Hidrovia no Tocantins escancara lado racista e discriminatório do governo Bolsonaro
Maioria dos impactados é negra e de baixa renda. Comunidades que sobrevivem dos recursos naturais do rio denunciam governo Bolsonaro por não ouvir a população sobre a construção da hidrovia
Publicado: 04 Fevereiro, 2022 - 10h07 | Última modificação: 04 Fevereiro, 2022 - 10h22
Escrito por: André Accarini | Editado por: Marize Muniz
Mesmo com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) detectando dezenas de erros no relatório produzido pela empresa DTA Engenhaira, contratada para realizar a obra da hidrovia Tocantins-Araguaia, o governo de Jair Bolsonaro (PL) quer apressar a licença provisória para dar início ao projeto que impactará a vida de cerca de 800 mil pessoas. A maioria é formada por negras e negros e trabalhadores de baixa renda, que encontram no Rio Tocantins recursos para sua subsistência.
Os estudos e relatórios produzidos para o governo escondem os impactos e a real dimensão da destruição da vida e do meio-ambiente ao longo dos municipios por onde passará a hidrovia, se o projeto for aprovado.
Na página do governo federal, o que destaque é dado a dimensão da obra e a importância dela para os aliados de Bolsonaro, os produtores rurais, os únicos que são ouvidos.
O lado mais interessado na questão, o povo que vive do rio, não é ouvido pelo governo. Os moradores da região são ignorados em suas revindicações e alertas de que suas vidas correm risco. E isso tem sido uma das denúnicas feitas pelas comunidades por onde a Caravana "Defender o rio Tocantins é defender a vida", iniciativa da CUT, Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Pará (Fetagri-PA) e outras entidades, tem passado.
Racismo estrutural
Afirmando o caráter racista de projetos deste porte, a professora Helen Silva, da comunidade Quilombola Tambaiaçu, falou sobe a luta da população negra.
“Isso que estamos vivenciando, nesse projeto, é racismo estrutural. Temos lutado pela vida desde que fomos arrancados da África e trazido para sermos escravizados. E hoje, novamente, estamos lutando pela nossa vida, todos os dias", lamenta a professora, que complementa: “Essa é uma característica do atual governo”.
E uma das posturas de Bolsonaro é justamente a de silenciar a voz dessa população. A professora de filosofia no Ensino Médio, em Marabá, Vanalda Gomes Araújo, denuncia o descaso de Bolsonaro que privilegia o diálogo com empresários nacionais e multinacionas interessados no projeto.
"Não se fez nenhum protocolo de consulta. As comunidade não foram ouvidas. E deveria, antes de projetar esse empreendimento. O governo Bolsonaro é um dos piores governos que o Brasil já teve. Ignora as comunidades tradicionais. O Ibama também faz vista grossa para os problemas sociais e ecônomicos", ela diz.
"A hidrovia é mais uma obra de com a característica de racismo ambiental", complementa Daniel Gaio, secretário de Meio Ambiente da CUT. Ele excplica que as populações negra e indígena são sistematicamente submetidas a situações de degradação ambiental. Obras dessa magnitude, a serviço do capital, são realizadas, geralmente em locais onde estão essas pessoas, sem que haja nenhum tipo de preocupação com elas.
"Os crimes como os que serão cometidos se a hidrovia for implementada são mais um exemplo terrível do racismo ambiental do Estado brasileiro e do capital nacional e internacional", diz o secretário.
Daniel lembra que as riquezas que serão transportas na hidrovia, não beneficiarão em nada a popualção local. E um exemplo disso é a própria Tucurui. Somente depois de dois anos e muita luta do movimento sindical e dos movimentos sociais é que a população local começou a receber a energia elétrica.
"Ligaram a usina e a primeia energia foi para o Sudeste, uma região rica, e não para nós", completa Euci Ana, presidente da CUT-PA e natural de Mocajuba.
Violação de direitos humanos
O projeto é um ataque feroz a inúmeros direitos das populações. "Violação do direito à terra, ao trabalho, na agricultura familiar, na pesca e no extrativismo; do direito à preservação da cultura e dos saberes tradicionais acumulados em muitas gerações, diz secretária nacional de Políticas Sociais e Direitos Humanos da CUT, Jandyra Uhera.
Ela cita ainda a violação dos direitos sociais já que esses empreendimentos do 'grande capital' provocam retrocessos em todas as políticas sociais provocando o empobrecimento e a fragmentação destas populações.
Resistência
Desde 2019, as entidades que defendem o Rio Tocantins e essa população, vêm fazendo levantamentos, com suporte de especialistas, e de Universidades, que comprovam o tamanho do estrago a ser causado.
Além disso, têm realizado diversas atividades e debates envolvendo os ribeirinhos, ouvindo seus relatos e os problemas que já enfrentam desde que foi construída a usina hidrelétrica de Tucuruí.
"Essas experiências subsidiam nossas articulações de luta contra a hidrovia", diz Carmen Foro, secretária-Geral da CUT, organizadora e liderança da Caravana Defender o Rio Tocantins é Defender a Vida", que é uma dessas atividades e que teve início no dia 29 de janeiro, em Barcarena.
Para os impactados, as pesquisas do governo caem por terra quando o "laboratório humano confirma que, por exemplo, a água está contaminada já que adoece as pessoas”.
Carmen afirma que esse diálogo com o povo resulta em um maior conhecimento sobre os problemas. E são muitos.
Um deles é a alteração no ciclo natural de vida dos peixes. Pescadores contam que, em média, ao longo dos anos, a quantidade de peixes pescados após período defeso, em que a pesca é proibida para garantir o processo de reprodução, é de 60% do que era a produção antes da hidrelética.
Aumentou também o número de casos de pessoas contaminadas e com problemas de saúde por causa do consumo ou até mesmo pelo contato com a água.
A agricultura também sofreu. Alguns trechos serão alargados para dar espaço a gigantescas barcaças. O projeto atende, em especial, ao transporte de commodities, (como soja e minério) e está inserido na lógica que prioriza a utilização de rios da região Norte dos rios da Amazônia não pelos povos da região, mas em benefício do poder econômico.
São impactos econômicos e sociais irreversíveis que passam inclusive pela destruição da cultura e da memória dos povos ribeirinhos. Lugares onde muitos nasceram já despareceram com Tucurui. Agora outros tantos estão na mira com a hidrovia.
Encontro das águas
Trabalhadores e povos tradicionais se reúnem nesta sexta-feira (4) e sábado 5) no municipio de Itupiranga, próximo a Marabá para mais um Encontro dos Povos das Águas do Baixo Tocantins, para para articular e fortalecer a mobilização conjunta contra o projeto da hidrovia no rio Tocantins.
É lá que se encerra a Caravana em defesa do rio Tocantins e contra a hidrovia que já passou por já passou por Abaetetuba, Igarapé Miri, Limoeiro do Ajuru, Mocajuba e Baião. O próximo passo é a construção de um documento-manifesto contestando a construção e provando seus impactos para que sejam denunciados nacional e internacionalmente e como forma de pressão ao governo.
Outre as atividades e protestos também serão realizados "A mobilização em defesa do Rio Tocantins é CUT e entidades, na base, em ação, fazendo luta e defendendo os trabalhadores", diz Carmen Foro.
A caravana é realizada em conjunto entre a CUT Nacional, CUT-Pará, Fetagri-Pará, Diocese de Cametá, Conselho Pastoral dos Pescadores, Levante Popular da Juventude, Sintepp e organizações de quilomboloas da região, com apoio da Universidade Federal do Pará (UFPA)do MAB e Soldarity Center/AFL-CIO.
A hidrovia
"É uma via navegável até a hidrovia do Amazonas, desde Barra do Garças (MT), no rio Araguaia, ou Peixe (TO), no rio Tocantins, até o porto de Vila do Conde, próximo a Belém (PA), privilegiadamente localizado em relação aos mercados da América do Norte, da Europa e do Oriente Médio", diz o site do governo.
"O potencial navegável", continua a propaganda oficial, é de aproximadamente 3.000 km. No rio das Mortes, entre Nova Xavantina (MT) e a sua foz no Araguaia, são 580 km. No rio Araguaia, de Aruanã (GO) até Xambioá (TO), são 1.230 km. No rio Tocantins, de Peixe (TO) a Estreito (MA), são 700 km, de Estreito à Marabá (PA), 321 km, e de Marabá (PA) até sua foz, 500 km".
Para realizar o projeto, denunciam os prejudicados, é preciso dragar o leito do rio e a explosão de uma formação geológica natural datada de milhares de anos - o Pedral do Lourenzo. O plano é dinamitar as pedras em uma obra que duraria mais de dois anos e meio. Ou seja, durante todo esse temo a natureza sofreria com explosões e resídios químicos que contaminariam a água, dizimariam os peixes e dexariam um rastro de poluição aérea tornando o ar tóxico e causando problemas respiratórios nos ribeirinhos.
O processo de licenciamento ambiental para a construção da hidrovia Tocantins-Araguaia avança no Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA). Bolsonaro quer que a licença ambiental provisória para a obra seja concedida em março deste ano.