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Iyalorixá de terreiro demolido em Carapicuíba será ouvida por CNDH

Conselho Nacional de Direitos Humanos atendeu a denúncia da Defensoria Pública de São Paulo

Publicado: 28 Julho, 2023 - 13h54 | Última modificação: 28 Julho, 2023 - 14h20

Escrito por: Luiz Carvalho | Editado por: Rosely Rocha

Roberto Parizotti
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Após demolição do terreiro, Mãe Zana segue em luta por reparação

O Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) atendeu à solicitação da Defensoria Pública de São Paulo e ouvirá a Iyalorixá Odecidarewá, conhecida como Mãe Zana de Odé, no dia 3 de agosto.

Com apoio da CUT e de movimentos sociais em defesa da moradia, da preservação do patrimônio histórico, dos direitos humanos e do combate à intolerância religiosa, Mãe Zana luta para reparar os prejuízos à comunidade do terreiro de Candomblé Ilê Asè Odé Ibualamo, localizado em Carapicuíba, na Grande São Paulo, demolido no dia 15 de dezembro do ano passado, durante a gestão do prefeito Marcos Neves (PSDB).

A casa foi instalada às margens do córrego do Cadaval há mais de 30 de anos e destruída sem diálogo prévio para abrir espaço às obras de canalização que começaram em agosto de 2022. O projeto conta com recursos federais do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

De acordo com a Iyalorixá, a negociação que acontecia com ex-prefeito Sérgio Ribeiro (PT) e chegou a considerar um desvio no projeto foi interrompida a partir da eleição da nova gestão. A derrubada pela prefeitura deixou soterrados objetos sagrados e documentos históricos, como a carta de alforria dos bisavós de Mãe Zana oriundos do Congo e trazidos escravizados ao Brasil.

Como reparação, após a decisão favorável à demolição, o atual prefeito a chamou para oferecer um valor de R$ 180 mil como carta de crédito ou um aluguel social de R$ 500 reais, insuficientes para a reinstalação da comunidade tradicional.

Desrespeito

No último dia 14, a Secretaria de Políticas Sociais e Direitos Humanos da CUT acompanhou a visita que o Coordenador da Comissão Permanente de Direito à Comunicação e Liberdade de Expressão do CNDH e secretário de Comunicação da CUT, Admirson Medeiros Ferro Júnior, o Greg, realizou a Mãe Zana. Após a desocupação pela prefeitura, ela passou a viver na casa de sua Iyalorixá e desde o aprofundamento, os trabalhos do terreiro foram suspensos por conta dos riscos estruturais causados pela obra e da pressão política.

“Sou um exilada ambiental”, afirma. “Há um ano paramos as atividades porque o tempo todo tinha gente do governo pedindo para sair, um monte de máquinas trabalhando, cada dia piorando a situação da edificação. Não poderíamos colocar as pessoas em risco, havia gente idosa, com pouca mobilidade, pessoas com deficiência. Também fiquei com medo de acontecer algum tipo de conflito”, explica.
Em conversa com a representação da CUT e do CNDH, ela apontou que a postura truculenta da prefeitura tem relação direta com a perseguição política ao trabalho social e político realizado junto à comunidade, situação que a Central classifica como vergonhosa.

“É inadmissível vermos posturas truculentas como essa ainda em nosso país. Viemos para registrar essa situação e trabalhar para ampliar a mobilização em defesa da liberdade de expressão religiosa”, disse Greg.

Roberto ParizottiRoberto Parizotti
Com a demolição, Mãe Zana abrigou-se na casa de sua Iyalorixá


Desde a audiência pública na Câmara Municipal de Carapicuíba organizada pelo Ministério Público Federal e pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, no dia 27 de abril deste ano, houve apenas um encontro com a prefeitura no início de junho no qual o prefeito se recusou a apresentar qualquer outra proposta.

O caso chegou ao Ministério da Igualdade Racial, responsável por dialogar com o governo federal sobre a pauta.

Perpetuação do racismo

A canalização do córrego do Cadaval, explica Mãe Zana, têm como um dos objetivos facilitar o acesso dos carros a um dos shoppings da cidade. Com as obras, aponta, a prefeitura conseguiu fazer enfrentamento a uma mulher negra reconhecida como liderança política e religiosa e ainda tirar do caminho uma comunidade periférica.

A ação repete o movimento racista empregado contra os ancestrais da Iyalorixá. O avô materno, o babalorixá João Evangelista de Oliveira, conhecido como João Canavieiras, filho de africanos que chegaram escravizados ao Brasil, foi separado da mãe obrigada a ser ama de leite.

Assim como a avó, Makota Maria de Lourdes Evangelista, era remanescente de um quilombo constituído por povos bantu e iorubano e preparou a filha, Marina Clarinda Oliveira de Jesus, conhecida como Mãe Nega, a exercer a função de liderança e a levar adiante as práticas religiosas.

Mãe Nega chegou ao estado de São Paulo na década de 1980 e instalou um terreiro provisoriamente na Vila Dirce, em Carapicuíba. Nove anos depois, ela constituiu o Ilê Asè Odé Ibualamo no local onde estava até ser demolido e que naquela época dispunha de ampla vegetação nativa.

Em 1996, Mãe Nega faleceu e um ano depois, após rito ministrado pelo avô, Mãe Zana assumiu a liderança do Ilê Asè Odé Ibualamo, cargo que ocupa há 30 anos.

Reprodução redes sociais (Arte: Edson Rimonato)Reprodução redes sociais (Arte: Edson Rimonato)
Escombros do terreiro após a demolição pela prefeitura


Mobilização

A CUT defendeu em maio deste ano, durante audiência em Brasília com o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, a importância de o país respeitar a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A medida foi ratificada pelo Brasil em 2022, durante o primeiro ano do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O texto aponta que para a construção de empreendimentos públicos ou privados são necessários protocolos de consulta prévia, informada e consentida, porque as ações impactam nos direitos sociais, econômicos, trabalhistas, culturais e ambientais dos povos.
Na ocasião, a secretária de Políticas Sociais e Direitos Humanos, Jandyra Uehara, levou o caso Ilê Asè Odé Ibualamo ao ministro.

“Falamos também da necessidade desde já da inclusão nas pautas de reivindicações dos sindicatos, de diversas obrigações das empresas em relação aos direitos humanos, conforme orientam os artigos 6º e 7º do projeto de lei 572/22”, que tramita no Congresso Nacional”, disse, ao citar a proposta que estabelece o Marco Nacional sobre Direitos Humanos e Empresas.

O conteúdo aponta dentre suas diretrizes a necessidade de as empresas realizarem processo de diligência para identificar, prevenir, monitorar e reparar violações de direitos humanos, incluindo direitos sociais, trabalhistas e ambientais.

À época da derrubada do terreiro, a CUT-SP também se posicionou contrária à violência e o presidente, Douglas Izzo, reforçou o compromisso com o combate ao racismo, ao ódio, ao preconceito e à intolerância religiosa.
“Ficamos estarrecidos com essa notícia. É inconcebível que o poder público ignore um território sagrado e faça uma demolição como ocorreu em Carapicuíba”, disse.

Prioridade

O objetivo agora é buscar, por meio da Defensoria Pública, com apoio de parlamentares, pesquisadores do LabCidade (Laboratório Espaço Público e Direito à Cidade) da USP (Universidade de São Paulo) e os movimentos sindical e sociais, a garantia de realocação do terreiro e dos moradores retirados de sua casa em outro espaço com condições dignas de habitação.

Um abaixo abaixo-assinado em defesa do reconhecimento da rede de Territórios de Povos e Comunidades Tradicionais de Carapicuíba também cobra a reparação urgente para a violência à qual o território sagrado foi submetido.

O documento conta com quase 600 assinaturas e a CUT-SP é uma das entidades que subscreve a carta disponível aqui.