Escrito por: Rosely Rocha
Ameaças ao bioma da caatinga, violência, tráfico de drogas, exploração sexual e contratos sigilosos de arrendamento de terras por longos anos, entre outras mazelas, mostram o outro lado da “energia limpa”
A implantação de parques eólicos para as chamadas energias renováveis tem um lado extremamente prejudicial para a população do Nordeste, especialmente a do Rio Grande do Norte, estado onde a maioria dos equipamentos está sendo instalado, denunciam moradores dessas regiões e entidades civis que lutam contra a degradação do meio ambiente, por justiça social e direitos dos agricultores familiares.
Diante das fortes denúncias o Portal da CUT ouviu diversos representantes desses movimentos e de agricultores que explicam como a instalação de equipamentos de energia renovável tem prejudicado as plantações, a qualidade de vida, poluído o meio ambiente, e levado a esses locais o tráfico de drogas, a exploração sexual de crianças e adolescente e outros crimes.
Nesta segunda reportagem da série foram ouvidos o presidente da CUT-RN, Francisco Irailson Nunes Costa e o secretário de Política Agrícola da Federação dos Trabalhadores Rurais, Agricultores e Agricultoras Familiares do estado do Rio Grande do Norte (FETARN) e também secretário de Administração e Finanças da CUT-RN, Jocelino Dantas Batista. A Secretaria de Políticas Sociais e Direitos Humanos da CUT Nacional em parceria com a CUT-RN tem feito uma série de debates e conversas com a população local e entidades civis sobre a situação da população diante da instalação desses parques eólicos.
O secretário de Política Agrícola da FETARN, diz que a produção das eólicas, com uma perspectiva de energia limpa, não tem levado em consideração os impactos sociais, ambientais e econômicos sobre as comunidades rurais, os agricultores e agricultoras familiares, os quilombolas e as comunidades tradicionais.
“As comunidades que estão ao redor desses empreendimentos não estão sendo ouvidas pelos governos estadual e federal. Nós temos problemas ambientais causados pelo desmatamento da caatinga, um bioma importante para o Nordeste assim como é a Amazônia. Esses problemas estão sendo tratados como pequenos e secundários, mas para nós são sérios e deveriam ser levados em consideração”, diz Jocelino.
O dirigente conta que tanto o governo estadual como o federal não têm ouvido as demandas dos verdadeiros donos das terras, os agricultores e as agricultoras. Ele ressalta que as entidades e a população não são contra a energia renovável, mas é preciso que o atual modelo passe por modificações para que não prejudique a saúde de quem lá vive e a produção de alimentos.
“Nas regiões de Mato Grande, Seridó e Mossoró onde estão a maior concentração das eólicas, vive a maioria dos agricultores familiares com produção de melancia, melão, algodão, feijão, macaxeira e milho, entre outros alimentos, e para a instalação de eólicas é preciso fazer estradas, desmatar e implodir áreas para montar a área da torre que tem uma profundidade de 20 metros”, diz.
“Quando a gente olha só o ambiental. São centenas e centenas de desmatamento de hectares de terra que são autorizados por órgãos governamentais, como não tivessem impacto no meio ambiente por produzirem uma ‘energia limpa’. Para produzir energia renovável as empresas precisam desmatar e aí como é que fica a árvore que filtra o ar. Então, é contraditório”, observa Jocelino.
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O presidente da CUT-RN, concorda que a situação é muito complexa e que é preciso fazer o máximo de articulação política no sentido de buscar amenizar os impactos aonde esses empreendimentos já estão instalados.
“Estamos tentando diminuir danos futuros. Esse tem sido a nossa principal linha de atuação hoje no estado do Grande Norte”, diz Francisco Irailson.
Contratos sigilosos e não cumpridos
Os contratos feitos entre as empresas e os proprietários de terra é um dos principais problemas onde os parques eólicos são instalados. A maioria é sigiloso e muitas vezes os proprietários não percebem que as ofertas verbais não se materializam nos contratos, com cessões da terra que chegam a 50 anos.
“Por falta de uma lei que regulamente a instalação das eólicas, o assédio das empresas é grande junto aos assentados da reforma agrária. Os donos dessas terras acabam recebendo menos de um salário mínimo e não podem mais entrar para produzir”, afirma Jocelino.
Para tentar contornar esse assédio, os dirigentes sindicais têm conversado com os agricultores demonstrando os enormes prejuízos que terão caso caiam no que chamam de ‘canto da sereia’.
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“Nós fomos até a Baixa da Quixaba, em São Bento do Norte e as empresas estavam apresentando um pré-contrato e prometendo a esses assentados que se eles assinassem eles iriam conseguir o título da terra. O assédio por parte desse empreendimento é muito forte, e os assentados e os agricultores sem conhecimento acabam sendo ludibriados”, conta o presidente da CUT-RN.
Segundo Francisco Iranildo, após a reunião eles conseguiram impedir que os agricultores assinassem os pré-contratos.
“O departamento jurídico da CUT local e da nacional, conseguiu revisar o contrato e apresentar para eles os danos que aquele pré-contrato poderia trazer a eles mesmos”, conta.
O maior entrave para conseguir com que os agricultores não assinem esses pré-contratos é a ilusão de que ao arrendar as suas terras eles terão a titulação.
“Vamos marcar uma reunião com o superintendente do INCRA para saber como fica essa questão dos títulos das terras, porque sem os títulos das terras eles não conseguem acessar muitos programas do governo federal. Então, essa tem sido a promessa das empresas que a gente sabe que não é bem assim”, afirma o presidente da CUT-RN.
Problemas sociais
Os problemas sociais também preocupam os dirigentes da CUT. Segundo Jocelino, há aumento da violência, de arrombamentos e da incidência de drogas ilícitas, além de problemas de saúde e de exploração sexual de crianças e adolescente porque chegam a essas instalações pessoas de outros lugares para trabalhar, fazendo com que haja um movimento muito maior, chamando a atenção de criminosos.
“E nós temos aqui um grande problema que são os ‘filhos do vento’, crianças nascidas de relacionamentos entre trabalhadores de fora e as mulheres, muitas adolescentes, dessas localidades. E esses homens não assumem a paternidade deixando a criança e a mão desamparadas”, critica. Filhos do vento se refere ao fato dos parques eólias serem instalados em localidades em que batem fortes ventos, o que é ideal para o seu funcionamento.
Todos esses problemas estão sendo debatidos pela CUT e entidades civis para que sejam propostos novos caminhos, com mesas de diálogo com os governos federal e estadual, para a instalação da energia renovável no país.
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*Colaboração: Concita Alves / CUT-RN