentou uma proposta de regime presidencialista bastante "peculiar". Pela proposta, o presidente assume de fato os poderes executivo, legislativo e judiciário. Ou seja, pretendeu criar na Turquia uma espécie de absolutismo do século XXI.
Mesmo reconhecendo o caráter autoritário e repressor do governo, setores de esquerda turcos se posicionaram contra o golpe. O Presidente da Central Sindical DISK declarou: -" Erdogan é um ditador, mas nós somos contra o golpe porque ele foi eleito e somente com novas eleições é que ele pode ser tirado da presidência". Mas se no Brasil o retorno de Dilma ao governo representa o restabelecimento da democracia, a permanência de Erdogan na presidência turca, embora represente o respeito à soberania popular, não é a mesma coisa. O fato é que o golpe fracassado do último dia 15 caiu como uma luva na estratégia de Erdogan de aumentar o seu poder ditatorial. Ele mesmo declarou que o episódio foi "um presente do céu".
Menos de uma semana após a aventura, Erdogan, entre outras coisas, demitiu e perseguiu aproximadamente 35 mil servidores, 2.750 juízes, 30 governadores provinciais, fechou 24 órgãos de imprensa de oposição e fala em implantação da pena de morte. O que vem pela frente é mais repressão aos movimentos sociais, aos sindicatos, às minorias étnicas.
Portanto, é preciso entender que, se por um lado jamais podemos apoiar um golpe de estado, seja ele militar ou civil, tampouco podemos apoiar um governo que não respeita os direitos humanos fundamentais. Em outras palavras, a permanência de Erdogan no governo turco não tem nada a ver com a luta pela volta de Dilma ao governo brasileiro.
*Artigo escrito por Antonio Lisboa, secretário de Realções Internacionais CUT Brasil