Escrito por: Andre Accarini

Homenagem a Santo Dias, morto pela ditadura, reforça necessidade de mobilização

Sindicalista foi assassinado pela Polícia Militar de SP em 1979 quando fazia um piquete de greve em uma fábrica na capital paulista. Morto à queima roupa, virou símbolo de luta e resistência

Roberto Parizotti

Em meio a histórias e lembranças de um tempo de muita luta do movimento sindical, na tarde desta segunda-feira (28), lideranças sindicais, políticas e trabalhadores que participaram de greves nos anos 1970 e 1980 realizaram um ato em homenagem a Santo Dias da Silva, metalúrgico e líder sindical, assassinado há 40 anos pela Polícia Militar de SP.

A trajetória de Santo Dias, lembrada durante o ato organizado pelas centrais sindicais, começou nos anos 1960, quando iniciou sua atuação na Oposição Sindical Metalúrgica de São Paulo. A luta por melhores salários e condições de vida levou Santo Dias a participar também de movimentos religiosos e comunitários. O operário foi morto pela repressão da ditadura militar na tarde do dia 30 de outubro de 1979, durante um piquete na fábrica Silvania, na Zona Sul de São Paulo.

No ato em sua homenagem, realizado no Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, Santo Dias foi lembrado por antigos companheiros e por sindicalistas como um símbolo de tantos outros “heróis” que, igualmente, deram suas vidas em nome da liberdade.

Presidentes e representantes das centrais sindicais reforçaram que a luta de trabalhadores e trabalhadoras e do movimento sindical, ao longo dos tempos foi fundamental para a conquista de direitos.

Mas reforçaram que os exemplos de Santo Dias e de outros militantes devem estar sempre presentes em nossas memórias, em especial nos dias de hoje, em que esses mesmos direitos, assim como a democracia e a liberdade estão sob forte ataque do governo de extrema direita de Jair Bolsonaro (PSL).

O presidente da CUT, Sérgio Nobre, afirma que é justo o simbolismo da homenagem ao sindicalista. “Quando achávamos que tudo isso estava superado, de novo temos um presidente da República, que diz que não houve ditadura no Brasil, que faz homenagens a torturadores e assassinos, que têm desprezo pela democracia, que reprime manifestações sociais, além de destilar ódio e preconceito contra negros, LGBT´s e pobres”, afirmou.

Santo Dias, lembra Sérgio, lutou em um período obscuro, sem direitos, sem liberdade na história do Brasil, “assim como cerca de 400 outros militantes que foram torturados, presos, exilados e tantos outros que estão desaparecidos”.

Para Sérgio Nobre, a homenagem “tem papel de mostrar para a juventude e para o povo brasileiro que não podemos mais passar por isso”.

Depois de 40 anos, a gente achava que isso estaria enterrado, que seria algo a ser apenas rememorado para nunca mais voltasse a acontecer, mas vemos que está voltando- Sérgio Nobre

Sérgio Nobre, presidente da CUT/Foto: Roberto Parizotti
Movimento sindical combativo

Júlio Turra ex-membro da Executiva Nacional da CUT, conta que o assassinato de Santo Dias se deu em um momento histórico da luta sindical. “Em 1978, começou no estado de SP uma onda de greves que cresceu em 1979. A luta do companheiro Dias e sua atuação naquele momento foi fundamental para o fortalecimento da luta sindical. Se os trabalhadores construíram partidos e centrais combativos, muito se deve à luta protagonizada por líderes como Dias.

Paulo Pedrini, da Pastoral Operária, movimento do qual Dias fazia parte, afirmou que “o momento que vivemos é importante para relembrarmos histórias como a de Santo Dias e para que continuemos a nos mobilizar contra o sistema que explora a classe trabalhadora”.

O ato unificado das centrais sindicais teve o apoio do Centro de Documentação e Memória Sindical da CUT - o Cedoc.

Opressão

Participavam do piquete de greve Santo Dias e mais outros 50 operários da fábrica Silvania, no bairro Santo Amaro, em São Paulo. Testemunhas relataram aos jornais da época que duas viaturas da polícia chegaram ao local, atirando para o alto e, com palavras de ordem, ordenaram aos trabalhadores que desfizessem a manifestação. Mas os operários resistiram. Santo Dias tentou ajudar um companheiro que havia sido ‘capturado’ pelos policiais, quando foi alvejado com um tiro no abdome. Ele morreu a caminho do Pronto Socorro.

A polícia manteve retido o corpo de Santos Dias, o que aumentou não somente a indignação dos trabalhadores, mas também reforçou a mobilização em um grande protesto contra a morte do sindicalista. O corpo só foi liberado um dia depois, com a intervenção de outras lideranças sindicais e parlamentares.

O velório foi realizado no cemitério da Consolação na manhã do dia 1°de novembro de 1929. De lá, em passeata com cerca de 30 mil trabalhadores e trabalhadoras, revoltados contra a ação da Polícia Militar, o caixão com o corpo de Santo Dias foi levado à Catedral da Sé, onde o arcebispo Dom Paulo Evaristo Arns, amigo de Santo Dias, realizou uma missa de corpo presente.

ReproduçãoEdição do Jornal "O Trabalho" de 1° de Novembro de 1979

 

Santo Dias foi enterrado no cemitério de Campo Grande, Zona Sul de SP. Sua história foi eternizada com a criação do Comitê Santo Dias, que na época pressionou a justiça pela condenação do soldado Herculano Leonel, acusado de atirar no sindicalista.

O nome de Santo Dias está em ruas da capital paulista, além de um parque na Vila San Remo e uma ponte sobre o rio Pinheiros na zona Sul da cidade.

O Centro de Defesa dos Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo também leva seu nome. Santo Dias era membro da Pastoral Operária de São Paulo.

Ele tinha 37 anos quando foi assassinado, deixando esposa e dois filhos.

O policial militar Herculano Leonel foi condenado em 1982 a seis anos de prisão, mas recorreu e o processo foi arquivado. Segundo reportagem do extinto jornal Notícias Populares, republicada em 2015 pela Folha de SP, pouco mais de um ano após a condenação, o autor do disparo foi absolvido pelo Tribunal de Justiça Militar do Estado de São Paulo.