Escrito por: Ademir Wiederkehr, CUT-RS

Guedes discute medidas para estimular produção nacional de chips, mas ignora Ceitec

Ele “deveria fazer autocrítica” e interromper liquidação da Ceitec, empresa estatal de semicondutores criada no governo Lula e em extinção pelo governo Bolsonaro, diz engenheiro

CUT-RS/Arquivo

Quase dois anos após o início da crise de demanda de semicondutores, a escassez dos chips usados na produção de brinquedos, celulares, carros, aviões, geladeiras e até sistemas de defesa, começou a preocupar o Ministério da Economia, que discute, com empresários do setor, medidas para estimular a produção nacional dos componentes.

Nenhuma das propostas está relacionada à produção do produto na Ceitec (Centro Nacional de Tecnologia Eletrônica Avançada), empresa pública criada, em 2009, pelo governo do ex-presidente Lula, para produzir chips nacionais, que o governo de Jair Bolsonaro (PL) mandou fechar.

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O banqueiro Paulo Guedes, que comanda o ministério, deveria reconhecer que o projeto de privatização geral e irrestrito deste governo é ruim para o Brasil e para os brasileiros. O passo seguinte seria suspender a liquidação da Ceitec, processo que, aliás, foi paralisado em setembro do ano passado por fragilidades apontadas pelos ministros do Tribunal de Contas de União (TCU), dizem críticos da nova proposta estudada por técnicos do ministério.

“O Brasil precisa sim produzir semicondutores e deve buscar autonomia tecnológica e produtiva para fazer isto”, afirma o ex-ministro Miguel Rossetto, que foi vice-governador do Rio Grande do Sul, em cuja capital está instalada a Ceitec. 

É escandaloso o governo Bolsonaro destruir a Ceitec, única empresa nacional instalada e capaz de produzir semicondutores no país e falar em dar dinheiro público para atrair empresas privadas estrangeiras.- Miguel Rossetto

“Aliás, escandaloso e também ilegal”, complementa o ex-ministro se referindo a suspensão do andamento da liquidação pelo TCU.

“Já fizemos isto no passado, quando alguns diziam que era impossível achar petróleo e refinar no Brasil, produzir aço ou desenvolver tecnologia agrícola.  Uma economia, que já foi a sexta do mundo, precisa de uma indústria forte e capaz de atender as necessidades do povo brasileiro”, ressalta o ex-ministro.

Guedes poderia aproveitar o momento crítico para fazer uma “autocrítica”, recomendou o professor e engenheiro Adão Villaverde, ex-presidente do Fórum Nacional de Secretários de Ciência, Tecnologia e Inovação, se referindo ao conteúdo de reportagem da Folha de S.Paulo que cita conversas entre membros da equipe econômica e empresários da área de  semicondutores e de veículos. De acordo com a reportagem, Guedes concordou com a importância de o país ter uma indústria voltada aos semicondutores. Nada falou sobre a Ceitec. 

Não é a primeira vez que o Guedes diz isso, revelando uma enorme irresponsabilidade com a política de semicondutores que vem sendo construída no Brasil desde o final dos anos 1990 no governo FHC e que avançou no governo Lula. - Adão Villaverde

Os semicondutores, segundo o especialista, “são o quarto produto mais comercializado no mundo, ficando atrás somente do petróleo bruto, do petróleo refinado e dos automóveis que dependem dos chips”. Na sua avaliação, o atual governo “age com miopia política interrompendo uma política de Estado”.

Villaverde salienta ainda que “os semicondutores são vitais para as economias dos EUA, China, Coreia, Taiwan e União Europeia”, destacando que “os norte-americanos têm pequena capacidade de fabricação e perderam a liderança para a China, que está em condições de saltar em escala e pode vir a tomar conta do mercado mundial”.

O professor lembra que o Congresso dos EUA aprovou a destinação de recursos públicos para disputar esse mercado.

Economia do país sem rumo

Como dizem os eleitores em diversas pesquisas realizadas por institutos como Vox Populi, Ipesp e Datafolha, a economia do país está no caminho errado, diz o funcionário da Ceitec e diretor do Sindicato dos Metalúrgicos de Porto Alegre, Edvaldo Muniz, que alerta: “O projeto neoliberal de desindustrialização pelo qual passa o país, demonstra que estamos sem rumo”.

“Combustível comprado em dólar, porque optaram de vender o petróleo cru, ao invés de refinar aqui, fertilizantes em falta porque optaram por fechar as fábricas que aqui produziam, agora a falta de circuitos integrados e semicondutores. E a saída que eles encontraram é dar subsídios para incentivar empresários a produzirem semicondutores”, critica o dirigente.

Segundo Muniz, “o mundo passou por grandes mudanças nessa área nos dois últimos anos por causa das restrições necessárias para conter a pandemia, obrigando os países a reverem suas políticas, devido à crise de escassez de semicondutores”

O Brasil parece seguir na contramão, pois tem um projeto seu [a Ceitec], com a empresa atingindo sua maturidade e próxima de começar a colher os frutos desse investimento.- Edvaldo Muniz

“Temos uma sala limpa de padrão internacional, já certificada, e pronta para produzir, é só verificar quantas empresas no mundo tem algo parecido”, destaca o funcionário da Ceitec.

Muniz defende que “uma revisão de todo o processo de liquidação, com participação efetiva de pessoas com comprovado conhecimento da área”.

“Seria uma atitude mais assertiva do Ministério da Economia e ainda há tempo para isso, fazendo o replanejamento e alavancando a cadeia produtiva no país, em prol de toda sociedade brasileira”, pontua o dirigente.

Produzir no Brasil é estratégico

O desenvolvimento da produção nacional de semicondutores pode não ter resultados em menos de 10 ou 15 anos, diz Rogério Nunes, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Semicondutores (Abisemi), que, mesmo assim, defende políticas governamentais ao setor.

"É uma questão de domínio da tecnologia. A indústria de semicondutores é base para os outros produtos e, por isso, vai aumentar nossos níveis de desenvolvimento social e econômico. É absolutamente estratégico", afirmou.

Segundo ele, ”menos de 20 empresas atuam no ramo dos semicondutores no Brasil, mas as empresas não participam da cadeia completa e cerca de 70% dos insumos são importados”.

"Os semicondutores estão inseridos em absolutamente todos os setores da economia. Antes era somente na indústria eletroeletrônica, mas hoje vemos no setor automotivo, no médico, na segurança, nas telecomunicações e até na agricultura. Tudo hoje depende de semicondutores", disse.

Escassez de semicondutores reduziu produção de veículos

A escassez de chips semicondutores fez as fabricantes automotivas produzirem 10 milhões a menos de veículos em 2021, segundo estimativas da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea). Só no Brasil, de 300 mil a 350 mil unidades deixaram de ser produzidas pela falta dos componentes.

Este ano, avalia a Anfavea, segundo a Folha, a falta de semicondutores deve persistir e a previsão é que o problema reduza em até 8 milhões a produção de veículos no mundo. A situação só deve se normalizar em 2025, dizem. As estimativas foram feitas em dezembro, portanto, antes da guerra na Ucrânia, que pode agravar a situação.