Governo Bolsonaro espiona Igreja Católica por causa da agenda de esquerda
Para Abin, a preocupação da Igreja Católica com a realidade de índios, ribeirinhos e povos amazônicos, além dos conflitos agrários que matam trabalhadores mostram que a pauta da CNBB é de “esquerda"
Publicado: 11 Fevereiro, 2019 - 12h40
Escrito por: Redação CUT
O governo de extrema direita de Jair Bolsonaro (PSL) recorreu a Agência Brasileira de Inteligência (Abin) para ‘conter o que considera um avanço da Igreja Católica na liderança da oposição’ à nova gestão. A afirmação foi publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo neste domingo (10).
Segundo a reportagem, o governo enxerga como "ameaça comunista" a atuação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e de órgãos católicos associados, como o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e as pastorais Carcerária e da Terra. “Na avaliação da equipe do presidente, a Igreja é uma tradicional aliada do PT e está se articulando para influenciar debates antes protagonizados pelo partido no interior do País e nas periferias”, afirma o jornal.
Os informes da Abin relatam recentes encontros de cardeais brasileiros com o papa Francisco, visto como comunista pelo governo, para discutir a realização do Sínodo sobre Amazônia, que reunirá em Roma, em outubro, bispos de todos os continentes. A pauta do encontro, em defesa da população mais vulnerável, é considerada pelos espiões como "agenda de esquerda". O encontro vai debater a realidade de índios, ribeirinhos e povos amazônicos, além de políticas de desenvolvimento da região, mudanças climáticas e conflitos agrários.
O ex-ministro Gilberto Carvalho, liderança do PT mais próxima da Igreja Católica, afirmou ao jornal que a decisão do governo de monitorar os bispos que vão participar do Sínodo da Amazônia, expõe o Brasil ao "ridículo internacional". Para Carvalho, é equivocado supor que a Igreja é um "braço do PT", como interpretam setores do governo. Ele diz: "como brasileiro, fico envergonhado."
Segundo o ex-ministro, "o Sínodo é uma iniciativa da Santa Sé que articula bispos de toda a Amazônia que vai muito além do Brasil. Tem o Peru, Colômbia, Venezuela, Equador".
Uma notícia dessas ridiculariza o Brasil, além de mostrar a pretensão de criar um estado policialesco. Ao mesmo tempo põe lenha na fogueira dessa guerra religiosa que eles tentam criar no Brasil. É perigoso separar católicos de evangélicos. Este governo tem um setor evangélico com muito peso e isso é ruim para a laicidade do estado, para a liberdade religiosa
Nas redes sociais os informes da Abin foram vistos com preocupação por jornalistas, políticos e brasileiros que defendem a democracia. O colunista da Revista Forum, George Marques, Especialista em comunicação pública/política, publicou um post no Twitter dizendo que o governo Bolsonaro demonstra ser perigoso para o rumo do Brasil. “Se faz isso com religiosos, é meio óbvio que já possuem um dossiê de todos os opositores. Brasileiros sob estado de espionagem”.
A deputada Maria do Rosário (PT-RS) também se pronunciou na rede social. Segundo ela, “os dissensos políticos, construídos com marcadores religiosos, agora produzem uma guerra suja contra cristãos de denominações variadas”.
Leonardo Sakamoto disse que “o que choca não é o fato do governo espionar setores progressistas da Igreja Católica, o que não é exatamente novidade, mas assumir isso abertamente como se fosse algo bonito de se dizer”.
Até jornalista da mídia conservadora expressou preocupação com a informação. Vera Magalhães, do Estadão, "considerou importante e preocupante a reportagem da Tânia Monteiro no @Estadao de hoje com o general Heleno admitindo que a Abin admitindo que monitora reuniões da Igreja Católica preparatórias para o Sínodo da Amazônia. Oi?!”, postou ela no Twitter.
A reportagem traz declarações do general Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), afirmando que o governo "está preocupado" com a os preparativos para o Sínodo sobre Amazônia. "Queremos neutralizar isso aí", declarou o responsável pela contraofensiva.
Um militar da equipe de Bolsonaro afirmou à reportagem do Estado, em condição de anonimato, que o Sínodo vai contra toda a política de Bolsonaro para a região e deverá "recrudescer o discurso ideológico da esquerda".
O Sínodo, batizado de "Amazônia: novos caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral", terá como diretrizes: "Ver" o clamor dos povos amazônicos; "Discernir" o Evangelho na floresta. O grito dos índios é semelhante ao grito do povo de Deus no Egito; e "Agir" para a defesa de uma Igreja com "rosto amazônico", e deverá ser atendido por 250 bispos.
"Se os bispos fazem crítica é querendo ajudar, não derrubar. Eles sabem onde o sapato aperta. Vão falar da situação dos povos e do bioma ameaçado. Mas não para atacar frontalmente o governo", rebateu D. Erwin Kräutler, Bispo Emérito do Xingu (PA).
"O trabalho do governo de neutralizar impactos do encontro vai apenas fortalecer a soberania brasileira e impedir que interesses estranhos acabem prevalecendo na Amazônia. A questão vai ser objeto de estudo cuidadoso pelo GSI. Vamos entrar a fundo nisso", declarou Heleno.
Para tentar conter as possíveis denúncias da Igreja, escritórios da Abin em Manaus (AM), Belém e Marabá (PA), além de Boa Vista (RR), responsável pelo monitoramento de estrangeiros em Raposa Terra do Sol e terras ianomâmi, serão direcionados para monitorar, em paróquias e dioceses, as reuniões preparatórias para o Sínodo.
O governo solicitou também participar do Sínodo, mas lideranças católicas dizem que governos não costumam participar dessas conferências, que terão a participação do Papa Francisco