Escrito por: Rosely Rocha
Entregadores lutam por reajustes e melhores condições de trabalho. Para pesquisadora da Unicamp, reforma Trabalhista, crise econômica e pandemia são as responsáveis pela exploração das empresas
Os entregadores que trabalham para aplicativos da capital paulista, como iFood, Loggi e Rappi, realizam manifestação nesta sexta-feira (16) para protestar contra as condições de trabalho e renda. É a quarta paralisação desses trabalhadores em menos de um ano em busca de melhores condições de trabalho, reajustes na taxa mínima de corrida e o pagamento padronizado por quilometragem, para fazer frente ao aumento dos combustíveis e da inflação. Desde o primeiro breque dos APPs, como ficou conhecida a greve da categoria em julho do ano passado, nada mudou.
A grande maioria continua trabalhando sete dias da semana e boa parte mais do que 11 horas diárias e tirando muito pouco no final do mês. A pesquisa “Condições de trabalho de entregadores via plataforma digital durante a COVID-19”, da Universidade de Campinas (Unicamp), trouxe dados alarmantes sobre a exploração a que esses trabalhadores são submetidos, avalia a professora Paula Freitas, que atou como pesquisadora do Grupo de Trabalho Digital da Rede de Estudos e Monitoramento Interdisciplinar da Reforma Trabalhista (GTTD/REMIR).
Antes da pandemia do novo coronavírus (Covid-19), 38,2% trabalhavam até oito horas por dia; 54,1% trabalhavam entre nove e 14 horas ; e 7,8% trabalhavam mais que 15 horas diárias.
Durante a pandemia, o número de entregadores trabalhando mais horas aumentou. 43,3% relataram trabalhar até oito horas por dia; e 56,7% mais de nove horas diárias. A distribuição foi de 18,5% nas faixas entre nove e 10 horas diárias; 19,3% nas faixas entre 11 e 12 horas; 11,48% entre 13 e 14 horas e 7,4% em 15 horas ou mais.
Comparando-se a distribuição por faixa de tempo de trabalho, constatou-se que antes da covid-19 mais de 57% trabalhavam acima das nove horas diárias, ampliando-se esse percentual para 62% durante a pandemia.
Embora esses trabalhadores passassem a ser mais requisitados por quem está em isolamento social e em home office, seus rendimentos caíram. 47% dos entregadores ganhavam até R$ 520 por semana, com a pandemia subiu para 72%. Ou seja, 25% desses trabalhadores passaram também a receber a média rebaixada.
Para 49% dos pesquisados, o bônus que recebiam diminuiu. Os que mantiveram seus rendimentos foram 45% e apenas 5% disseram que tiveram aumentos de renda neste período.
As empresas de aplicativos usam a força de trabalho dessas pessoas e não as veem como seres humanos, que merecem ser remunerados dignamente, mas os veem como oferta de demanda- Paula FreitasA pesquisadora da Unicamp diz que, com certeza, a pandemia precipitou o uso de aplicativos não só no Brasil como em todo o mundo, mas que, naturalmente em países com a economia mais estruturada do que a brasileira, cujo governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL) não se mostrou à altura para tratar da crise, o impacto negativo sobre esses trabalhadores foi menor.
“A pandemia contribuiu para mostrar rapidamente que este governo não deu certo. Aprofundamos os efeitos tão fortemente que de fato as pessoas ficaram sem alternativas de renda, mas elas precisam pagar as contas e acabam utilizado aquilo que está ao alcance da mão: o celular vinculado a uma internet móvel, a um algoritmo que manda na vida delas”, critica a pesquisadora e doutoranda em Desenvolvimento Econômico no CESIT/IE/Unicamp.
A pesquisa ressalta que o trabalho subordinado com ordem direta, não pela boca, mas por algoritmos ditando o ritmo do trabalho é uma ferramenta do mesmo jeito que qualquer máquina que produz uma camisa nova.
“Essas plataformas são oniscientes. Estão o tempo inteiro ligadas em todo lugar. Não tem nada de demanda, ao contrário, é o tempo inteiro funcionando 24 horas por dia, sete dias por semana. O fato do trabalhador não trabalhar 24 horas por dia, sete dias por semana, é só porque ele é um ser humano e como tal tem que ter limite máximo de horário de trabalho, da sua capacidade de doar sinergia pessoal para o trabalho”, afirma Paula.
Faixa etária excludente
A pesquisa também mapeou a faixa etária e etnia desses trabalhadores. Entre os trabalhadores que responderam o questionário, a quase totalidade (94,6%) se apresentou como sendo do sexo masculino. Quanto à cor ou raça, 39,9% se identificaram como branco; 44% como pardo; 14,8% como negro; e 1% como indígena.
No que se refere à distribuição por idade, 18,1% dos entrevistados tinham até 24 anos; 47% encontravam -se na faixa entre 25 e 34; 31,2% entre 35 e 44 anos; e 3,7% possuía mais de 44 anos. Portanto, o perfil preponderante dos entregadores entrevistados é de homens que se reconhecem como brancos ou pardos (83,9%), com idade entre 25 e 44 anos (78,2%).
“É uma profissão que tem um ritmo que não comporta pessoas com mais idade, porque as entregas têm de ser feitas rapidamente. É um ritmo muito forte, de sujeição a riscos muito grandes para minimamente se levantar um rendimento para pagar as coisas, e as pessoas mais idade muitas vezes não conseguem responder com a ligeireza necessária, fazendo a perspectiva de vida útil dessa profissão ser muito baixa”, afirma.
A pesquisadora reforça que as condições de trabalho sub-humanas servem apenas para um processo de geração de riqueza para terceiros, uma riqueza concentrada e centralizada que explora os trabalhadores, que transfere o risco do negócio para o trabalhador, num eventual acidente, num contágio pela Covid.
“Tudo isso é transferido para o trabalhador quando e o negócio seria da empresa, por que ela afere lucro, a partir do trabalho de outra pessoa”, diz Paula Freitas.
Reforma Trabalhista aprofundou exploração
Para a pesquisadora, a exploração das empresas de aplicativos foi aprofundada com a reforma Trabalhista do governo golpista de Michel Temer (MDB-SP), que legalizou o bico com o trabalho intermitente, além de perdas de diversos direitos, e o governo Bolsonaro só piorou com tentativas de retiradas de mais direitos. Segundo ela, com certeza, a reforma Trabalhista foi uma das maiores responsáveis pela precarização do trabalho, de maneira geral.
“O Brasil está assistindo a uma economia desestruturada, com desmantelamento da legislação trabalhista, diminuindo a proteção dos trabalhadores, justificando as retiradas de direitos como forma de impulsionar o quadro de empregos no país, mas isto se demonstrou falacioso”, diz.
Qualquer pessoa com um mínimo de conhecimento da relação causa-efeito entre medidas econômicas regulação e mercado de trabalho, sabia que a reforma Trabalhista não daria certo- Paula FreitasPara a pesquisadora o problema não está no fato das plataformas digitais incorporarem pessoas para trabalhar, mas sim na ausência de legislação protetiva que existe e se chama Consolidação das Leis do Trabalho (CLT)
“Já existe uma norma, é a antiga CLT, antes da reforma Trabalhista, que precisa ser aplicada, não se precisa de uma nova norma de amparo ao trabalhador “, conclui.
*Edição: Marize Muniz