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Jogadas políticas lembram 64, diz filho de Jango

Financiamento empresarial em eleições e mídia marcam crises

Publicado: 29 Julho, 2015 - 10h58 | Última modificação: 29 Julho, 2015 - 11h09

Escrito por: Érica Aragão

TV Cultura
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Filho de Jango, João Vicente Goulart, em entrevista para TV Cultura

“Hoje nós estamos vendo aí jogadas políticas que nos lembram muito 1964”, afirma o filho do ex-presidente Jango, João Vicente Goulart. Para ele as semelhanças são reconhecíveis.

João Vicente está se referindo à comparação do momento que estamos vivendo com aquilo que seu pai, João Goulart, viveu no processo da derrubada do governo. Para ele o financiamento empresarial é a grande conexão entre hoje e 1964.

Segundo o Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), uma campanha para eleger um deputado não sai por menos de R$ 2 milhões, e a de senador, por menos de 5 milhões.

“É onde entram as grandes empresas. Financiam campanhas em formas de doações e seus benefícios garantidos através de acordos.  Aí que se criam as bancadas de interesses empresariais. A bancada da bala, a bancada evangélica, a bancada ruralista, entre outras que criam segmentações de bancadas que fazem políticas por interesses daqueles que os financiaram. Temos aí uma semelhança muito grande com a eleição em 1962, ano que iniciou o processo do golpe”, explica João Vicente.

João Goulart ficou conhecido como o presidente que propôs reformas estruturais e aprovou direitos trabalhistas como o 13º salário e direitos eleitorais como o voto para analfabetos. Isso agradou uma grande parte da população, mas não agradou muito a elite, que teria menos lucros com os benefícios dados aos trabalhadores.

Segundo João Vicente, João Goulart, conhecido popularmente como Jango, teve seu mandato de Presidente da República interrompido por um golpe parlamentar financiado pela CIA, agência de inteligência norte americana, com interesses baseados nos grandes lucros.  Jango substituiu Jânio Quadros, que renunciou em 1961. “A eleição para o Congresso em 1962, financiada pela CIA, elegeu mais de 140 parlamentares entre deputados e senadores para derrubar Jango”, observa ele.

O ex-embaixador dos EUA no Brasil, Lincoln Gordon, quando esteve no Brasil em 2002 para lançar um livro sobre o período de 1964, afirmou no programa Roda Viva que usou a CIA, com dinheiro americano, para depor o presidente João Goulart. “Lincoln falou que foram usados 5 milhões de dólares de verba secreta para derrubar Jango, que já era presidente na época e propunha várias reformas que atingiriam os privilégios das elites, que é o que está acontecendo hoje”, afirma João.

A mídia também teve grande participação no golpe. “Jango ficou taxado pela grande mídia de comunista, porque quando o presidente Jânio Quadros renunciou, ele, que era vice e deveria assumir o poder, estava na China. Na época quem era amigo da China era comunista”, explica João Vicente.

Várias manchetes foram decisivas para aumentar a quantidade de pessoas nas marchas que aconteciam naquela época, tudo articulado para o golpe. Uma marcha bem conhecida e que contribuiu para a derrubada de Jango foi a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade” que reuniu mais de 500 mil pessoas na Praça da Sé.

Eventos considerados aparentemente “desconexos” foram tomados como reações espontâneas de segmentos da população. Na verdade, essas manifestações apresentavam uma sólida coordenação por parte da elite através da imprensa.

Para o sociólogo e jornalista, Laurindo Lalo leal Filho, a mídia sempre esteve ao lado das forças das elites mais conservadoras contra os movimentos populares, contra os governos que têm origens mais populares. “Isso se mantem até hoje quase que de forma indistinta. Talvez até em 64, a gente pode dizer que a força da imprensa, apesar de poderosa, inclusive teve participação decisiva no golpe, era ainda naquela época menor do que é hoje”, afirma o jornalista.

Naquela época a televisão não estava em todas as casas. Hoje, mais de 90% têm televisão em casa e 95% das pessoas se informam pela TV. “A televisão é mais concentrada ainda, no ponto de vista político e ideológico do que os jornais que ainda abrem um espaço ou outro para um comentário alternativo para falarem que são imparciais. A televisão não. A televisão é monolítica e faz esse papel com muita força e é ela que encabeça o processo golpista no Brasil, isso sem dúvida”, destaca Lalo.

O Diap também cita em sua publicação “Radiografia do Novo Congresso, legislatura 2015-2019”, que o Congresso Nacional é hoje o mais conservador desde a redemocratização do país, no final da década de 1980.

“Esse congresso eleito em 2014 está comprometido com o dinheiro no qual eles foram financiados. É por isso que eles não têm nenhum pouco de responsabilidade com o povo brasileiro, sequer obrigação”, diz emocionado João Vicente ao comparar com a história em 1964.

 “Esse presidente da Câmara, Eduardo Cunha, por exemplo, é unha e cara lavada do então presidente do Senado, Aldo Moura de Andrade, que decretou vaga a Presidência da República em 1964, legitimando o golpe civil e militar com o presidente dentro do país, em Porto Alegre, tentando resistir”, destaca o filho do Jango.

“As elites não aguentam mais perder eleição. Estão se articulando tipo um cavalo de corrida paraguaio, como aconteceu com o presidente Lugo, com um congresso comprometido com estas elites, comprometido com grandes financiamentos, e isso é uma consequência da falta de uma reforma política, assim como Jango queria na época, reformas estruturais para o país. Nós estamos falando de reformas há 50 anos e até hoje não houve”, critica João Vicente.

“As semelhanças que estão aí, apesar da grande diferença temporal, são semelhanças muito cognitivas: o congresso da época, o golpe que estava sendo preparado em 64 e as movimentações de traições políticas como as que vêm acontecendo hoje, principalmente na base parlamentar de sustentação ao governo”, lembra João Vicente.

“Hoje nós estamos na mesma situação tanto no que se refere à mídia quanto ao congresso e ao financiamento empresarial. Está na hora de uma grande frente nacional. Acho que os partidos de esquerda, sindicatos, movimentos sociais e populares deveriam fazer essa frente e lutar por alguns pontos comuns, que são: não ao retrocesso, não ao ajuste fiscal, e para exigir mais direito para os trabalhadores e mais conquistas sociais”, finaliza João Vicente, que também é diretor do Instituto João Goulart, no Rio de Janeiro.