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Infectado, Bolsonaro ganha o mundo como o líder que desprezou a pandemia

Nem na posse, em janeiro de 2019, o presidente do Brasil obteve tanta repercussão de sua imagem, com reprodução de suas fotos ontem em dezenas de capas de jornais no país e no mundo

Publicado: 08 Julho, 2020 - 14h13 | Última modificação: 08 Julho, 2020 - 14h22

Escrito por: Agência PT

Reprodução
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O anúncio de Jair Bolsonaro de que contraiu o Covid-19 é manchete dos três principais jornais brasileiros – Folha, Estadão e O Globo – e está na capa de dezenas de diários impressos no país e no mundo. Poucas vezes a foto de um presidente brasileiro ganhou as capas dos principais jornais do planeta de maneira simultânea como ocorre nesta quarta-feira, 8 de julho. Financial Times, New York Times, Wall Street Journal, Chicago Tribune, El País, La Nación, Clarin e Página 12 – que dá manchete para a ‘gripezinha’ do presidente – são alguns dos periódicos que estampam a imagem do brasileiro anunciando ter testado positivo.

Veículos estrangeiros lembram que o presidente sempre menosprezou a pandemia, que colocou o país no meio de uma das maiores crises de coronavírus do mundo, com mais de 65.000 mortes pela doença. E apontam que Bolsonaro agora estaria fazendo uso da hidroxicloroquina como medicamento para tratar a doença, apesar da ressalva de que a eficácia do remédio não estar comprovada cientificamente.

O jornal inglês The Guardian lembra que o presidente brasileiro de extrema-direita banalizou repetidamente a pandemia. No site do francês Le Monde, a notícia de que Bolsonaro diz ter contraído o Covid era a mais lida até o fechamento da edição deste briefing, ressaltando que “desde o início da pandemia, Bolsonaro minimizou a doença e participou de eventos públicos sem usar máscara”.

O Financial Times – que trouxe também a foto de Bolsonaro na capa da edição desta quarta – aponta que o diagnóstico positivo faz do ex-capitão do exército um dos poucos líderes mundiais a contrair a doença, incluindo Boris Johnson no Reino Unido. “Bolsonaro há muito nega a seriedade da pandemia e participa de numerosos comícios e eventos frequentemente sem precauções, como usar uma máscara”, destaca o texto. “Ele descreveu a doença como um mero ‘resfriadinho’ e disse uma vez: ‘O vírus está lá. Precisamos encarar isso como um homem’”.

Nas agências internacionais de notícias, Reuters relata que Bolsonaro minimizou repetidamente a gravidade do coronavírus e resistiu a medidas para mitigar sua disseminação. Nesta segunda-feira, o Brasil registrou 1.623.284 casos totais de coronavírus e 65.487 mortes atribuíveis ao vírus. A France Presse diz que, mesmo contaminado, “o presidente continua negando a gravidade da pandemia”, que “já matou mais de 65 mil pessoas em seu país” e tem “1,6 milhão de casos registrados”.

A Associated Press também observa que, durante meses, Bolsonaro flertou com o novo coronavírus, desdenhando o distanciamento social e incentivando multidões durante passeios na residência presidencial, muitas vezes sem máscara. “Ele minimizou o risco representado pelo Covid-19”, aponta despacho da agência americana. “E anunciou que testou positivo para o vírus, tornando-o um dos mais de 1,6 milhão de brasileiros com infecções confirmadas”. A AP resgata todas as declarações do presidente desde o início da pandemia, expondo seu descaso diante da doença. O mesmo fez o colunista Bernardo Mello Franco, no Globo.

O anúncio de Bolsonaro declarando-se doente pelo Covid ocorreu no mesmo dia em que o filho dele, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), foi prestar depoimento no MP do Rio por conta do seu envolvimento em escândalo de corrupção na Assembleia Legislativa do Rio, na época em que era deputado estadual. Jornais deram pouca relevância à audiência de Flávio, que só foi ouvido agora após 18 meses da primeira convocação, por manobras jurídicas e evasivas para escapar do cerco.

Em compensação a cobertura sobre o anúncio de que Bolsonaro está doente mereceu cinco páginas na Folha, quatro páginas no Globo e três páginas no Estadão. O assunto dominante em todas as edições dos jornalões é em cima da autodeclaração de Bolsonaro de que está doente. Nenhuma reportagem chega a duvidar da veracidade das declarações do mandatário. A maior parte da cobertura destaca o fato de Bolsonaro ter se reunido com centenas de pessoas na última semana.

Em editorial, Folha diz que torce pela recuperação do presidente e que a experiência gere nova atitude: “Esta Folha deseja que, (…) depois de infectado, o presidente mude de atitude em relação à maior crise sanitária enfrentada pelo Brasil ao longo de muitas gerações”. O Globo vai na mesma linha, ao expressar que a doença pode ter um “lado educativo” para Bolsonaro. “Contaminação do presidente, militante da rejeição a precauções contra a doença, é pedagógica”.

Todos os colunistas dos principais jornais tratam da possível doença de Bolsonaro, alguns lamentando o comportamento de cidadãos desejando a morte do presidente – como Vera Magalhães, no Estadão –, enquanto outros torcem pelo Covid, que poderia livrar o país da permanência do líder da extrema-direita à frente da Presidência, como Hélio Schwartsman, na Folha: “Por que quero que Bolsonaro morra”.

O artigo de Hélio rendeu um novo movimento do ministro da Justiça, André Mendonça, contra a imprensa. Ele pediu a abertura de inquérito da PF para investigar texto do colunista, com base na Lei de Segurança Nacional, um entulho jurídico dos tempos da ditadura militar. Em nota de duas linhas, a Folha apontou que “o colunista emitiu uma opinião; pode-se criticá-la, mas não investigá-la”.