SP: Covas contrata terceirizados com salários até 13 vezes maior que de servidor
Mesmo avisado pela Controladoria do Município e com inquérito do MP sobre esse tipo de contratação, governo Bruno Covas segue terceirizando serviços
Publicado: 11 Novembro, 2020 - 09h18 | Última modificação: 11 Novembro, 2020 - 09h44
Escrito por: Rodrigo Gomes, da RBA
O governo do prefeito da capital paulista e candidato à reeleição, Bruno Covas (PSDB), contrata serviços de empresas terceirizadas pagando salários até 13 vezes maiores do que o que seria pago a servidores públicos concursados na mesma função. Documentos de prestação de contas de empresas terceirizadas que realizam o Trabalho Social para a Secretaria Municipal de Habitação (Sehab), obtidos pela RBA, mostram que coordenadores gerais receberam até R$ 68,8 mil por mês. Um servidor público, na mesma função, cargo de Coordenador V, receberia cerca de R$ 5 mil, segundo documentos da Controladoria Geral do Município (CGM). O próprio órgão já alertou o governo Bruno Covas sobre isso.
É o caso da contratação da Companhia Brasileira de Projetos e Empreendimentos (Cobrape) pela Sehab. Com um valor por hora de R$ 409,74, o coordenador-geral de Trabalho Social da empresa recebeu R$ 68,8 mil, em setembro deste ano, por uma carga horária de aproximadamente oito horas diárias. Em outros cargos a situação não é diferente. Os cinco consultores receberam aproximadamente R$ 25 mil cada um, sendo que servidores públicos na mesma função – cargo de assessor especial I – receberiam R$ 4.557. Os ganhos mensais de um consultor terceirizado pelo governo Bruno Covas pagariam o salário de cinco servidores públicos concursados na mesma função.
Os três supervisores de trabalho social receberam cerca de R$ 30,7 mil em setembro, no contrato da Cobrape com a Sehab. Na função correspondente, Analista de Assistência e Desenvolvimento Social Nível IV, o salário é menos da metade: R$ 14.299. Mesmo nos cargos sem especialização, como auxiliares administrativos, os valores pagos nos contratos são muito superiores aos pagos no serviço público. Nesta função, a Cobrape paga aproximadamente R$ 6.042 aos seus seis auxiliares. Se fossem servidores, o salário seria pouco mais da metade: R$ 3.485.
Justificativa do governo Bruno Covas
A situação não é diferente na empresa Diagonal Empreendimentos e Gestão de Negócios, que também é contratada pela Sehab para realização do Trabalho Social. A coordenadora-geral recebeu R$ 58,4 mil em setembro. E no acumulado desde outubro de 2019, quando o contrato foi assinado, já foram R$ 664 mil. Já os consultores receberam, em setembro, cerca de R$ 24 mil. E, em 12 meses, receberam juntos cerca de R$ 327 mil.
O governo Bruno Covas justificou as contratações à Controladoria Geral do Município por não ter profissionais suficientes na Sehab. O Trabalho Social compreende a instalação de ponto de plantão social, mobilização das famílias afetadas por obras, informação das famílias sobre o andamento das obras, implementação do plano de reassentamento e medidas compensatórias, monitoramento das famílias em auxílio aluguel e implementação da gestão condominial.
No entanto, o governo Covas se nega a acatar uma recomendação da CGM que para realização de concurso público, conforme a Nota Técnica 013/2019/CGM-AUDI. Na mesma recomendação a controladoria demonstrou que as remunerações pagas aos trabalhadores terceirizados são muito superiores ao que seria pago a servidores concursados. Em contratos anteriores analisados pela CGM – estabelecidos emergencialmente –, a estimativa era de um gasto de R$ 50 milhões a mais em cinco anos. O valor seria suficiente para construir milhares de moradias.
Cobrape e Diagonal não são novas na relação com o poder público. E a suspeita de irregularidades sobre as contratações também não. Vencedoras de licitações para realizar o Trabalho Social da Sehab desde 2012, as empresas e o governo Covas entraram no foco da CGM e do Ministério Público (MP) no ano passado, por conta da renovação emergencial dos contratos ocorrida em 2018, já com Covas no cargo de prefeito.
Três renovações emergenciais
Foram três renovações emergenciais dos contratos da Cobrape, num montante de R$ 36,5 milhões. E outras três renovações de contratos da Diagonal, no total de R$ 33,7 milhões. O governo Covas alegou que não podia deixar a área de Trabalho Social sem as contratações, porque o serviço não pode ser interrompido. No entanto, não explicou porque não licitou o serviço antes, já que o contrato tinha vencimento do último aditamento previsto para 2017.
Nos contratos iniciais, a prefeitura gastava cerca de R$ 1,1 milhão por mês com os serviços. Mas, nas contratações emergenciais, os valores chegaram a quase R$ 2 milhões por mês. Ou seja, a gestão tucana cometeu um erro que consumiu milhões de Reais.
Para a CGM, está evidente que o governo Bruno Covas agiu de forma irregular e pediu punição. “Conclui-se que houve irregularidade no uso da dispensa de licitação via contratação emergencial das empresas analisadas nesta auditoria, pois a situação emergencial se concretizou pela inércia do gestor na realização de nova licitação para as contratações objeto deste trabalho. Assim, também, deve ser analisada a conduta do gestor público que não adotou tempestivamente as providências, para fins de responsabilização”, diz o documento da CGM.
A controladoria também apontou que, sendo um trabalho essencial da Sehab, o Trabalho Social não poderia ser objeto de licitação, mas sim serviço realizado por servidores concursados. E recomendou a realização de concurso público, por entender que o Trabalho Social é atividade fim da Sehab e não pode ser licitado.
MP investiga governo Bruno Covas
“Observou-se que há uma possível terceirização de atribuições da secretaria, bem como uma possível delegação indevida de atividades estratégica e de fiscalização da unidade. Irregularidades que podem ser sanadas com a formação de um corpo técnico efetivo da secretaria, pois a demanda dos serviços técnicos objeto desta auditoria são evidentemente necessários de forma contínua para realização das atividades da Sehab em atendimento ao público.”
O Ministério Público também investiga o caso por meio do Inquérito Civil 1137/2020, da 7ª Promotoria de Justiça do Patrimônio Público. Em ofício à Sehab, de setembro deste ano, o MP informa que apura burla à contratação de servidores por meio de concurso público e às recomendações da CGM, bem como se houve instauração de processo administrativo para determinar as responsabilidades de agentes públicos. No entanto, a RBA não teve retorno do MP para saber o andamento do inquérito até o fechamento desta reportagem.
Após pressão das investigações da CGM e do MP, a prefeitura licitou a área de Trabalho Social em 2019. E entre os vencedores estavam as mesmas empresas Diagonal e Cobrape, que já vinham atuando na área. Considerando o ano encerrado de 2019 e o período até outubro de 2021, a Cobrape vai receber 46,9 milhões. Pelo mesmo período, a Diagonal vai receber R$ 42,3 milhões.
Mas não foi só no Trabalho Social da Sehab que a controladoria encontrou irregularidades e desperdício de dinheiro público. O relatório da auditoria 088/2017/CGM-AUDI, repassado à administração municipal no ano passado, demonstrou o quanto é desvantajosa a contratação de empresas terceirizadas para fornecer mão de obra de engenheiros à Sehab. Da análise de apenas três contratos, com seus respectivos aditamentos, que somam R$ 170 milhões em 6 anos, a CGM constatou que seria possível contratar 1.233 engenheiros por meio de concurso público no mesmo período.