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Governo quer acabar com política de cotas para trabalhadores com deficiência

“Ao invés de estimular as empresas a promover a acessibilidade e inclusão valorizando os talentos e capacidades, o projeto reforça o capacitismo, o assistencialismo e a exclusão”, afirma Jandyra Uehara

Publicado: 03 Dezembro, 2019 - 18h10 | Última modificação: 03 Dezembro, 2019 - 18h29

Escrito por: Érica Aragão

Arte: Edson Rimonatto (Rima)
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Nesta terça-feira (3), Dia Internacional da Pessoa com Deficiência, o Congresso Nacional está tomado por sindicalistas da CUT e demais centrais sindicais, trabalhadores e trabalhadoras com deficiência e representantes de movimentos sociais. Mas não é para comemorar, pelo contrário, é para defender o direito a uma vaga no mercado de trabalho ameaçado pelo Projeto de Lei (PL) nº 6.195/2019, enviado pelo governo de Jair Bolsonaro, que praticamente acaba com a Lei de Cotas para pessoas com deficiência ou reabilitadas.

Com a pressão, inclusive da sociedade em geral e partidos de direita, eles e elas já conseguiram derrubar a medida de urgência do PL, mas o objetivo da mobilização é barrar de vez a proposta e exigir que os parlamentares a devolvam para Bolsonaro e para o ministro da Economia, Paulo Guedes.

Se aprovado, o PL vai “exterminar os trabalhadores e as trabalhadoras com deficiência do mundo do trabalho”, afirma o representante do Coletivo Nacional de Trabalhadores e Trabalhadoras com Deficiência da CUT, José Roberto Santana da Silva, um dos que estão lutando contra a proposta no Congresso.

“A gente está aqui para dialogar e debater com os parlamentares a importância de enterrar este PL, que é o fim do mundo para nós, que já somos marginalizados e excluídos”, ressaltou.  

“Eles tentaram tirar nossos direitos com a reforma da Previdência e não conseguiram. Agora, enviaram esta proposta que é pior ainda. Nem fazendo emendas conseguiríamos melhorar o PL. A gente quer articular junto com os parlamentares e as parlamentares, que também são contra esta aberração, para barrar de vez esta proposta”, disse José.

Sobre o PL

O Projeto de Lei (PL) nº 6.195/2019, além de desobrigar a empresa a contratar uma porcentagem de trabalhadores e trabalhadoras com deficiência de acordo com o número total de funcionários em troca do pagamento de dois salários mínimos à União, prevê também que a contratação de trabalhador ou trabalhadora com deficiência grave vale por duas cotas. A proposta não  esclarece o que de fato é grave.

O projeto prevê ainda a retirada do Beneficio de Contratação Continuada (PBC) de pessoas com deficiência desempregadas que tenham condições de trabalhar, segundo avaliação da perícia médica. Essas pessoas serão encaminhadas para filas de espera de contratação, sem receber nada enquanto a vaga não aparece.

A proposta de Bolsonaro também isenta as empresas de contratarem pessoas com deficiência se comprovar que o serviço é insalubre. E também permite a cota compartilhada entre empresas, ou seja se uma empresa aliada contratar cinco, a outra não precisa contratar. Isso vale, inclusive, para terceirizadas contratadas pelas empresas principais.

“Se uma empresa contratou cinco trabalhadores ou trabalhadoras com deficiência outra não vai precisar contratar porque já está contemplando a cota, e se uma terceirizada já tiver contratado pessoas com deficiência, a empresa, que não tem vínculo nenhum com estes trabalhadores, também não vai precisar admitir”, explicou José. 

A advogada da Sonia Recchia - Sociedade de Advogadas, Maíra Calidone Recchia  bayod, disse que não este PL não é só cruel, é perverso. Segundo ela, é lógico que os empresários vão preferir pagar os dois salários mínimos ao invés de contratar pessoas em condições especiais, que tem que fazer treinamento e muitas vezes precisam se afastar do trabalho.

“É mais uma lei para beneficiar os empresários a preço de uma população que vai ficar ainda mais marginalizada e sem direitos mínimos, como o do trabalho, para agradar o sistema financeiro. Além de não contratar mais, os que estão empregados podem ser trocados facilmente”, destacou a advogada.

Para a secretária de Políticas Sociais e Direitos Humanos da CUT, Jandyra Uehara, o PL 1.659/19 é o cúmulo da perversidade contra a classe trabalhadora, pois, na prática, estimula o desemprego entre pessoas com deficiência na medida em que praticamente acaba com a política de cotas. 

“Ao invés de estimular as empresas a promover a acessibilidade e inclusão valorizando os talentos e capacidades dos trabalhadores e trabalhadoras com deficiência, o projeto reforça o capacitismo, o assistencialismo e a exclusão”, afirma a dirigente.

Jandyra também lembrou que, além deste PL, o governo propôs a redução de 63% no orçamento de 2020 destinado à fiscalização das obrigações trabalhistas. “O governo quer simplesmente acabar com estas obrigações e piorar ainda mais a vida destes trabalhadores e trabalhadoras”.

“O emprego formal dos trabalhadores e das trabalhadoras com deficiência somam apenas 486.756 de um total de 46,63 milhões de trabalhadores e trabalhadoras formais, a consequência da aprovação deste projeto seria recuar novamente para níveis muito inferiores a 1% de pessoas com deficiência no mercado de trabalho formal, mesmo que represente 23,9% da população brasileira, segundo o Censo 2010”, explicou a secretária.

Além disso, Jandyra também destaca que a proposta viola a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificado pelo Brasil por meio do decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009.

“A proposição deste PL é mais uma evidência de que o empresariado não tem limites quando se trata de garantir seus lucros e de que o governo federal é inteiramente submisso a seus interesses. A CUT está mobilizada para barrar esta atrocidade”, finalizou Jandyra.

Nesta semana, a CUT também soltou uma nota repudiando a medida e dizendo se o PL for mesmo seguir para tramitação que “reivindica aos parlamentares o voto contrário a tais medidas de destruição de direitos; e conclama toda a sociedade a resistir ativamente a mais este conjunto de retrocessos e derrotar o governo Bolsonaro”, diz trecho do documento.

Com a Lei de Cotas

Hoje, com a Lei de Cotas (nº 8.213/1991) em vigor, de acordo com o número de funcionários, a empresa é obrigada a contratar uma porcentagem de trabalhadores ou trabalhadoras com deficiência, incluindo cidadãos com deficiências físicas, intelectuais, auditivas e visuais na lista de pessoas que trabalham, ganham salário, sustentam suas famílias, consomem produtos, contratam serviços e, por causa de tudo isso, movimentam a economia e não ficam na marginalidade.

E os números mostram que a Lei de Cotas ajudou a ampliar a inclusão dos trabalhadores. De acordo com a pesquisa da Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH) Nacional, Isocial e Catho, 81% dos recrutadores contratam pessoas com deficiência só “para cumprir a lei”.

Anúncio do governo

Nesta terça o Ministério da Saúde anunciou R$ 70 milhões em projetos para pessoas com deficiência e que de acordo com o governo milhares de pessoas serão beneficiadas.

Para o representante do Coletivo Nacional de Trabalhadores e Trabalhadoras com Deficiência da CUT, José Roberto Santana da Silva, o governo está tentando amenizar o PL com esta medida.

“É só um cala boca para o barulho que está sendo feito contra o PL e nós não vamos ficar quietos. Só estaremos tranquilos quando os direitos dos trabalhadores e das trabalhadoras com deficiência forem mantidos e melhorados. Não aceitaremos retrocessos”, finalizou José. 

Tramitação

Como não está mais como medida de urgência, será criado uma comissão especial para discutir o PL 6159 por decisão do presidente da Câmara, Rodrigo Maia. Será preciso eleger um relator, a composição da comissão e definir o calendário de tramitação. Segundo o DIAP, o projeto pode ficar para o ano que vem.