Escrito por: Luiz Carvalho

Golpistas trocaram os canhões pela imprensa

Durante 12° CONCUT, Central lança relatório com casos não apurados de trabalhadores vítimas da ditadura e destaca que golpe ainda ronda país com apoio da velha mídia

Roberto Parizotti
Vagner e Solaney durante lançamento do relatório

Trabalhadores apresentam material produzido pela CUTPara Vannuchi, impunidade no passado resulta em chacinas do presente
Um dos temas do 12º Congresso Nacional da CUT (CONCUT), a democracia brasileira é fruto de uma árdua luta da sociedade, em especial, dos movimentos sociais. Se esse conceito é óbvio para muitos brasileiros, para outros é preciso relembrar que a ditadura foi sinônimo de repressão, tortura e corrupção a fim de alertar quem vai às ruas pedir intervenção militar.

Nesta quarta-feira (14), segundo dia de CONCUT e, coincidentemente, data em que morreu o coronel Brilhante Ustra, chefe do DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna – órgão de repressão do governo militar), os trabalhadores deram mais uma contribuição para a liberdade de expressão com o lançamento do Relatório da Comissão Nacional da Memória, Verdade e Justiça da CUT.

Resultado de três anos de pesquisa, o estudo cobra a apuração pela Comissão Nacional da Verdade (CNV) de ao menos 18 assassinatos de trabalhadores por conta de manifestações políticas e atividades sindicais. Com exceção dos garimpeiros massacrados por policiais em Serra Pelada (PA), em 1987, conflito que tem número impreciso de mortes (entre 2 e10), mas deixou 93 desaparecidos, os demais são todos de rurais.

Na apresentação do material, o presidente da CUT, Vagner Freitas, destacou a importância de o país acertar as contas com o passado para não repetir os mesmos erros, especialmente em períodos de propagação do ódio.

“Nunca um tema foi tão atual. Não é o mesmo golpe de 1964 e as armas nãos são as mesmas, não são mais os canhões, são as mentiras da imprensa. Combatemos o golpe de 1964 e impediremos novamente o golpe nas ruas”, disse.

Para aqueles que associam o governo militar com prosperidade, o dirigente comentou um levantamento do Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) para lembrar como o período provocou o maior arrocho salarial da história.

Chacinas são filhotes da ditadura

O evento foi particularmente especial para o ex-ministro de Direitos Humanos do governo Lula, Paulo Vannuchi. Torturado durante a ditadura por Brillhante Ustra, ele anunciou ao plenário a morte do coronel, mas pediu que o fato não fosse celebrado.

A razão era evitar que os delegados do 12º CONCUT respondessem no mesmo patamar a quem prega o ódio e lembrou da invasão ao velório do fundador do PT, José Eduardo Dutra, por pessoas com panfletos com os dizeres “petista bom é petista morto.”

Para Vannuchi, a ideia é evitar que Ustra seja martirizado e fazer com que o torturador continue sendo considerado culpado.

Também de olho no presente, o ex-ministro defendeu que chacinas como as de Salvador, Rio de Janeiro e Osasco são resultado da institucionalização da violência pelo Estado, que mira na juventude afro brasileira e naturaliza ações como a volta dos torturadores.

Para ele, quando a CUT se insere na defesa da apuração e condenação dos repressores, não se trata de um processo revanchista, mas de defesa da justiça.

“Com o relatório, a CUT sintoniza a compreensão de que a memória sobre a ditadura de 1964 se vincula a dois grandes traumas da fundação do país: o genocídio indígena e a escravidão. E especialmente esse último ponto interessa a CUT porque imprime a marca de que o trabalho não vale nada”, disse Vannuchi.

Também ele lembrou que a mídia hoje produz esquecimento sobre seu apoio ao golpe e à ditadura e cobrou que as escolas  tratem do tema com mais profundidade

“A Alemanha não esconde no banco escolar o que foi o nazismo e as crianças se orgulham de serem alemães sabendo que no país houve uma marca intolerável”, afirma Vanucchi. 

História a ser contada

Secretário de Políticas Sociais da CUT, pasta responsável por comandar o Relatório da Comissão Nacional da Memória, Verdade e Justiça da CUT, Expedito Solaney, fez um breve apanhado do processo de construção do grupo em defesa de uma história ainda a ser escrita.

Lembrou que a transição para uma democracia no país foi lenta, gradual e segura como queriam os militares, e somente 20 anos depois o Brasil, ao contrário de outros países da América Latina, resolveu constituir a Comissão Nacional da Verdade, já sob o governo Dilma Rousseff, para investigar os crimes de lesa-humanidade.

A CUT, por sua vez, tomou a iniciativa de criar uma comissão de acompanhamento sobre os impactos à classe trabalhadora e, posteriormente, criou a própria comissão com trabalhadores de todos o estados.

Para Solaney, o êxito desse trabalho depende do engajamento de todas as organizações sindicais que foram sufocadas pelos militares. 

“Espero que cada sindicato levante sua memória e história. É momento ainda de constituir comissões de memória, porque queremos escrever essa história com nossas próprias mãos”, definiu.

Cooperação internacional

Isso não exclui, porém, a atuação em conjunto com outras frentes. O porta-voz do conselho de trabalhadores da Volkswagen, Jörg Kother, disse que há dois anos a empresa ficou sabendo da relação que sua filial no Brasil manteve com a ditadura.

Mas somente nesta terça-feira (14), pela primeira vez, ele ouviu o depoimento de pessoas que trabalharam na companhia nessa época. Segundo ele, a Volkswagen reconhece a importância de esclarecer os fatos porque foi formada por pessoas que faziam trabalho forçado e por prisioneiros de guerra da ditadura nazista.

“Temos que apontar os responsáveis e trazer essas consequências para o presentes. Temos que aprender e ensinar nossos jovens. além de procurar caminhos para que isso seja ensinado. Uma coisa acredito que aprendemos hoje, a democracia e os direitos humanos precisam ser preservados em todos os lugares”, definiu.

Em entrevista, Kother afirmou que a empresa colocou um historiador à disposição dos trabalhadores e garantiu que, se a empresa não é a única acusada de colaborar com a ditadura, quer ser a primeira a ajudar a jogar luz sobre esse período sombrio do ponto de vista empresarial.

Cooperação internacional – Representante da maior central sindical dos EUA, a AFL-CIO, que apoiou a publicação, Jana Silverman  falou de uma espécie de responsabilidade moral dos movimentos progressistas em defender a democracia na América Latina, onde governos golpistas estadunidenses apoiaram o golpe direto ou indiretamente.

Citou a Operação Condor, que nos anos de 1970 e 1980 financiou ditaduras pelo continente e falou que o mesmo modelo intervencionista se propaga hoje por meio do apoio a guerras no Iraque, Afeganistão e a sustentação do golpe contra o atual governo.

“Por isso apoiamos o relatório da CUT. Porque para nossos mortos, não queremos nenhum minuto de silêncio e sim toda uma vida de luta. Viva a CUT e ditadura nunca mais!”