Escrito por: Redação CUT

Governo Bolsonaro ignorou 21 ofícios com pedidos de socorro dos yanomami

Ida de Lula a Roraima escancara descaso do governo Bolsonaro com os yanomani. A trágica situação havia sido denunciada mais de uma vez por ativistas e lideranças indígenas às autoridades bolsonaristas

Condisi-YY/Divulgação

É desumana a situação dos indígenas da etnia Yanomani na zona rural de Boa Vista (RR), constatou o presidente Lula (PT) após verificar pessoalmente, no sábado (21) as denúncias sobre desnutrição e contaminações graves que já haviam sido denunciadas mais de uma vez por ativistas e lideranças indígenas ao governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), que não tomou nenhuma providência. 

“É desumano o que eu vi aqui”, disse Lula, que responsabilizou diretamente o ex-presidente pela tragédia humanitária.

O governo Bolsonaro ignorou ao menos 21 pedidos formais de ajuda aos Yanomami, segundo levantamento do The Intercept Brasil, de agosto do ano passado, que tomou como base ofícios encaminhados por uma associação indígena a diversos órgãos, denunciando invasões de garimpeiros ao território indígena. Nas peças encaminhadas à Funai, Ministério Público e Exército, a Hutukara Associação Yanomami já alertava que os conflitos poderiam “atingir a proporção de genocídio”, diz a reportagem publicada em agosto de 2022. 

Governo Lula decreta emergência

O Ministério da Saúde decretou estado de emergência para “planejar, organizar, coordenar e controlar as medidas a serem empregadas” para reverter as consequências da falta de assistência sanitária que atinge a população Yanomami. A portaria foi publicada em edição extra do Diário Oficial da União (DOU), na noite de ontem (20).

A partir desta segunda-feira (23), servidores do Sistema Único de Saúde (SUS) estarão na Terra Índigena Yanomami para iniciar a força-tarefa de atendimento à população, segundo a ministra da Saúde, Nísia Trindade.

Infelizmente, não será possível salvar as crianças e adultos que já estão em estado extremamente grave, como é o caso de uma mulher Yanomami fotografada em estado grave de desnutrição que morreu neste domingo (22).

Medidas anunciadas

Após a visita a Casa de Saúde Indígena (Casai) Yanomami, na capital de Roraima, Lula prometeu levar transporte e atendimento médico à população e também disse que vai acabar com o garimpo ilegal na região.

Em breve pronunciamento púbico, o presidente anunciou algumas medidas para ajudar a população da região, como instalar plantões médicos emergenciais nas aldeias, “para que a gente possa cuidar deles lá”.

Genocídio

Em 2022, foram registradas 99 mortes de crianças Yanomami por desnutrição severa. “Se em vez de fazer motociata, ele tivesse vergonha e viesse aqui pelo menos uma vez, quem sabe esse povo não estivesse tão abandonado como está”, disse Lula se referindo as prioridades de Bolsonaro.

O presidente também disse que “vai levar muito a sério a questão de acabar com o garimpo ilegal”. Sem dar detalhes nem prazo, afirmou reconhecer os obstáculos para combater a atividade, que foi amplamente estimulada pelo governo Bolsonaro. “Eu sei da dificuldade de se tirar o garimpo ilegal. Já se tentou outras vezes, mas eles voltam.

Estiveram com Lula e a primeira dama, Janja da Silva, em Roraima, os ministro e ministras 
Wellington Dias (Desenvolvimento Social), Nísia Trindade (Saúde), Sônia Guajajara (Povos Indígenas), Flávio Dino (Justiça), José Múcio (Defesa), Silvio Almeida (Direitos Humanos), Márcio Macêdo (Secretaria-Geral), General Gonçalves Dias (Gabinete de Segurança Institucional), além de Joênia Wapichana (presidenta da Funai), Marcelo Kanitz Damasceno (comandante da Aeronáutica), Antonio Denarium (PP, governador de Roraima),
Weibe Tapeba, secretário de Saúde Indígena do Ministério da Saúde. 

Denúncias sobre a tragédia foram ignoradas

No dia 19 de abril do ano passado, Dia dos Povos Indígenas, o então ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, recebeu carta de lideranças, representantes de 342 comunidades, pedindo providências urgentes em Roraima.

“Vivemos um completo descaso com a assistência em saúde às comunidades indígenas, falta de combustível e transporte que está prejudicando seriamente as ações de saúde na área”, dizia o texto.

“Reforçamos que a corte de verbas destinadas à saúde indígena pela metade, configura, junto às outras medidas, um verdadeiro projeto de genocídio dos povos indígenas.”

O documento cita, por exemplo, a não execução – por “falta de capacidade técnica e compromisso – de emenda de mais de R$ 3 milhões da então deputada Joenia Wapichana, agora presidenta da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). Os recursos eram destinados ao Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Leste, em Roraima.

Ainda na carta, as lideranças indígenas apontam “corte de recursos e a militarização” dos Dseis e da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai).

Há um trecho explícito sobre a situação agora conhecida nacionalmente.

“Denunciamos, especialmente, o absoluto colapso da saúde indígena dos povos Yanomami e Yekawana que vivem um cenário de guerra, com morte de crianças de desnutrição e de malária, a desassistência para remoção e resgate de indígenas, a redução à metade das horas de voo necessárias para atender as comunidades, a falta de coordenação entre os entes federados para o devido atendimento e proteção da saúde indígena, o desvio de verbas destinadas à saúde indígena Yanomami.”

As lideranças ressaltavam ainda que a atenção diferenciada à saúde dos povos indígenas é direito conquistado na Constituição de 1988. E regulamentado pela Lei 9.836, de 1999 (“Lei Arouca”). Já a Sesai foi criada em 2010, no segundo governo Lula.

Leia aqui a íntegra da carta entregue ao Ministério da Saúde.

Crimes sexuais

Também em abril de 2022, o Conselho Nacional de Saúde (CNS) havia alertado para a gravidade da situação em Roraima. Repudiava, especificamente, crimes sexuais e feminicídio de jovens dos povos Yanomami e Kaingang. E apontava a ação de garimpeiros e madeireiros na comunidade Aracaçá da região de Waikás, naquele estado.

No final do manifesto, o CSN exigia ações do Estado brasileiro. No sentido de cumprir convenções internacionais e a própria Constituição “na proteção da vida das mulheres contra a violação dos seus direitos humanos, a implementação de políticas públicas capazes de atender aos Povos Indígenas, respeitando suas especificidades e territorialidade”.