Indústria quer reduzir custos com planos de saúde e SUS só para pobres
Setor reivindica uma saúde privada mais robusta, às custas de um SUS encolhido e sugere diretrizes que excluem a regulamentação de empresas que vendem produtos nocivos, como alimentos ultraprocessados
Publicado: 01 Julho, 2022 - 16h08 | Última modificação: 01 Julho, 2022 - 16h14
Escrito por: RBA
Pelo conjunto de propostas entregues esta semana aos presidenciáveis, a indústria defende que subsídios aos planos de saúde estejam no centro das políticas do governo federal e o SUS seja encolhido, para atender apenas os mais pobres. Na agenda da Confederação Nacional da Indústria (CNI) – clique aqui para acessar – essa prioridade fica bem explicitada na descrição dos gastos das empresas com saúde privada. Em 2021, foram desembolsados mais de R$ 60 bilhões com planos de saúde para trabalhadores, uma estimativa a partir do menor valor dos contratos coletivos.
O documento menciona estudo do Serviço Social da Indústria (Sesi), que aponta quase 11 milhões de clientes de planos mantidos pelo setor. E que os planos de saúde representam uma média de 13% da folha de pagamento.
Um custo relevante para as empresas em geral, que tende a ser particularmente significativo no caso da indústria, em virtude de sua elevada participação nos planos privados de assistência à saúde”, diz trecho do documento. O mesmo levantamento mostrou ainda que o custo foi apontado por 61% das empresas como principal razão para não oferecer tal benefício aos seus trabalhadores.
Planos de saúde no lugar do SUS
Professor da Faculdade de Medicina da USP e especialista em saúde privada, Mário Scheffer considera que a CNI “alça os planos privados à categoria de ‘sistema”. Assim, deve ela própria regular o mercado de saúde suplementar. E que “vislumbra a atuação estatal, por meio do SUS, à assistência especialmente às famílias de baixa renda.
Isso porque, ainda que no custo total da produção a participação da despesa com pessoal seja inferior à de outros itens – matéria prima, energia e tributos – os planos de saúde pesam no processo industrial. Ainda mais com os reajustes anuais, acima da inflação. “Tal custo é subtraído de salários e embutido no preço dos bens produzidos. A conta é paga indiretamente pelos consumidores”, diz em seu blog Política&Saúde, no site do Estadão.
“Um SUS maior, universal e de qualidade, liberaria recursos para a indústria melhorar os salários que paga, diminuiria o preço dos produtos que fabrica, fazendo aumentar o consumo como um todo, alavancando a economia. Incrivelmente, porém, o SUS está fora do radar da CNI”, diz Scheffer.
Nessa perspectiva de centralidade da saúde privada, com mais incentivos para atender aos empresários, o SUS, dos pobres, seria “aproveitado” apenas em eventuais “sinergias” ou “parcerias”. Por exemplo, na “integração entre a atenção primária do SUS, a saúde suplementar e as iniciativas de saúde do trabalhador desenvolvidas pelas empresas”.
Diretrizes bolsonaristas
Dentre as “inovações” ao novo sistema sugeridas pela CNI aos presidenciáveis, Scheffer destaca a ampliação do uso da telemedicina. E também o compartilhamento de dados clínicos de pacientes pelas empresas, além do pagamento de médicos e hospitais baseado em resultados. E não mais em procedimentos realizados.
“Se a primeira parte da reforma proposta for atendida, que consistiria na redução dos custos das empresas com saúde privada, supõe-se que o novo modelo será fortemente subsidiado com recursos públicos”, acredita.
Scheffer critica também o fato de os donos das indústrias desprezarem as determinates sociais no surgimento de doenças que causam faltas ao trabalho (absenteísmo). E também o presenteísmo – quando o trabalhador está presente, mas não consegue ser tão produtivo como antes. “Numa solução para lá de retrógrada, como adotar o uso do carvão, defendem apenas ‘mudanças de estilo de vida'”.
E comenta: “Não por acaso, uma das propostas da CNI é implantar uma política do governo Bolsonaro: ‘Enfrentamento das Doenças e Agravos Não Transmissíveis no Brasil (2021-2030)’. Um plano, diga-se de passagem, que exclui a regulamentação das práticas e atividades de indústrias que vendem produtos nocivos à saúde e ao meio ambiente. É o caso de alimentos ricos em sódio, açúcar, gorduras, ultraprocessados, agrotóxicos, álcool e tabaco. “Na melhor das hipóteses, a simplificação da promoção da saúde e da prevenção de doenças denota pouco ou nenhum contato com a ciência.”