Escrito por: Vanessa Ramos, CUT São Paulo

Intercâmbio de dirigentes da CUT no Japão fortalece relações internacionais

Sindicalistas de outros países latino-americanos também compartilharam suas experiências

Willian Kato/ Jilaf
Visita à Sanyo Tokusyu Tekko Factory

De volta ao Brasil, sindicalistas CUTistas fazem uma pausa para relatar a experiência de intercâmbio no Japão entre os dias 13 e 20 de julho. A Japan International Labour Fundation (Jilaf), fundação ligada à Rengo, a Confederação Japonesa de Sindicatos, organizou a atividade que reuniu brasileiros, colombianos, mexicanos, chilenos e argentinos.

O intercâmbio permitiu observar, segundo a bancária e secretária de Comunicação da CUT São Paulo, Adriana Magalhães, o modelo de organização sindical construído no Japão após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). 

“Nasceram sindicatos e houve um pacto social para a reconstrução do país que envolveu três principais aspectos legais: a reforma agrária, a proibição de monopólio e o estabelecimento de direitos aos trabalhadores”, afirma.

Mas, ao mesmo tempo em que o movimento sindical teve papel fundamental no país no pós-guerra, como explica Adriana, novas formas de acumulação de capital também foram sendo ensaiadas com mudanças no sistema de produção como o toyotismo, a introdução por meio da contratação part-time e a terceirização.

“O que impõe ao sindicalismo japonês e ao governo uma fiscalização permanente e autuação das empresas que descumprem com a lei.”.

Entre as situações que hoje preocupa o movimento sindical japonês está o número de trabalhadores não regulares. Dados do Ministério dos Assuntos Gerais do Japão, de 2016, mostram que existem 20,2 milhões de trabalhadores nesta situação, ocupando 37,5% do total de trabalhadores formais. As mulheres representam 13,7 milhões neste universo de trabalho informal.

Willian Kato / JilafAdriana e Leandro em debate com sindicalistas japoneses

 

No mesmo ano, a Rengo realizou uma pesquisa em que 10% dos trabalhadores não regulares já reduziram até mesmo número de refeições por dia, por causa da dificuldade financeira. Essa pesquisa foi possível mediante a criação de um Centro de Consulta Trabalhista nacional na sede da entidade para receber e dialogar com os trabalhadores não organizados por meio de sindicatos.

“É perverso o que vive parte dos trabalhadores japoneses. É exemplo que justifica nossa luta no Brasil contra a terceirização da mão de obra e, agora, o chamado trabalho intermitente”, critica o secretário-geral do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), Leandro Oliveira, se referindo à reforma trabalhista, aprovada durante o governo ilegítimo de Michel Temer (MDB), que alterou mais de 200 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho.

Para Adriana, a ideia de um Centro de Consulta Trabalhista foi uma estratégia acertada da Rengo. “Neste sentido temos muito que aprender com os japoneses”, afirma.

 Horas em excesso

Se de um lado, porém, o Japão apresenta problemas como este apontado acima, de outro a jornada de trabalho formal é de 40 horas semanais, como recomenda a Organização Internacional do Trabalho (OIT), braço das Nações Unidas nesta questão, ou seja, menor do que a jornada no Brasil, que hoje é de 44 horas.

“A redução da jornada também sempre foi uma de nossas lutas no país. No Japão, isso é mais avançado, sim, mas eles ainda precisam enfrentar as horas extras permitidas por lei, já que existe uma cultura de excesso de trabalho construída”, diz Adriana.

A dirigente se refere ao fenômeno conhecido como Karoushi, que é a morte por excesso de trabalho. Tanto Adriana como Leandro relatam que em anos recentes no Japão, a deterioração da saúde mental e física dos trabalhadores pelo excesso de trabalho tem sido um grave problema social. O governo passou a realizar pesquisas sobre o tema e percebeu que as longas horas de trabalho têm relação com doenças cerebrais e problemas cardíacos. Em outros casos, levam ao suicídio.

“Percebemos que o Ministério do Trabalho tem feito um imenso esforço para organizar uma comissão que conta com a presença de empresários, sindicatos, governo e especialistas no tema para a revisão e o estabelecimento do limite de hora-extra, ao passo que eles têm hoje uma política de fiscalização nos locais de trabalho”, conta Adriana.

Empresas privadas e funcionalismo

Outra característica observada pelos dirigentes sindicais da CUT é que no Japão eles centralizam num único período as campanhas salariais das categorias. É o chamado Shuntô, a ofensiva trabalhista primaveril, conhecida desta forma por ter lugar todos os anos na primavera no Japão, em abril e maio.

É quando se dão as rodadas de negociações mantidas entre a classe trabalhadora e os patrões de uma única vez. Assim, de um lado permanecem os organismos que representam os empresários e, de outro, a Rengo e os sindicatos que representam a classe trabalhadora.

Willian Kato/ JilafVisita ao banco do trabalhador japonês ,formado por sindicalistas

 

“Considerando a realidade japonesa, podemos dizer que é uma boa estratégia esta de unir as datas-base num único momento porque causa grande mobilização na sociedade”, observa Adriana.

O Shuntô envolve trabalhadores de empresas privadas. É como no Brasil quando, no segundo semestre do ano, as grandes categorias profissionais como bancários, petroleiros, químicos e metalúrgicos se juntam para a realização das campanhas salariais, mas, no caso do Japão, as entidades constroem uma data-base comum. 

Por outro lado, o funcionalismo não promove campanhas salariais unificadas como ocorre no Brasil e, tampouco paralisações. Segundo Oliveira, não existe uma legislação específica que garanta o direito de greve aos servidores japoneses.

“Isso é o oposto da experiência que nós professores estaduais temos vivido em São Paulo e outros professores têm vivido pelo Brasil, já que organizamos amplas campanhas e lutas nacionais.”.

O dirigente exemplifica com a greve dos professores paulistas em 2015, de 92 dias, a maior da história do sindicato. Naquele período, os trabalhadores reivindicavam aumento salarial como equiparação a outras categorias com a mesma formação de nível superior. 

E, na contramão de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e da postura do governo de São Paulo, que tinha à frente Geraldo Alckmin (PSDB), o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, determinou ao governo paulista que pagasse o salário correspondente aos dias parados dos professores.

“O voto do ministro do STF representou o reconhecimento da luta dos servidores”, avalia o secretário-geral da Apeoesp.

Outros dois problemas relacionados à educação no Japão, avalia Oliveira, se refere à contratação de professores japoneses não regulares, semelhante aos professores paulistas enquadrados na chamada categoria “O” que, apesar de realizarem funções semelhantes aos concursados, não têm os mesmos direitos, como a estabilidade, por exemplo.

Ainda, critica o dirigente, o primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, mostra ser capaz de levar a privatização adiante. “É um representante ligado aos EUA que tem facilitado a entrada da iniciativa privada no ensino superior. Uma luta que não apenas o Brasil e outros países da América Latina enfrentam, mas que tem sido também ponto de debate no Japão”.

Willian Kato/ JilafMaior parte dos debates ocorreram na sede da Jilaf

 

A participação das mulheres no mercado de trabalho é alta. Em 2016, o Japão tinha 28,8 milhões de mulheres trabalhando, o equivalente a 44,3% da população feminina. Os dados foram divulgados pelo governo japonês em novembro de 2017. Porém, essas trabalhadoras não estão em sua maioria nos espaços de poder.

Um exemplo está no movimento sindical, explica Adriana. Na executiva da Rengo, em um quadro de 36 dirigentes, apenas duas são mulheres.

“Até 2020, um dos objetivos da entidade é aprovar um aumento de 30% na participação de mulheres na direção”, relata. 

A CUT, nesta questão, tem contribuições importantes. “Estamos mais avançados porque temos a paridade de gênero na direção, que aprovamos em 2012. Ou seja, além de democratizar o poder representativo, temos maior participação nas decisões da Central. A organização das mulheres foi um dos debates que nós e outras dirigentes de entidades latino-americanas fizemos aos sindicalistas japoneses”.

A maior participação das mulheres no movimento sindical pode contribuir, na avaliação de Oliveira, para avançar este debate no país. “Percebemos que as mulheres exercem funções e jornadas idênticas aos homens, mas estão em cargos menores e com menores salários. A representação dela nos sindicatos pode ajudar a ampliar essa discussão”, sugere.

Além disso, segundo o relatório "World Health Statistics: Monitoring Health for the SDGs”, da Organização Mundial de Saúde, as mulheres japonesas, com uma média de vida de 86,8 anos, serão as que mais viverão em comparação a mulheres de outros continentes.

Migrações e trabalho

O envelhecimento populacional é a maior preocupação dos japoneses, segundo os dirigentes da CUT durante o intercâmbio. Este é um fenômeno que envolve não apenas uma política de atenção a esta geração, mas também se deve à redução nas taxas de fertilidade.

Este é um debate que preocupa o governo japonês. “Eles devem viver um grave problema por falta de mão de obra no futuro. Já existe um projeto governamental de abrir as portas a 500 mil imigrantes para trabalhar no Japão nos próximos anos”, diz Oliveira.

Para Adriana, este também é um tema fundamental a ser debatido não apenas por entidade sindicais japonesas. “No Brasil, devemos também ter atenção às condições de trabalho dos brasileiros que estiverem fora do país. É nosso compromisso dialogar com esses trabalhadores.”.

Solidariedade internacional

Em todas as entidades sindicais e órgãos públicos por onde os dirigentes da CUT passaram no Japão, uma avaliação é comum: o intercâmbio de dirigentes fortalece as relações internacionais. 

Willian Kato/ JilafDirigentes sindicais de vários paises e de centrais sindicaisi brasileiras

 

“Não trocamos experiências apenas com o Japão, mas saímos mais fortalecidos para nossa luta no Brasil”, diz Oliveira.

Apesar de o Brasil e o Japão terem uma cultura e história diferentes, afirma Adriana, “lutamos por causas comuns no mundo do trabalho, em temas como inserção das mulheres, não exploração da mão de obra e por uma qualidade de vida. Como eles dizem e está em documentos de sindicatos e da Rengo, o objetivo da nossa luta é, no fim, a felicidade da classe trabalhadora”, conclui.

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