Escrito por: Leonardo Wexell Severo

Greve geral contra “terrorismo de Estado” no Paraguai

Organização de Mulheres Camponesas e Indígenas denuncia aumento da pobreza extrema

Leonardo Severo
Cony Oviedo, da Organização de Mulheres Camponesas e Indígenas (Conamuri) do Paraguai

“No Paraguai temos um Estado terrorista que persegue as pessoas pelo simples fato de organizar-se. Não há redistribuição da riqueza e a pobreza extrema aumenta a cada dia”, denuncia Cony Oviedo, da Organização de Mulheres Camponesas e Indígenas (Conamuri), se somando à greve geral convocada pelas centrais sindicais e organizações estudantis, comunitárias e feministas para os próximos dias 21 e 22 de dezembro. Abaixo, a íntegra da entrevista.

 

Leonardo Wexell Severo, de Assunção

Neste momento, qual é o inimigo comum dos movimentos sindical e social?

Enfrentamos um governo neoliberal que promove a privatização de todos os entes do Estado, atentando contra direitos humanos que deveria garantir, como a saúde e a educação. A falência no atendimento a estes setores, conforme o governo, se deve supostamente ao fato de o Estado não poder mais absorver os gastos, quando na realidade o povo paga por eles - e muito - seja em impostos diretos ou em indiretos, mesmo nos produtos da cesta básica. Enquanto isso, os grandes empresários não pagam. A proposta de colocar um imposto sobre a soja continua engavetada. Então vemos quem é que sustenta não só o Estado, como os pseudo representantes no parlamento e no executivo. Apesar disso, não recebemos nada em termos de saúde, educação ou trabalho. Não há qualquer contrapartida.

De que forma as leis da Aliança Público-Privada (APP) e Antiterrorista se complementam?

Além da lei da Aliança Público-Privada, com a qual querem privatizar todo o país, há a lei antiterrorista, para perseguir as organizações, criminalizando quem se mobiliza contra esse governo do presidente Horacio Cartes, claramente neoliberal, que promove a privatização de todas as esferas do Estado. Temos presos políticos em nosso país, como os de Curuguaty, há o caso dos seis de Tacumbú, todos coincidentemente encarcerados por lutar pela terra. Há também inúmeras denúncias de abusos contra camponeses, pessoas que foram barbaramente torturadas ou assassinadas por militares, que são forças do Estado. Então não estamos falando de coisas inexistentes, há provas contundentes. Por mais que os meios massivos de comunicação e as estruturas governamentais busquem encobrir, nós dos movimentos sociais denunciamos através dos meios alternativos nacionais e internacionais, que são nossos aliados.

Contra que tipo de Estado vocês estão lutando no Paraguai?

No Paraguai temos um Estado terrorista que persegue as pessoas pelo simples fato de organizar-se. É um governo que não busca o desenvolvimento nacional, mas de empresários e “investidores” estrangeiros que levam o dinheiro da exploração da soja e da carne para outros países. Não há redistribuição da riqueza e a pobreza extrema aumenta a cada dia.

Recentemente houve um governo que adotava uma política que ia na contramão desta dependência, mas foi vítima de um golpe.

O governo de Fernando Lugo começou com políticas públicas de saúde, onde havia acesso a medicamentos, atenção médica, com o cidadão podendo fazer uma cirurgia. Hoje não existe absolutamente mais nada nos hospitais, é uma dor sentida todos os dias. Isso permite que o Partido Colorado (o mesmo do general Alfredo Stroessner, que infelicitou o país de 1954 a 1989 com apoio dos EUA) se aproveite do desespero das pessoas. E as pessoas acabam cedendo à chantagem do clientelismo por necessidade. Na educação é a mesma coisa, também não há emprego nem moradia. Atualmente se busca expulsar os moradores das regiões periféricas, das zonas inundáveis, que ergueram escolas, centros comunitários e igrejas, pessoas que tornaram esses locais habitáveis. O Estado quer agora usar esses terrenos para a especulação imobiliária, para instalar maquilas (empresas que têm como marca o trabalho precário) e construir zonas turísticas. Então estas pessoas que passaram a viver aí após serem expulsas do campo, começam a ser novamente expulsas de suas casas.

E como agem as estruturais governamentais responsáveis pela área rural?

O ministério da Agricultura também não tem uma política para o campesinato ou para a comunidade indígena, nada sabe sobre as suas necessidades reais. Desde que iniciou o ano estão tentando mudar no parlamento a lei que altera a propriedade de terras indígenas. É um sinal de que a soja transgênica está se expandindo, como o extrativismo que significa mais expulsão de camponeses e indígenas. O eixo central, o problema paraguaio, é a má distribuição da terra. O negócio de Cartes é produzir para exportação. Só 6% do que se produz em nosso país é para consumo interno. Dos 5,6 milhões de hectares para produção, 5,2 milhões são para exportação. Estes números demonstram qual é a política real deste governo. É uma mensagem que diz: vocês não podem viver no campo e também não podem viver na cidade. A mensagem final é: vocês não têm lugar neste país.

Isso explica a razão de tantos paraguaios terem de se mudar para o exterior...

Exatamente. A maioria da região de Caaguazu, por exemplo, está migrando para o Brasil, são jovens que vão encontrar trabalho precário na indústria têxtil. Ficam os avós e as crianças. Em Itapua, departamento que começa a plantação da soja transgênica, ocorre o mesmo, já não há jovens. Outro departamento é Alto Paraná, onde pelo contato com a fumigação de soja transgênica se multiplicam casos bastante graves de crianças nascidas com deficiência física ou mortas. O Ministério de Saúde fala de qualquer outra coisa, atribui a qualquer enfermidade, mas cala sobre os venenos jogados sobre as comunidades. Em Itakyry estavam plantando soja a 50 metros de uma escola. Após a denúncia, a comunidade conseguiu que retrocedessem. Então o que ocorreu? A erva-mate nativa, cultivada pelas famílias, foi contaminada. A metade da produção deste ano se perdeu e, talvez, também a do próximo. Veja a gravidade, pois esta é uma erva-mate que brota sozinha. O que ocorre é que se destrói o meio ambiente, se contamina a água que muitos indígenas bebem. Há três meses morreu uma menina de 12 anos e suas duas irmãzinhas foram internadas com os mesmos sintomas.

O governo reconhece tais crimes?

Não. Disseram para a mãe que era pneumonia, mas há fotos das mãos, com feridas e queimaduras que saem na pele. São muitos os caos de má-formação. Mas não há estatísticas reais, embora muitos médicos tenham diagnosticado que existe obviamente uma relação com a fumigação. Há casos próximos a Ciudad del Este, na fronteira com o Brasil, que podem ser facilmente comprovados. Da nossa parte seguiremos resistindo a um modelo de exclusão e contaminação que está matando as comunidades, cortando seu sustento econômico e inviabilizando o país.