Escrito por: Cristiane Sampaio, Brasil de Fato | Brasília (DF)
Além de afetar orçamento, MP corta remuneração e direitos dos trabalhadores. "Ônus fiscal desnecessário", diz economista
A Medida Provisória 905, conhecida como “MP do Contrato Verde e Amarelo”, deverá impor ao país uma renúncia fiscal de cerca de R$ 10,6 bilhões ao longo de cinco anos. O dado é um dos destaques de uma nota técnica divulgada nesta segunda-feira (2) pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese). O estudo se baseia em cálculos feitos pela Secretaria da Receita Federal e outros órgãos.
De acordo com o economista do Dieese Clóvis Scherer, autor da análise, cada “emprego verde e amarelo” representa R$ 1.630,76 a menos de arrecadação por mês ao Estado, quase R$ 20 mil por ano.
O Dieese ressalta que a maior parte do decréscimo, o equivalente a R$ 9,7 bilhões, irá impactar diretamente o orçamento da União, incluindo, por exemplo, Previdência pública e salário-educação. Também seria afetado o Sistema S (Sesi, Senai, Sesc, Senac, Senar, Senat, Sescoop e Sebrae), que teria uma perda orçamentária de R$ 866 milhões, por conta dos benefícios fiscais concedidos pelo governo Bolsonaro a empresários que aderirem à modalidade em suas companhias.
Considerada uma das medidas mais polêmicas do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), a MP recebeu cerca de 1.930 emendas (sugestões de alteração) por parte de deputados e senadores e deve ser votada pela primeira vez na próxima quarta-feira (4), na comissão mista que avalia a pauta no Congresso Nacional.
A modalidade do “contrato de trabalho verde e amarelo” prevista na MP 905 é destinada a contratos fixados por tempo determinado e voltados à contratação de jovens com idade entre 18 e 29 anos, seja para atividades permanentes ou temporárias. Pelas regras, o salário não pode ser maior que um salário mínimo e meio, o que corresponde a R$ 1.567,50, pelos valores atuais.
Entre outras coisas, a MP desonera o empregador da contribuição para o Regime Geral de Previdência Social (RGPS), do salário-educação e das contribuições para o Sistema S e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
A medida também reduz o depósito do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) de 8% para 2% e a multa rescisória sobre o saldo dos depósitos no FGTS, que cai de 40% para 20%. Por esse motivo, a MP vem sendo apelidada de “bolsa-patrão”.
"Cara e ineficiente"
A norma entrou em vigor na primeira quinzena de novembro do ano passado. Dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostram que, em 2019, o saldo entre contratações e desligamentos de contratos celetistas foi de 644 mil postos de trabalho porque as admissões de trabalhadores jovens se deram em número maior que as demissões. Ao todo, o Caged registrou a geração de cerca de 1 milhão de empregos celetistas entre jovens de 18 a 29 anos.
O Dieese destaca que, apesar de haver, no país, um elevado número de jovens desocupados e, portanto, disponíveis para atuarem no mercado, os dados do Caged sugerem que não tem havido “problemas com a demanda por esse tipo de trabalhador”, o que contrapõe, em certa medida, a justificativa utilizada pelo governo para criar a nova modalidade.
“O que sustentou o emprego formal foi justamente a demanda por trabalhadores jovens. Enquanto isso, os trabalhadores adultos perderam postos de trabalho”, aponta a nota técnica, acrescentando que as contratações celetistas em primeiro emprego representaram 85% do total registrado pelo Caged.
O Dieese analisa que tais jovens seriam contratados ainda que não houvesse incentivo aos empresários. Como a MP desonera a folha, Clóvis Scherer aponta que a medida impõe ao Estado um ônus fiscal desnecessário. Para o economista, a política é “cara e ineficiente” porque as projeções mostram que, em cinco anos, serão gerados apenas 256 mil empregos adicionais por parte do programa. O número é da Secretaria de Política Econômica (SPE) do Ministério da Economia.
O economista afirma que essa é uma “parcela diminuta em relação ao total de empregos gerados no país para essa faixa etária”.
“Muitos empregos que já seriam gerados de qualquer maneira vão ser desonerados, de forma que, de cada 100 empregos que vão utilizar a modalidade da carteira verde e amarela, 85 não serão gerados especificamente pelo programa, e sim apenas 15. Veja que o custo fiscal é muito elevado”, sublinha Scherer.
Salários
A análise projeta ainda que a MP tende a provocar um rebaixamento dos salários. Isso porque as novas regras preveem que, além da desoneração, o empregador pode, por exemplo, diluir no pagamento mensal o 13º salário e a gratificação de férias de um terço.
“É uma jogada que, claro, nesta situação que temos no mercado de trabalho, tende a se consagrar como uma redução do patamar salarial. Estamos com um mercado que favorece claramente quem contrata hoje. Dada a falta de emprego, quem oferece um emprego está numa posição bem vantajosa pra negociar com quem está procurando uma colocação”, afirma Scherer.
Como as medidas provisórias têm vigência imediata, a situação descrita pelo Dieese já é vivida por alguns trabalhadores, como é o caso da vendedora Adriana Freitas, de 22 anos. Formada há um ano em Direito, ela não conseguiu uma colocação em sua área de trabalho e resolveu partir para a busca de possibilidades de emprego em outros segmentos. Depois de 13 meses de procura, conseguiu vaga em uma companhia de serviços de estética, mas dentro das regras já fixadas pela MP.
“Eles me ofereceram um salário de R$ 1.300, mas aí falaram que isso já inclui a parcela do 13º. Não vou dizer pra você que estou exatamente infeliz, afinal, eu estava parada há um tempo e isso é um problema muito grande pra qualquer pessoa, mas é claro que um emprego desses não é o que os jovens buscam para si. Fiz um investimento de quatro anos num curso de graduação particular e veja onde estou agora”, lamenta Adriana.
Direitos trabalhistas
Scherer destaca ainda que a MP não só prejudica a arrecadação e promove a perda de remuneração como afeta outros direitos trabalhistas. Um deles diz respeito ao adicional de periculosidade, pago a pessoas cuja atividade impõe risco de vida.
Pelo texto proposto, o percentual pago passaria de 30% para 5%, caso seja feito acordo individual que possibilite a substituição deste por um seguro a ser contratado junto a uma companhia de seguros privada. No caso, o adicional passa a ser exigido somente se houver exposição a esse tipo de risco em 50% da duração da jornada do trabalhador. Na prática, a mudança pode trazer diminuição dos custos com redução da cobertura.
O economista do Dieese chama atenção ainda para outro aspecto relacionado a isso: o programa criado pelo governo favorece a contratação de jovens de primeiro emprego para ocuparem postos de trabalho que envolvam periculosidade.
“Acho extremamente problemático pessoas que estão no seu primeiro emprego terem que desempenhar atividade com esse tipo de risco, inclusive com subsídio. Acho que a gente deveria discutir se isso é uma atitude responsável por parte de quem está fazendo uma política pública. E, se um jovem tem um acidente, por exemplo, isso vira um custo pra sociedade pelo resto da vida dele. Acho que a sociedade brasileira precisaria pensar melhor nisso”, defende Clóvis Scherer.