Escrito por: Wanderson Lobato, especial para o PortalCUT
Encontro que reuniu representantes da diversidade da população tocantina fortalece luta contra o projeto da hidrovia Araguaia Tocantins
Ribeirinhos, quilombolas, trabalhadores e trabalhadoras rurais, ativistas sociais, sindicalistas, pesquisadores e religiosos. O II Encontro dos Povos dos Rios do Baixo Tocantins, realizado nos dias 16 e 17 últimos, em Baião (PA), reuniu representantes da diversidade da população tocantina em torno da unidade contra o projeto da hidrovia Araguaia Tocantins.
Foi um momento para fortalecer a mobilização de todos contra a obra da hidrovia que está em fase final de licenciamento, no IBAMA. Organizado pela CUT Brasil, CUT Pará e Fetagri Pará, com o apoio da Solidarity Center/AFL-CIO, entidade sindical de cooperação internacional, o II Encontro democratizou para os participantes a fase atual da construção da hidrovia e promoveu a construção de uma agenda de luta e de desenvolvimento regional para se contrapor ao modelo desenvolvimentista do governo federal.
“Precisamos dizer ao Ministério Público, dizer ao governo federal, ao governo estadual que não vamos aceitar que a obra passe e os prejuízos fiquem pra nós,” destacou Carmen Foro, Secretária-Geral da CUT Brasil.
A dirigente sindical lembrou da realização do I Encontro, realizado em Cametá (PA), em 2019, e das ações programadas para serem realizadas contra a hidrovia, mas que foram paralisadas com a chegada da pandemia. “Fomos parados pela pandemia, mas os grandes projetos não pararam”, lembrou.
No início de julho, a Carmen Foro enviou ofício ao Ministério Público Federal solicitando audiência com o procurador Felício Pontes Júnior para discutir o processo de licenciamento ambiental para as obras no rio Tocantins.
Segundo o documento, as populações ribeirinhas dos municípios abaixo da barragem não estão sendo ouvidas conforme determina a Convenção 169, da Organização Internacional do Trabalho (OIT), do qual o Brasil é signatário.
“Frente ao avanço do empreendimento e a necessidade de medidas de proteção as populações tradicionais do Baixo Tocantins, solicito em caráter de urgência essa audiência”, conforme o ofício.
Segundo o EIA Rima, as “intervenções de Dragagem irão custar R$39.082.263,19 e o Derrocamento R$508.445.135,71.” As obras previstas para o rio Tocantins têm como objetivo torná-lo navegável o ano inteiro. O projeto atende ao transporte de soja e minério e está inserido na lógica que prioriza a utilização dos rios da Amazônia não pelos povos da região, mas em benefício do grande capital, num crescente processo de privatização dos recursos hídricos do país.
O projeto é um exemplo de como o governo federal investe nos chamados “corredores logísticos” para a aproximar a produção nacional dos principais mercados consumidores no mundo, utilizando a Amazônia como rota para escoar grãos e minérios. Mas num planejamento que envolve milhões de reais, as decisões sobre a obra carecem de participação social e praticamente ignoram os saberes e anseios das populações locais.
Durante o II Encontro, a fala dos participantes destacou principalmente a importância da reunião dos diferentes atores da região e o compromisso pela integridade do rio Tocantins e dos povos que dele dependem.
Natural do município de Mocajuba (PA), Euci Ana, presidente da CUT Pará, destacou a importância do Encontro, realizado com respeito às determinações sanitárias de proteção contra o novo coronavírus, e garantiu a mobilização dos trabalhadores contra o projeto.
“Defender o rio é defender a vida. Vamos arregimentar nosso povo, dialogando e divulgando nosso projeto que não é a hidrovia. Nosso projeto é de defesa da sociedade é um projeto de vida”, destacou.
A presidenta da Fetagri Pará, Angela de Jesus, defendeu a necessidade da obra ser mais discutida para que todos tenham conhecimento dos impactos que podem alterar a vida não só da região. “A defesa do rio é uma questão que precisa ser entendida não só pela sociedade local, mas sociedade paraense precisa entender qual o impacto que vai ter na vida de todos com a chegada dessa hidrovia,” destacou.
Dom Altevir da Silva, da Diocese de Cametá (PA), ressaltou as recomendações sanitárias contra a covid-19 que estavam sendo cumpridas pelo II Encontro e falou que a Igreja Católica na região sempre esteve acompanhando as lutas dos movimentos sociais locais e leu um trecho da Carta do I Encontro, realizado em 2019, em Cametá.
“Contra grandes projetos nós precisamos de uma luta grande, que começa com gente pequena em lugares pequenos. O projeto não atende os interesses e necessidades de populações locais, destrói o ecossistema existente e coloca em risco os recursos hídricos e gera a exclusão social,” lembrou.
Representando o campus Tocantins, da Universidade Federal do Pará, o professor Mário Arnaud lembrou o histórico de luta das populações locais e destacou dois aspectos essenciais para se compreender os prejuízos para a região com a hidrovia.
“O aspecto físico ambiental porque vai mudar todo o leito do rio, consequentemente você vai ter o outro aspecto que é o econômico o social, porque vai afetar diretamente o sustento das pessoas que sobrevivem da pesca. A própria vida cultural também está para além do sustento.”
Iury Paulino, da Coordenação Nacional do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) lembrou que a Amazônia é palco de vários projetos de infraestrutura que só tem trazido pobreza e violência para seus moradores. “Temos experiências negativas em todo o território. Um exemplo é ali na região do Tapajós, onde tem vários portos para a exportação de soja que tem acabado com a vida dos trabalhadores locais. Aumento de acidentes de trânsito, é a violência que aumentou, a prostituição, é um caos completo.”
Uma das principais lideranças dos quilombolas na região, Elpídio Torres, o Goianinho, disse que Baião é um dos municípios que sofrerá os maiores impactos e faz um alerta. “Para quem não sabe, Baião é o município berçário do pescado na região. Temos mais de 80 lagos que os peixes se reproduzem. Com a construção da barragem já perdemos quase a metade e se vir a dragagem os lagos todos vão se perder”, denuncia.
Ao final do Encontro, Carmen Foro destacou a importância do evento que reuniu organizações do Baixo Tocantins e a montante do rio para se unirem em torno de propostas “que se contrapõem ao projeto da hidrovia e fazer as lutas necessárias no próximo período”.
Carmen Foro também destacou a campanha em defesa do rio Tocantins que vai se desenvolver como parte da agenda de lutas que foram levantadas pelos participantes do II Encontro e que, depois de sistematizadas serão apresentadas.
“Defender o rio é defender a vida. Ele é um rio que nos alimenta fisicamente e espiritualmente. É um rio que é nossa rua, nossa vida. Nós vamos nos mobilizar para enfrentar o que está colocado aí. Defender o rio é defender a vida para o presente e para as futuras gerações,” destacou.
O II Encontro dos Povos dos Rios do Baixo Tocantins é uma realização da CUT Brasil, CUT Pará e Fetagri.Pa, em parceria com a Diocese de Cametá, Conselho Pastoral dos Pescadores, Universidade Federal do Pará, campus Tocantins Cametá, UNE, Levante Popular da Juventude, Sintepp, Movimento dos Atingidos por Barragens, organizações de pescadores e de quilombolas da região e com o apoio do Solidarity Center/AFL-CIO.