Igrejas e instituições filantrópicas querem dinheiro do Fundeb para escolas privadas
Confederação dos Trabalhadores em Educação alerta que usar parte do fundo em instituições religiosas, comunitárias e filantrópicas pode tirar milhões de alunos da rede pública
Publicado: 15 Outubro, 2020 - 08h45 | Última modificação: 15 Outubro, 2020 - 08h52
Escrito por: Érica Aragão e Marize Muniz
Depois de mais de um ano lutando para que o Congresso Nacional aprovasse o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) permanente, e ainda lutando pela regulamentação, professores e defensores da educação pública e de qualidade estão se preparando para impedir que os recursos do fundo sejam desviados seja para programas eleitorais do governo de Jair Bolsonaro (ex-PSL) ou para escolas particulares de instituições religiosas e filantrópicas.
Primeiro Bolsonaro tentou destinar 5% do Fundo, R$ 8 bilhões ao ano, para criar o Renda Cidadã, programa que vai substituir o Bolsa Família. Isso prejudicaria 17 milhões de crianças da educação básica do país. A reação contrária fez o governo recuar.
Agora, parlamentares aliados ao governo de bancadas como a evangélica decidiram pressionar o Congresso para conseguir um percentual das verbas do fundo para suas escolas, que não são públicas.
O desvio dos recursos para essas escolas pode impactar negativamente a vida de milhões de alunos e alunas da escola pública e promover uma grande evasão escolar, avaliar o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), Heleno Araujo.
“Além de manter uma situação, em que mais de 1 milhão e meio de pessoas de 4 a 17 anos fiquem fora da escola, esta pressão mesquinha para garantir ocupação e pegar dinheiro público também vai afetar os alunos e alunas já matriculados”, critica o dirigente.
“Se tirar recursos da escola pública para colocar nestas instituições privadas, não será possível garantir condições adequadas para a permanência dos nossos estudantes nas escolas e isso vai promover uma evasão escolar escandalosa”, complementa.
Dinheiro público não pode ir para as escolas que sejam privadas, mesmo sem fins lucrativos, dinheiro público tem que ir para escola pública. Não podemos aceitar esta aberração, vamos lutar até o fim.
Congresso discute regulamentação
Aprovado em agosto, o Fundeb precisa ser regulamentado, ou seja, precisa que sejam definidos detalhes legais e técnicos que garantirão que os recursos cheguem de fato aos estados e os municípios a partir de janeiro de 2021. Esse processo é necessário porque a lei que regulamenta o atual Fundeb (11.494, de 2007) perde a validade em 31 de dezembro.
Por isso, tanto o Senado quanto a Câmara discutem projetos que assegurem a execução dos objetivos do fundo no ano que vem. Entre os pontos pendentes de regulamentação estão o repasse dos 10,5% do valor aluno ano total (Vaat), destinado às escolas de municípios pobres e bairros periféricos, e as partilhas de 2,5% entre estabelecimentos que melhorarem seus indicadores e de 15% para investimento em infraestrutura. E é aí que entra a briga para colocar a mão em parte dos recursos.
Se na construção do PL que regulamentará o Fundeb as verbas pedidas pelas igrejas e filantrópicas forem aprovadas, vai continuar crescendo o número de adultos sem concluir a educação básica e o desenvolvimento do país pode ser ainda mais prejudicado, alerta Heleno Araújo.
Para o presidente da CNTE, representantes destas instituições precisam mudar o foco e lembrar que 1% da população concentra renda neste país e a luta deve ser para taxar grandes fortunas e heranças e acabar com a Lei do governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), que não cobra impostos de quem tem lucros e dividendos, e não tentar cortar caminho tirando dinheiro da educação pública para colocar nestas escolas que não são públicas de direito do cidadão.
Heleno acredita que, nos bastidores, esta medida, inspirada em Bolsonaro e seu ministro da Economia, o banqueiro Paulo Guedes, não vai ganhar força dentro do parlamento. O dirigente afirma que a maioria da Câmara e do Senado é contra esta proposta.
“Vamos continuar no processo de mobilização, de pressão necessária e vamos apresentar as nossas observações ao relator do PL e trabalhar muito forte para ele não aceitar essas emendas no relatório da Deputada Dorinha, que tem poucas coisas pra serem alterados”, disse Heleno, se referindo a proposta inicial da Deputada Dorinha Seabra (DEM-TO), aprovada pelo Congresso Nacional. Confira detalhes aqui.
Sobre o PL que vai regulamentar o Fundeb
Existem dois projetos em tramitação no Congresso Nacional para regulamentar o Fundeb. Um na Câmara dos deputados (PL 4372/20) e outro no Senado (PL 4519/20), mas, por enquanto, ambos estão parados.
Nos últimos dias surgiu a informação de bastidores de que o deputado Felipe Rigoni (PSB-ES) deva ser indicado pra relatoria na Câmara, mas ainda não é oficial. O site da câmara não indicou a relatoria até agora.
“O possível relator já está procurando os partidos e fazendo as conversas e nós vamos procura-lo também para apresentar as emendas necessárias e exigir a manutenção daquilo que for preciso”, disse Heleno Araújo, presidente da CNTE.
“Nas próximas duas semanas talvez já seja apresentada alguma proposta e vamos lutar para que ele [o relator] não ceda a pressão destas instituições e tire dinheiro público e coloque na mão do setor privado. E como as comissões ainda não voltaram ao trabalho é bem possível que o PL vá direto para o plenário para apreciação do conjunto de parlamentares”, completou o dirigente.