Escrito por: Luiz Carvalho
Para presidente do Ipea, linha de frente do golpe não percebe que defende armadilha
Presidente do Ipea ressalta mídia teve papel fundamental para vender golpe com embalagem de vitória da democracia
Misture no mesmo caldeirão complexo de inferioridade, o chavão de que o Brasil é um lugar de corrupto e dê às pessoas uma causa que não é delas, mas parece ser uma batalha justa e capaz de ‘limpar’ um país. Pronto, está construído um cenário favorável à manipulação e que resultará, ironicamente, num golpe contra os direitos de quem o defende.
A avaliação é do presidente do IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), Jessé Souza, que na última sexta-feira (8) recebeu o Portal da CUT para uma entrevista.
Para ele, a construção desse cenário de luta pela moralidade envolve um trabalho sedutor e constante dos meios de comunicação, que só podem ser combatidos por movimentos organizados a partir das bases.
O senhor tem rebatido a ideia de que a luta pelo impeachment, com o argumento de combate à corrupção não é um exemplo de cidadania. Por que não seria?
Jessé Souza – Criou-se no Brasil uma ideia, que é muito falsa, a partir de uma espécie de complexo de inferioridade entre nós, de que o brasileiro é potencialmente corrupto. Como se não houvesse jeitinho nos Estados Unidos, como se você sendo sobrinho de um senador lá sua vida não estivesse resolvida. A última crise dos EUA mostrou que havia maquiagem de balanço de empresas, houve mentiras, fraudes. A corrupção é um dado do capitalismo, do mercado.
Há dois ou três anos, corrupção era aquilo cometido por agentes do Estado. A lei é feita pelos mais ricos, Foucault dizia que, a partir do momento em que o capitalismo se instala, o crime passa a ser algo cometido pelo pobre. É o cara que bate carteira, rouba galinha do vizinho, mas se você acaba com a economia de um país inteiro, como aconteceu com Argentina, Tailândia, Malásia e quase aconteceu com o Brasil, esse cara ganha uma capa na Time como um grande financista. Mas se pensarmos bem, com a nossa cabeça e não da mídia, quem é o grande criminoso, o corrupto? A ideia de que a corrupção acontece no Estado é para nos fazer de tolos. Você diz que ela é feita no Estado e as pessoas prestam atenção só no Estado, especialmente quando está sendo ocupado por partidos de esquerda. Foi só aí que virou problema para nós. Getúlio, em 1954, Jango, em 1964 e Lula e Dilma agora. Isso não é acaso. O único ponto fora de curva foi Fernando Collor de Mello que conseguiu em 24 horas colocar toda a sociedade contra ele ao confiscar a poupança.
Nos casos de normalidade, as acusações de corrupção são seletivas. Não é corrupção quando os ricos no Brasil não pagam impostos e fazem evasão em paraísos fiscais? É muito mais dinheiro que qualquer esquema já descoberto. Temos a maior taxa de juros do mundo, tudo que compramos traz isso embutido e significa que todos os trabalhadores estão pagando juros para meia dúzia de banqueiros. Isso é corrupção? Para mim é, mas é legal, porque esse pessoal compra deputados, partidos inteiros para que nunca passem leis que são ruins para eles.
A elite do dinheiro é a verdadeira elite porque ela compra todas as outras, a política, a intelectual, os jornais para dizer o que quiserem. E é essa elite que está a pleno vapor e em pleno funcionamento para vampirizar a sociedade sem nenhum plano para o país. O plano é o de sempre, entregar a riqueza de todos para meia dúzia de amigos, estão querendo fazer isso com a Petrobras, e quebrar direitos dos trabalhadores, porque acham que estão ganhando muito bem com a valorização do salário mínimo. Assim que assumirem o poder, e não é preciso ser nenhum profeta, vão quebrar a CLT. Isso é corrupção e não podemos deixar nos fazerem de imbecis.
Mas como se constrói o apoio popular a uma ideia que não faz parte da realidade da maioria da população?
Souza – A mídia tem um papel muito importante nisso, porque não temos uma mídia plural, que traz opiniões divergentes, como na Alemanha, França, onde qualquer programa de TV mostra debates em que há pessoas defendendo diferentes pontos de vista. Por aqui isso não existe, vivemos com uma mídia ditatorial, não podemos ter debate público efetivo. Democracia não é só voto, é voto com consciência e você só consegue montar sua opinião sobre o assunto quando tem opiniões divergentes e distintas.
No campo da ideologia, no Brasil, a história de que a corrupção só tem a ver com o Estado e partidos de esquerda é comprada por muitos de nossos intelectuais. O pessoal que criou a USP, como Sérgio Buarque, influencia. As ideias dele não são importantes porque as pessoas começaram a ler os livros que escreveu, mas porque o programa do PSDB é completamente baseado nele, a influência chega até o PT, porque a esquerda não tem uma narrativa própria. A imobilidade da esquerda hoje que fica só apanhando tem a ver com a ausência da construção de uma contranarrativa sobre o Brasil ser naturalmente corrupto.
E só interessa demonizar o Estado aos muito ricos, porque podem se beneficiar de um modelo monopolista, oligopolista e muito caro. Às outras classes não interessa, porque é por meio dele que você tem um mínimo de acesso à saúde e educação. A classe média também é feita de tola, porque precisa da universidade pública, ao contrário do filho do rico. Quando o plano de saúde não paga uma operação difícil, é o SUS quem custeia o tratamento.
Além disso, há uma parte da classe média que é muito conservadora e sempre teve raiva de pobre. Nós não viemos de Portugal, viemos da escravidão, que não existia em Portugal. E escravidão significa desprezo e raiva dos pobres. Existem políticas públicas informais entre nós de matança indiscriminada dos pobres. Não porque a polícia é ruim, mas porque tem apoio político da classe média. E esse pessoal passou a ter raiva do povo começando a comprar, frequentando o mesmo shopping, ficava dizendo que aeroportos tinham virado rodoviária, onde ficavam falando alto. Esse pessoal odeia pobre, mas não podia dizer isso porque pegava mal, mas quando você monta algo dizendo que o governo que ajudou os pobres é corrupto, esse cara pode até ter orgulho do ódio dele guardado que não poderia expressar. Ele pode odiar o pobre odiando o governo que o representou, os fascistas da classe média, que estão montados no ódio e acreditam ser os donos da moralidade e fazer a limpeza ética no país. A gente não pode se deixar fazer de imbecil pela mídia, há interesse econômico por trás do discurso.