Ignorando riscos à saúde, ruralistas querem envenenar ainda mais os brasileiros
Pesquisa da Universidade Federal do Ceará traz dados alarmantes sobre o uso de agrotóxicos. Ainda assim, parlamentares da bancada do agronegócio não se importam por contaminar a população
Publicado: 19 Junho, 2018 - 18h09 | Última modificação: 20 Junho, 2018 - 11h04
Escrito por: Érica Aragão
Enquanto uma Comissão Especial da Câmara dos Deputados discutia a ampliação do uso dos agrotóxicos no Brasil, na manhã desta terça-feira (19), a professora da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Ceará (UFC), Ada Cristina Pontes Aguiar, questionava preocupada: “Se com a proibição do uso dos agrotóxicos os fazendeiros usam veneno nas plantações matando e deixando milhares de brasileiros doentes, imagine se o uso for liberado?”.
A própria médica, que fez um estudo mostrando que o agrotóxico é responsável pela má formação congênita e pela puberdade precoce, respondeu com firmeza ao próprio questionamento: a saúde do povo estará condenada.
Enquanto isso, na Câmara, por pressão dos deputados da bancada progressista, a sessão de votação do Projeto de Lei 6.299/02 foi adiada para esta quarta-feira (20). Este projeto, mais conhecido como Pacote do Veneno, flexibiliza um conjunto de dispositivos relacionados à produção, comercialização, controle, inspeção e fiscalização do uso de agrotóxicos.
A CUT e mais de 300 organizações da sociedade civil, intelectuais, médicos, artistas, representantes da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) e da FioCruz, entre outras entidades também foram essenciais na luta contra o Pacote do Veneno.
“Os 77% de ruralistas da comissão especial não se intimidaram e só não terminaram o trabalho sujo de aprovar a Lei porque a sessão teve que ser suspensa”, disse o secretário Nacional do Meio Ambiente da CUT, Daniel Gaio, explicando que isso ocorre devido a obstrução feita por parlamentares comprometidos com a saúde dos brasileiros e brasileiras.
Sobre os impactos do veneno na vida da população
O Brasil é o país que mais usa o agrotóxico desde 2008 e além de causar má-formação e puberdade precoce, também pode ser responsável por casos de câncer, infertilidade, doenças neurológicas, autismo, problemas hormonais de forma geral, abortamento, prematuridade e até a morte.
A conclusão está no estudo “Más-formações Congênitas, Puberdade Precoce e Agrotóxicos: Uma herança Maldita do Agronegócio para a Chapada do Apodi”, feito pela Faculdade de Medicina da UFC, que teve como principal objetivo investigar as relações entre os casos de más-formações congênitas e puberdade precoce, ocorridos na comunidade cearense de Tomé, na Chapada do Apodi, e as exposições ambientais e ocupacionais aos agrotóxicos nessa localidade.
“A comunidade está muito suscetível ao uso do agrotóxico. De 2014 para cá, dos 2500 habitantes, cinco crianças foram diagnosticadas com má formação congênita e três com puberdade precoce”, contou a professora Ada, que completou: “É um número muito elevado. Muitas pessoas correm risco de contaminação pelos alimentos, pela terra, pela água e pelo ar, já que são aviões que espalham o veneno pela cidade”.
A professora diz que se surpreendeu com o resultado toxicológico no sangue e urina das famílias entrevistadas e da coleta da água de consumo na região durante a pesquisa.
“Foi encontrado organoclorado, tipo de inseticida cuja exposição contínua pode gerar graves lesões à saúde humana, em crianças de 2 e 3 anos. Esse produto químico é proibido no Brasil desde a década de 80. É um tipo de agrotóxico muito persistente no organismo e pode permanecer no corpo silenciosamente por anos e passar para as crianças no aleitamento materno”, explicou Ada.
Para a secretária Nacional da Saúde do Trabalhador da CUT, Madalena Margarida da Silva, este estudo só comprova, agora à luz da ciência, o quanto esses produtos químicos fazem mal para saúde.
“Não é de agora que denunciamos a associação dos agrotóxicos com inúmeros problemas de saúde como, câncer, DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica), depressão, dermatoses, alergias, recorrência de abortamentos espontâneos e má formação fetal congênita”, disse Madalena, que destacou a ação para fortalecer e ampliar a luta conta o uso dos agrotóxicos no Brasil: “Além de promover a produção de alimentos produzidos de forma agroecológica, buscaremos sensibilizar cada vez mais a sociedade para o consumo consciente na luta pelo seu banimento e alertar os trabalhadores e as trabalhadoras do campo sobre seus impactos a saúde”.
A política brasileira e o uso do veneno sem controle
A médica Ada Cristina Pontes Aguiar, da Universidade Federal do Ceará, critica o modelo produtivo brasileiro e sugere mais impostos para o agronegócio.
“O poder econômico predomina e dita os rumos do nosso país. Infelizmente vivemos numa conjuntura com grande fortalecimento do setor do agronegócio, modelo adotado por este governo. Tem estados que, por fortalecer este tipo de modelo produtivo, têm 100% de isenção nos impostos”.
CITAÇÃO “É um absurdo isentar um modelo que polui e contamina, deveria na verdade é ser sobretaxado como o cigarro”
A Chapada do Apodi, que fica na divisa do Ceará com Rio Grande do Norte, junto com a Serra da Ibiapaba e o Cariri, é uma das três regiões do Ceará onde o uso de defensivos agrícolas é mais intenso. Isso porque a agricultura irrigada, em especial a fruticultura, são bastante desenvolvidas na região, onde o agronegócio manda e desmanda.
Francisco Agnaldo de Oliveira Fernandes, presidente do Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras Rurais de Apodi, que fica do lado do Rio Grande do Norte, disse que desde que o agronegócio começou a se instalar em Apodi o uso do veneno é sem controle.
“Muitos trabalhadores já me disseram que quando a fiscalização aparece as empresas mandam os funcionários esconderem os venenos em outros lugares”, denuncia.
Ele também critica a justificativa dos empresários ligados ao agronegócio que diz que os trabalhadores mexem com o veneno com equipamentos de segurança.
“O que adianta o funcionário que faz a aplicação do veneno usar roupas e máscara ideal para proliferar o agrotóxico e o camponês que faz a colheita não usar?”
Além de dizer que muitos médicos estão sendo coniventes com os empresários e não divulgam o aumento crescente de pessoas doentes pelo uso do veneno, Agnaldo também afirmou que há relatos diários nos postos de saúde de pessoas contaminadas. “Tem muita gente com depressão e câncer na região”.
Agricultura familiar como modelo ideal
É bom lembrar, que o agronegócio lucra trilhões com 100% da sua produção sendo exportada, mas, quem garante 70% dos alimentos na mesa dos brasileiros é a agricultura familiar.
Segundo Agnaldo, as famílias que produzem e vivem da agricultura são conscientes dos problemas que o veneno causa.
“Além da morte do trabalhador, o veneno mata a terra, a água, o ar”, afirma o presidente do Sindicato dos Trabalhadores e das Trabalhadoras rurais de Apodi.
Quase 50% da população de Apodi trabalha no campo, segundo o último Censo do IBGE. A cidade é a maior produtora de arroz vermelho, feijão, milho, mel, hortaliças e aves, tudo vindo da agricultura familiar. Mas segundo Agnaldo, o governo dá mais subsídio para o agronegócio.
“As outorgas para o uso de água tem tratamento diferente. É muito mais fácil os empresários conseguirem do que a agricultura familiar”.
O sindicalista diz ainda que “pra nós é uma vergonha grande, um ataque tremendo ao modo e o respeito da vida. As empresas internacionais vêm em nossas comunidades exploram, envenenam, enriquecem e depois vão embora”.