MENU

João Doria (PSDB) fecha empresas públicas e põe São Paulo à venda

Seu radical plano de privatizações, concessões e PPPs promete atrair para o estado 37,6 bilhões de reais

Publicado: 19 Novembro, 2019 - 09h27 | Última modificação: 19 Novembro, 2019 - 09h33

Escrito por: Rodrigo Martins, da Carta Capital

Wilson Dias/Agência Brasil
notice

O relatório aprovado pela CPI da Furp na Assembleia Legislativa de São Paulo não estava nos planos de João Doria Jr. O governador tucano tem planos de extinguir a empresa, maior fabricante pública de medicamentos do Brasil, e esperava que os deputados dessem aval à iniciativa, com base nas denúncias de corrupção que atingem a estatal. Em vez disso, a comissão recomendou que a empresa continue a funcionar, enquanto o Ministério Público foi instado a investigar a má administração da companhia nas gestões de José Serra e Geraldo Alckmin, do PSDB.

Doria nunca escondeu a intenção de fechar a Furp, que distribui remédios para mais de 3 mil municípios. “Mesmo que existam protestos, pessoas com posições adversas, faz parte do jogo democrático, nós compreendemos, mas é mais uma empresa estatal que será extinta”, anunciou o governador em setembro. Para justificar a decisão, a Secretaria de Saúde argumenta que a empresa causa um prejuízo anual aos cofres públicos de 57 milhões de reais, e “o Estado adquire medicamentos, em alguns casos, por até o triplo do preço daqueles praticados no mercado”. Nem sempre foi assim. 

Os percalços da Furp começaram em 2002, quando o governo paulista decidiu construir uma fábrica em Américo Brasiliense, a 280 quilômetros da capital. Em delação premiada ao Ministério Público de São Paulo, executivos da Camargo Corrêa admitiram ter pago propina para que a fundação indenizasse a empreiteira em 22 milhões por supostos prejuízos com a construção do prédio, finalizada em 2009. A situação agravou-se em 2013, quando a gestão da nova unidade foi confiada à EMS, maior indústria farmacêutica do País.

O primeiro impacto da parceria público-privada foi o sucateamento da matriz. Localizada em Guarulhos, ela produziu 1 bilhão de unidades de medicamentos em 2014. Com o reforço da nova fábrica, que passou a funcionar no ano seguinte, esperava-se dobrar a produção de remédios. Despencou, porém, à metade. Em 2018, as duas unidades fabricaram 529 milhões de unidades. Além disso, a Companhia Paulista de Medicamentos, personalidade jurídica criada pela EMS para a PPP, cobra indenização do governo paulista por conta de distorções entre os valores previstos em contrato e os praticados pelo mercado. 

“Isso dá um prejuízo aos cofres públicos de 90 milhões de reais ao ano. A Procuradoria-Geral do Estado e o Conselho Deliberativo da Furp deveriam ter revisto o contrato, mas nada fizeram. Foram lenientes”, diz a deputada Beth Sahão, do PT, uma das autoras do documento paralelo aprovado pela CPI. Apenas Alex de Madureira, do PSD, votou a favor do relatório original, redigido por ele próprio e afinado com os propósitos de João Doria.

A privatização ou o encerramento das atividades da empresa representa um enorme risco para a saúde pública, emenda Sahão. “Os laboratórios privados não têm interesse de fabricar determinados remédios que a Furp produz, como o Benzetacil, usado para combater sífilis. Da mesma forma estão ameaçados os usuários do coquetel anti-Aids e de medicamentos usados no tratamento da hanseníase e da tuberculose”, diz a deputada. “A Furp é viável, basta o governo rever essa PPP, administrar melhor a empresa e colocar representantes comerciais em outros estados, porque ela vende remédios para todo o País.”

Apesar do circunstancial revés na CPI da Furp, Doria não enfrenta grande dificuldade para se desfazer do patrimônio público. Em junho, a Assembleia Legislativa autorizou, em uma só tacada, a extinção da Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano, da Compa-nhia de Desenvolvimento Agrícola de São Paulo e da Companhia Paulista de Obras e Serviços. Em setembro, os deputados aprovaram o fechamento da Desenvolvimento Rodoviário S.A., conhecida pela sigla Dersa. Apesar de acumular prejuízo de 405,4 milhões de reais, esta última empresa teve lucro de 29,3 milhões de reais no ano passado, resultado da alienação de imóveis, e possui um patrimônio de 2 bilhões de reais. De acordo com Teonilio Barba, líder da bancada petista, não está claro o que será feito com os bens da estatal. “Passamos um cheque em branco para Doria”, queixou-se à época.

A Fundação Oncocentro de São Paulo também está na mira do governador. A Secretaria Estadual de Saúde anunciou a intenção de desativá-la, transferindo seus serviços para outros centros de diagnóstico. Criada em 1974, a entidade gera uma despesa de 10,8 milhões de reais por ano, pouco perto da sua produtividade. Anualmente, o laboratório realiza cerca de 220 mil exames de Papanicolau e faz a análise de cerca de 10 mil biópsias, além de fabricar próteses para vítimas de câncer que tiveram partes da cabeça e pescoço amputadas.

Segundo a Secretaria de Saúde, a fundação encontra-se ociosa e defasada, mas a justificativa é rejeitada pela oposição. “A instituição tem enorme expertise na área, e seus serviços não custam caro”, diz Sahão. “Ao que parece, Doria está mais interessado no prédio da Oncocentro, localizado na Rua Oscar Freire, perto do Metrô Sumaré, uma área muito valorizada da cidade.”

Por ora, o maior obstáculo à agenda privatizante de Doria tem sido o Judiciário. Em outubro, a concessão de quatro presídios recém-construídos pelo governo de São Paulo à iniciativa privada foi suspensa por uma juíza da 13ª Vara da Fazenda Pública do Tribunal de Justiça de São Paulo. Mesmo após o presidente do TJ, Manoel Pereira Calças, derrubar a liminar, a licitação voltou a ser suspensa por ordem do Tribunal de Contas do Estado. Nada capaz de constranger o governador, que divulga a dilapidação do patrimônio público nas redes sociais como feitos grandiosos. Seu radical plano de privatizações, concessões e PPPs promete atrair para o estado 37,6 bilhões de reais. Será?

“Os governos tucanos trabalharam incansavelmente para privatizar tudo o que fosse possível, mas Doria está com uma sede ainda maior, como se isso representasse a salvação do estado”, afirma Sahão. “Se isso fosse verdade, o governo não precisaria cortar tantos investimentos, como tem feito. Para o próximo ano, o orçamento em habitação caiu pela metade. Se o patrimônio do estado está sendo liquidado e, ainda assim, não tem dinheiro para investir em áreas essenciais, isso é um sinal de que a gestão tucana não é tão competente como diz. Doria afirma que é um gestor, não um político, mas decepciona nas duas áreas.”