Greves nos EUA crescem com sindicatos mais combativos e à esquerda
Diversos setores se mobilizam para cobrar valorização após trabalho intenso durante a pandemia
Publicado: 14 Agosto, 2023 - 10h51 | Última modificação: 15 Agosto, 2023 - 09h43
Escrito por: Luiz Carvalho | Editado por: Rosely Rocha
Mais jovem, radicalizado e combativo, o movimento sindical nos Estados Unidos (EUA) tem um novo perfil fundamental para o aumento das greves no país em 2023, garante uma das especialistas ouvidas pelo portal da CUT para tentar compreender o momento que vive a classe trabalhadora norte-americana.
As mobilizações começaram a ganhar atenção principalmente após roteiristas, atores e demais trabalhadores e trabalhadoras sindicalizados dos estúdios de Hollywood, um grupo de aproximadamente 175 mil pessoas, cruzarem os braços. Mas, as lutas se estendem para outras categorias e já representam o maior volume de greves em 50 anos.
Os 340 mil funcionários do serviço postal estadunidense, o UPS, agendaram uma paralisação para 1º de agosto por conta da postura truculenta na mesa de negociação e a iniciativa só não foi concretizada porque os patrões voltaram à mesa de negociação e ofereceram uma convenção coletiva nos moldes do que os trabalhadores cobravam.
Também o sindicato dos metalúrgicos, o United Auto Workers (UAW), afirmou em julho que estava pronto para suspender a produção com os 150 mil associados por conta da intransigência da Ford, Stellantis e General Motors em apresentar condições mais dignas de trabalho.
Ao todo, em agosto, quase 900 paralisações aconteciam nos EUA, segundo a Escola de Relações Laborais e Industriais da Universidade Cornell.
A diretora do Centro de Estudos de Trabalho e Comunidade da Universidade de Califórnia em Santa Cruz e PhD em Economia do Trabalho pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), Jana Silverman, destaca que entre os fatores que promovem as manifestações está a falta de reconhecimento empresarial à dedicação da classe trabalhadora durante o período de restrições imposto pela Covid-19.
“A pandemia radicalizou muito os trabalhadores americanos, principalmente os jovens nos setores de serviços e logística, que tiveram de trabalhar durante todo o período da doença e muitos sequer receberam acréscimo por insalubridade. Isso promoveu uma retomada das mobilizações do movimento sindical especialmente a partir da revolta de setores como serviços, logística, restaurante e hotéis. Porque enquanto arriscavam a vida, empresários como Jeffrey Bezos ganharam dinheiro como nunca e não investiram em melhores condições de trabalho, saúde e segurança. Agora, quando foram negociar acordos coletivos e trataram de temas como salário e direitos, a resposta foi que não havia dinheiro para isso”, explica.
Homem mais rico do mundo, Bezos foi o fundador da Amazon e realizou a primeira viagem ao espaço em voo sem piloto em 2021.
Cresce a luta
Nos Estados Unidos, os sindicatos são estabelecidos por fábricas ou lojas e não por categorias, como ocorre no Brasil, fator que facilita a opressão e a dificuldade para a criação de organizações sindicais e a negociação de acordos coletivos.
Mesmo com os obstáculos, ressalta Jana, desde o ano passado, o país vivencia um aumento de quase 50% das greves em relação ao ano retrasado e as lutas não se restringem aos segmentos que têm os mais altos índices de sindicalizações, como enfermeiros e trabalhadores e trabalhadoras da educação.
Outro ponto destacado por ela é um novo perfil de liderança sindical. Desde 2019, há uma nova onda de oposições com um recorte mais ligado à esquerda que têm disputado e vencido as eleições nas organizações trabalhistas, como é o caso da UAW e do segmento de cafeterias como a Starbucks.
Em novembro de 2022, a rede viu mais de dois mil trabalhadores e trabalhadoras cruzarem os braços.
O cenário é emblemático porque a categoria, que tem como característica ser bastante jovem, conseguiu formar o próprio sindicato e vencer problemas de contratos precários e rotatividade, mesmo diante de práticas antissindicais como a demissão de ativistas, pagamento inferior a sindicalizados e a resistência em negociar. Apesar de proibidas, a companhia muitas vezes opta por pagar multas e mantê-las como forma de tentar inibir o movimento.
“Na Teamsters (sindicato que representa os motoristas) e na UAW, temos muitos filiados ao DSA (do inglês Democratic Socialists of America). Desde anos 1930, não víamos esse movimento com tamanha ligação entre dirigentes sindicais mais à esquerda e grupos políticos socialistas. Estamos em condições bem diferentes de anos atrás, quando havia a caracterização de um sindicalismo americano mais ‘pelego’”, analisa Jana, para quem o país pode viver neste momento algo semelhante ao que ocorreu no Brasil, nos anos anos 1980, com o Novo Sindicalismo.
Parcerias na mobilização
Em reportagem da BBC, a diretora internacional do AFL-CIO, Catherine Feingold, aponta ainda a influência de movimentos sindicais brasileiros na luta dos estadunidenses. A federação sindical, maior federação dos Estados Unidos, mantém parceria com a CUT.
"Precisamos ter relações fortes com os movimentos trabalhistas no Brasil e em toda a América Latina. Fazemos parte da Confederação Sindical das Américas, que é como coordenamos as políticas do Canadá até o Chile. Isso é muito importante para nós”, disse.
Para o secretário de Relações Internacionais da CUT, Antonio Lisboa as paralisações são um recado também para o processo de sucateamento de direitos trabalhistas que ocorre em todo o mundo, inclusive no Brasil.
“Essa mobilização representa de um lado a reação dos trabalhadores, principalmente à retirada de direito, mas também a demonstração de que o movimento sindical pode construir suas estratégias no mundo atual. A organização da classe trabalhadora atravessa o tempo”, afirmou o dirigente.