Haddad anuncia arcabouço fiscal e nega criação de impostos para cumprir novas regras
Ministro diz que algumas desonerações poderão ser revertidas, mas diz que recriação da CPMF nunca foi analisada
Publicado: 30 Março, 2023 - 16h08 | Última modificação: 30 Março, 2023 - 16h32
Escrito por: Redação CUT | Editado por: Marize Muniz
O projeto de um novo marco fiscal para o país, também chamado de arcabouço fiscal, um conjunto de medidas, regras e parâmetros para a condução da política fiscal que garantem credibilidade e previsibilidade para a economia do país, foi apresentado nesta quinta-feira (30), em Brasília, pelos ministros Fernando Haddad, da Fazenda, e Simone Tebet, do Planejamento.
Se aprovado pelo Congresso, o arcabouço fiscal, que define a nova regra para as contas públicas, vai substituir o teto de gastos, em vigor desde 2017 como novo parâmetro para limitar os gastos do governo. O teto de gastos instituído no governo do ilegítimo Michel Temer (MDB) congelou investimentos públicos em áreas como saúde e educação por 20 anos.
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O objetivo do novo marco fiscal é garantir um equilíbrio entre a arrecadação e os gastos, para que as contas públicas voltem a ficar "no azul". A meta é zerar o balanço já em 2024 e registrar superávit a partir de 2025.
O cumprimento das metas de resultado primário previstas no novo marco fiscal não envolverá a criação de impostos ou aumento de alíquotas atuais, disse Haddad. Ele, no entanto, admitiu que algumas desonerações para setores específicos poderão ser revertidas.
Haddad prometeu que o governo anunciará, na próxima semana, medidas para garantir um incremento de receitas em até R$ 150 bilhões neste ano. O ministro fez questão de reiterar que a alta não decorre de novos tributos.
“É um conjunto de medidas saneadoras entre R$ 100 bilhões e R$ 150 bilhões até o fim do ano. Com vistas a dar possibilidade de crescimento. Eu tenho a convicção de que esse país melhor está contemplado com essa fórmula que estamos anunciando”, disse o ministro.
“Se, por carga tributária, se entende a criação de tributos ou o aumento de alíquota, não está no nosso horizonte. Não estamos pensando em criar uma CPMF [antigo imposto sobre transações financeiras], nem em onerar a folha de pagamentos”, diz Haddad.
Mesmo sem a criação de tributos, o ministro disse que alguns setores que há décadas se beneficiam com desonerações poderão ter os incentivos fiscais revistos. Em alguns casos, setores novos ainda não regulamentados poderão ter cobrança de impostos, como as apostas esportivas online.
“Temos muitos setores demasiadamente favorecidos com regras de décadas. Vamos, ao longo do ano, encaminhar medidas para dar consistência a esse anúncio. Sim, contamos com setores que estão beneficiados e setores novos que não estão regulamentados [como as apostas eletrônicas esportivas]”, afirmou o ministro. “Vamos fechar os ralos do patrimonialismo brasileiro e acabar com uma série de abusos que foram cometidos contra o Estado brasileiro”, acentuou.
Para o ministro, uma revisão geral dos incentivos fiscais beneficiará toda a população e permitiria ao Banco Central reduzir os juros no futuro. Haddad pediu sensibilidade ao Congresso Nacional para que revise os benefícios fiscais - atualmente em torno de R$ 400 bilhões por ano - e cuja revisão foi determinada por uma emenda constitucional de 2021.
“Se quem não paga imposto passar a pagar, todos nós vamos pagar menos juros. É isso que vai acontecer. Agora, para isso acontecer, aquele que está fora do sistema tem que vir para o sistema. O Congresso tem que ter sensibilidade para perceber o quanto o seu desejo foi aviltado na prática pelos abusos e corrigir essas distorções”, salientou.
Haddad disse ainda que o plano busca compatibilizar “o social e o fiscal”, dizendo que não se pode mais admitir “que um dos maiores produtores de alimentos do mundo conviva com a fome”, como mostra reportagem de Eduardo Maretti, da RBA.
De outro lado, acenando ao mercado em relação à âncora fiscal, acrescentou que não vê “nenhuma razão, a partir desse anúncio, para ter dúvidas para alguém investir no Brasil”.
O plano está ancorado na vinculação do crescimento das despesas federais à receita. As despesas poderão crescer a 70% do aumento da arrecadação federal, mas em relação à receita realizada no ano anterior. Ou seja, os gastos da União ficarão limitados a 70% da receita: a expansão das despesas depende então do crescimento da arrecadação. Por sua vez, para o crescimento da arrecadação é necessária também a retomada da economia.
O plano estabelece também limite de 2,5% ao ano para o aumento das despesas em relação ao crescimento da arrecadação. Por exemplo, se a receita subir 5%, a observância estrita da regra levaria a um aumento de 3,5% das despesas (70% de 5%). Porém, nesse caso vale o teto de 2,5%. A limitação será a âncora, ou “um colchão”, para fase ruim da economia, explicou Haddad.
A ministra Simone Tebet disse que o plano é ao mesmo tempo “engenhoso” e “transparente”. “O limite é dado em relação ao aumento da receita. Aumenta a receita, aumentam as despesas. Na mesma proporção? Não. Porque temos um déficit fiscal de R$ 230 bilhões, fruto de uma herança passada de pandemia e de políticas públicas que não foram contempladas nos últimos quatro anos”, explicou Tebet, referindo-se ao governo de Jair Bolsonaro (PL).
De acordo com a ministra, o plano tem como prioridade cumprir a demanda por justiça social determinada pelo presidente Lula (PT).
“Passamos seis anos sem reajustar a merenda das nossas crianças. Num país campeão na produção de laranja, as crianças tomam suco em pó”, afirmou Simone Tebet.
“O melhor de dois mundos”
Segundo Haddad, o plano associa “o melhor dos dois mundos” das políticas fiscais anteriores: a Lei de Responsabilidade Fiscal (de 2000) ao que se pode chamar de “regra de gastos”.
A ideia, disse o ministro, foi “traçar uma trajetória consistente de resultado primário em que necessariamente a despesa vai correr atrás da receita”. Porém, a despesa vai crescer a uma taxa menor e vai se ampliar o espaço de economia para “dar sustentabilidade sem rigidez absoluta, porque tem de atender as demandas sociais”, resumiu o ministro.
Desse modo, as novas regras procuram sanar deficiências das regras anteriores, continuou. Antes, não havia uma dimensão anticíclica (para serem operadas em momentos de crise ou recessão): se o país prosperava, para se cumprir a lei a receita era mantida “em compasso com a despesa, o que é difícil de manter em fase ruim”. O que o novo arcabouço propõe, portanto, é uma “poupança prévia” para funcionar como (o chamado) colchão.
O plano, ainda nas palavras de Haddad, procura compatibilizar o social e o fiscal, ter credibilidade, previsibilidade e dar horizonte para a sociedade se organizar com regras claras. Tebet acrescentou que a meta é zerar o déficit público, ter possibilidade de superávit a partir de 2025, com estabilização da dívida pública. O plano “é fácil de ser entendido e transparente, o que gera estabilidade e previsibilidade, que são as palavras-chave”.
Questão política
O ministro encerrou a apresentação falando sobre dúvidas que ouviu em suas reuniões com os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e líderes de partidos de oposição ou situação. Segundo ele, houve questionamentos, “legítimos”, sobre a possibilidade de cumprimento do plano.
Uma das principais dúvidas é sobre se a execução do novo arcabouço está condicionada a um aumento da carga tributária. Ele afirmou que não no sentido literal, mas a ideia da reforma tributária será “colocar o pobre no orçamento e o rico no Imposto de Renda”, um dos lemas da campanha eleitoral de Lula.
Assim, quem atualmente não paga imposto, ou paga proporcionalmente pouco em relação à renda, terá de pagar. Há “setores muito favorecidos, setores muito beneficiados ou que sequer foram regulamentados”, disse o ministro. Esses setores gozam de “benefícios indevidos e fraudes”, continuou. O governo quer “fechar ralos do patrimonialismo brasileiro”. “É um caso mundial, de acabar com os abusos que as grandes empresas cometem aos Estados nacionais que deram origem a elas.”
Com informações da Agência Brasil e da RBA.